31.1.09

Boa noite, mas eu fecho a porta.
Porque todos estão sob a responsabilidade alheia. E os sonhos alheios me interessam menos.

1. Teorias de Base - Poesia, um caso de primeiridade

Exemplo de melopéia: desde quadrinhas infantis, carregadas de ruídos onomatopaicos, até grandes obras-primas como Castro Alves dizendo “que a brisa do Brasil beija e balança” ou Vinícius de Moraes “no diz-que-diz-que macio”.

Ritmo
Na porta
a varredeira varre o cisco
varre o cisco
varre o cisco

Na sala
a escovadeira escova o piso
escova o piso
escova o piso

No tanque
a lavadeira lava a roupa
lava a roupa
lava a roupa

até que enfim
chega a seu cabo
a faina toda
e o mundo gira célere como um pião!
(Mário Quintana)

Para festejar a morte de um mito morto

Era noite quando se apagaram as luzes e ele foi conduzido para uma ante-sala vazia e fria. Tivera de aguardar até que onze badaladas e meia anunciassem sua chegada, então um mordomo franzino, de óculos, andar desajeitado e um tanto frouxo, avisou:

- Vai ter de esperar até amanhã. Hoje o Dr. Pedro, gerente do Departamento de Transições, precisou encerrar o expediente mais cedo.

Hoje só amanhã, resmungou por dentro. Ele que sempre odiara o hoje só amanhã, ele que sempre xingara seus funcionários de incompetentes quando se calcavam no hoje só amanhã, ele que extinguira de suas empresas o hoje só amanhã. Ironias da vida também há no pós-vida, constatou num misto de sorriso cínico e raiva interior.

Raiva interior anterior ao fato de que se apercebera logo em seguida: teria de passar a noite ali, provavelmente dormindo naquele chão escuro e gelado, um tanto úmido. Vai saber se não existem insetos nojentos por aqui?, pensava, mas ficava só no pensamento. E se tiver ratos?, mas não se atrevera de jeito algum a reclamar para o mordomo franzino que ia se retirando da ante-sala. Vai que ele fosse algum anjo, algum guardião-celestial... Melhor não se indispor com essa gente. Vai que ele fosse um delator, pronto a adulterar sua ficha comportamental... Melhor não se indispor com essa gente.

A noite não tem piedade dos insones. A noite é cruel com os workahoolics. A noite é faminta quando olha para os olhos dos que não sonham porque sequer dormem. Pensava em tudo isso quando a madrugada despontava para cair depois. Porque era esse o horário em que ele, recém-divorciado, mais rendia. Afrouxava o nó da gravata e, sozinho no escritório, dedilhava ininterrupto pelo teclado de seu computador, relatórios e relatórios, contas, extratos, sonhos.

Agachara-se. Faltava-lhe coragem para sentar, deitar, naquele chão fétido. Era a degradação e ele jamais compactuou com a degradação.

Foi se despindo e, desnudo, imaginou-se caso houvesse um espelho ali. Toda a pompa extinguira-se, acabara-se. Agora era só ele, em minúsculas, sem mistificação.

30.1.09

1. Teorias de Base - Poesia, um caso de primeiridade

Exemplo de fanopéia: maioria dos poemas de Baudelaire, com aquela profusão de imagens fortes e sinestésicas; textos parnasianos e simbolistas.

Vaso Chinês
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?... de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.

Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.
(Alberto de Oliveira)
É na pausa que o arrependimento se estabelece.

Filminho de sexta



Viral, mas legal.

Have a Nietzsche day!

No silêncio, eu me encontro.
O resto são vazios.

VINTE E NOVE DE JANEIRO

Sempre é assim: a expectativa, a desilusão e eu enxotando fragmentos de um amor perdido. Porque a história romântica ocidental resume-se ao tombo. Ou aos tombos, para ser menos específico e mais exato.
O importante é que tem futebol na televisão, Brahma na geladeira e água quente no chuveiro. Para distrair, coleciono pensamentos de todos os estilos. Dos musicais aos divertidos, dos cheirosos aos ricos, dos problemáticos aos poéticos.
Hoje não tem sexo.

Link legal

Obra completa de Fernando Pessoa.

11. Zumbi zureta, zzzZZZzzzZZZzzzZZZzzzZZZ

O pobreta, pobre poeta, acordou com elefantíase semântica. Para que isso jamais tornasse a se repetir, decidiu nem mais dormir nunca. Virou zumbi zureta.

- Tenho uma faca inutensílio para socorrear a você.

- E eu, uma espada multicolorida de hipnotizar.

- Então vamos falar de fotografia, porque adoro fotografar pensamentos. Pena, nem sempre eles se me revelam; por isso tenho preferido às vezes fotografar sentimentos e sabores.

- Você terapia ao rodopiar ou prefere tergiversar-me? Eu, verso.

- Na delícia de alimentar um balé de palavras, olvido os álibis para eleger sensações.

- Hum-hum.

- Nem-hum, nem-houtro. São sabor amora, porque sonoram maior.

- Preciso beber ao som de jazz. Lendo Neruda a dois. Enlouquecendo pétala-borboleta.

Zumbi, zureta, pobreta conversava consigo. Era pergunta e era resposta. Unívoco. Uníssono. Unílogo.

- Saudades de ser pedra. No sapato.

Nove meses

Depois do amor, nove meses, era um gemido grande e um berreiro maior ainda anunciando novo habitante no mundo, nova criatura pra respirar poluição, nova criança pra sofrer tudo o que a vida guarda.

Aí era aquele sorrisinho frouxo, ambiente asséptico, médico com cara de idiota olhando pras mãos tão acostumadas a bater em bundinha de neném. Cena 12.842/2004. Corta VT e o cordão umbilical junto. Pode levar.

Quem vê cara não vê coração, vê joelho e joelho amassado ainda por cima. Vermelho. Os olhinhos fechados não permitem nada de cutucar, nem um olhar de esguelha. Agulha já é vacina ou ainda é muito cedo pra injetar corpos estranhos dentro do estranho corpo cor de cor? Absurdo.

Depois do amor vem sempre aquela dor pontiaguda, aquele sentimento punk em cima da cabeça. O depois do amor não existe, se o amor for mesmo amor. A não ser que não haja sinal nem senha, que não se veja sanha nem sonho, que não se tenha amanhã. O amanhã não tem tamanho se há amor.

Hoje é o amanhã. Acordei chovendo pra rimar com as lágrimas do meu âmago. Eu te âmago. Depois do amor, nove meses, era um gemido grande e um estranho berreiro ainda anunciando tudo: aquilo vivo que há entre o nascer e o morrer. Um vampiro que escorre a espreita e uma montanha que sacode na esperança.

Agora é só uma dor pontiaguda que nem parece sombra de amor. Agora é só um suspiro, um jeito cibernético de olhar pra tela vazia, uma janela entreaberta. Agora é só saudade.

Eu só queria era o esperma escorrendo entre suas pernas.

29.1.09

1. Teorias de Base - Poesia, um caso de primeiridade

Exemplo de logopéia: maioria dos poemas de Fernando Pessoa, com aquela lógica argumentativa.

Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
(Fernando Pessoa)

Instante da estante

BANDEIRA, Pedro. A droga da obediência. São Paulo: Moderna, 1992.

Ainda quero fotografar

  • Pensamentos;
  • Vazios;
  • Aromas;
  • Tudos;
  • Um jogo do Palmeiras.

Aspiração

Queria entender de silêncios.

10. Diálogo acontecido dentro de meu sapato

- Vamos brincar de pedras?

- Como se faz? Com formigas caminhando sobre? Com cócegas no limo nascente?

- Mas a pedra pode ficar submersa em um aquário de neons. Aí nascerão algas.

- E terá um cascudo a se esfregar, sugar o verde, viver?

- Talvez.

(...)

- Não gostei dessa de brincar de pedras.

- Mas foi você quem sugeriu.

- Sim.

- E por que não?

- Pela frieza. Pela rigidez. Pelo cadáver que sinto em você-sendo-pedra.

- Como cadáver se nunca houve vida?

- Pela dureza. Pela falta de expressão.

- Como a vida?

- Sim. Mas é preciso vivê-la, apesar dos dissabores. Só assim a vida finge que vale a pena.

- E a pedra? Chora?

- A pedra serve para tapar o túmulo.

- Feito lápide?

- Com inscrição e tudo.

- Aqui jaz Fulano de Tal?

- Aqui jaz Fulano de Tal. E a beleza pétrea está justamente na identidade do Fulano de Tal, que pode ser eu ou você.

- Vamos brincar de pedras?

- Ganhei.

VINTE E OITO DE JANEIRO

Porque sou um completo idiota. E fico contando os feixes de fumaça que saem dos cigarros alheios.

Devaneios da razão

( os devaneios da razão devem ser aqueles momentos inexplicáveis em que a parte pensante se liberta da parte responsável do nosso ser e então os pensamentos ganham asas, cruzam a exosfera e vão se encontrar com Deus ou alguma espécie de energia onipresente que mora ao lado das estrelas / os devaneios da razão existem em todas as religiões, em todas as filosofias, em todas as ciências, sob os mais diversos nomes e codinomes; o que ninguém percebe é que os devaneios da razão não precisam de nenhuma religião, filosofia, ciência, nem nada / os devaneios da razão são essência )

Ana Clara era Ana mas não era clara. Porque sua mente, apavorada de novavelha, há muito andava opaca, reverberando a cor do mundo que a cercava.

Ela não queria perder de todo a razão porque, no fundo, preocupava-se muito com a idéia de acabar ensandecida em um hospício, feito cobaia humana de psiquiatras doidos e suas elétricas teorias experimentais para curar a loucura. Mas onde estava a razão? Havia mesmo algum lugar, nos recônditos escuros do cérebro, entre reações químicas e conexões neuróticas dos neurônios, onde se alojava a consciência?

Ana Clara procurou a resposta em Freud, já faz tempo. Não encontrou.

A razão podia ser alma, bem desalmada, sem calma, virar energia, vir do pó e ao lodo voltar depois da chuva? Se Deus existisse a razão podia ser brinquedo de Deus, esse bonachão!, se divertindo com a gente. Vai que fosse o castelo de Franz Kafka, aquela angústia impermeável e longe do alcance dos aldeões?

Uma vez ela tinha lido que o pensamento era uma coisa à-toa. E tem um cientista português de renome, um nome que não vem ao caso nem à memória, que jura pela mãe mortinha que todas as células do corpo, e não só o cérebro, pensam!

Ana Clara decidiu ir mais longe, ou porque preferia ela girar a contemplar o mundo parado ou porque sim. Percebeu, inconformada, num misto de êxtase e decepção, que a alma, a consciência, o pensamento, a razão, nada disso tinha fórmula molecular fixa, tampouco forma geométrica constante. Não são ondas nem partículas. Hoje parecem sereias indefesas, amanhã terríveis monstros onipotentes. Talvez não sejam nem energia, não possam ser convertidos em massa pelo célebre raciocínio lógico einsteiniano e=mc2, e nem existam de fato.

Ela percebeu que a alma, a consciência, o pensamento, a razão têm a espessura exata do infinito. E achou isso tão bonito que fez brotarem rosas em seu coração!

Se a razão coubesse no palpável, como explicar que toda reta não passa de um círculo de raio infinito? Como supor que a luz é a quarta dimensão métrica, o tempo podendo ser representado por metros elevados à quarta potência? Como saber que todo número divido por zero é igual ao infinito, provando de vez assim a possibilidade bíblica da multiplicação máxima de qualquer pouco?

Ana Clara sorriu quando descobriu o segredo do Universo: a razão é maior do que parece e a consciência humana está situada, bem guardadinha, num oásis profundo de perseverança em dor.

Sem querer, Ana Clara descobriu que há um esconderijo mais seguro do que o do Bin Laden. E fica pertinho. Dentro do infinito.

28.1.09

1. Teorias de Base - Poesia, um caso de primeiridade

Melopéia, som. Fanopéia, imagem. Logopéia, idéia. Ezra Pound é o criador desta classificação consagrada, sagrado pilar para a compreensão da poesia com os olhos fixados no século vinte, embora olhando para a totalidade precedente. Para Pound, contudo e com nada, a logopéia é a maior delas, porque raciocina. Pensamos numa boneca russa: dentro da logopéia cabe a fanopéia cabe a melopéia. Aglutinando valores a logopéia realmente é a maior, pois nela estão as outras. Mas pensando na essência, no âmago da poesia: melopéia. Desde o princípio: melopéia.

Almas

cada alma que me escorre
-- e não é a sua, nem a minha --
nos distancia?

cadê o toque? cadê o olhar?
-- aquilos que suam, alegram --
de mais um dia.

cada alma que me foge
-- e não é a sua, só a minha --,
minha agonia.

Um quadro às quartas

Nomeio mistério semântico no meu ministério romântico no meio

Mas eu não sei como dizer o que sinto. Assim: falta-me o ar, perco os pulsos, meu corpo desfalece... Refém de seus sonhos, vítima voluntária de seus anseios, coadjuvante de seus planos, protagonista de suas curvas. Indo e vindo, vivendo, voando.

Ainda me faltam, porém, as palavras certas para dizer a ela o que sinto. Não sei como dizer: os verbos exatos perecem, os substantivos abstratos desaparecem, os advérbios não têm a intensidade de que preciso, os numerais não satisfazem. Ah, quem dera eu fosse poeta de verdade e soubesse escrever-lhe o que ela tanto merece. Escrevê-la, quiçá.

Uma palavra apenas eu queria, uma palavra. Traduziria eu em uma palavra tudo o que sinto, quero dizer e não consigo? Existe tal palavra perfeita? As minhas inquietações caminham sozinhas pelo vácuo intransponível do silêncio, sem eco, sem resposta.

Mereceria eu um amor que, de tão grande, sou incapaz de definir? Ouso perguntar, quase que por acaso.

Mas é silêncio, sempre silêncio que encontro, ainda que no sorriso da amada. Um silêncio que arranha, quase um barulho mudo. Isto é: um violão sem cordas, um coral de surdos, um quarto sem cantos, uma cor cega, um triângulo de uma reta só.

(...)

Tem sim a palavra! Ou a palavra não seria, simplesmente, amor?

27.1.09

VINTE E SETE DE JANEIRO

Que poderia se chamar "Do futebol e seus estranhos redondos poderes de arranhar o tédio, promover a paz e criar lides". Ou "Da impossibilidade técnica de a fotografia digital superar a analógica e suas veleidades quotidianas".

1. Teorias de Base - Poesia, um caso de primeiridade

Amor à primeira vista. Poesia. Jornali(ri)smo em toda a sua essência. O poeta percebe. O poeta apreende. O poeta se rende à beleza majestosa e sonora da palavra e lavra seus versos por misericórdia, retratando e pincelando a vida. O poeta é o repórter que lida a palavra-objeto. O poeta é o repórter do texto não-objeto.

Terça sonora



"Cá estou carente
Manda novamente algum cheirinho de alecrim"

Os irmãos Andrade

Juca-Ansado se divertia com o que lia, mesmo quando não gostava. Sua mente era povoada de heróis psicodélicos, damas sofrendo por amor, gatos presos nas árvores, bombeiros apagando incêndios causados pela bituca de cigarro que seu pai sempre fumava. Porque o pai de Juca-Ansado fumava direto. E quando alguém dizia que ele ia morrer de câncer, ele concordava mesmo. Mas quando alguém lhe perguntava o porquê dele fumar desvairadamente daquele jeito, ele respondia que tinha comprado algumas ações da Souza Cruz e queria valorizar o seu produto especulatário.

Juca-Ansado era diferente de seus colegas por dois motivos. O primeiro é o mais óbvio de todos: já ninguém mais costumava ler livros no tempo de Juca-Ansado, só ele que lia, e lia assim de uma maneira obstinada e quase sexual. O outro motivo é que Juca-Ansado não se apaixonava pela história do livro, mas ficava fã mesmo era dos autores dos livros. Ou seja: sua mente era povoada de heróis psicodélicos, damas sofrendo por amor, gatos presos nas árvores, bombeiros apagando incêndios causados pela bituca de cigarro que seu pai sempre fumava, e todos esses personagens eram os autores de suas próprias histórias. Os heróis psicodélicos escreviam tudo com os laptops de última geração, as damas sofrendo por amor pegavam a pena romântica e rabiscavam cartas patéticas, os gatos presos não escreviam porque gatos não sabem escrever, os bombeiros eram na verdade contistas de primeira qualidade.

Os que mais fascinavam Juca-Ansado eram os modernistas. Gostava sobretudo dos irmãos Andrade: Mario de Andrade, Oswald de Andrade e Carlos Drummond de Andrade. Sabia de cor vários poemas do trio parada dura que para ele eram os três mosqueteiros menos Dartagnan que poderia muito bem ser o Manuel Bandeira, manézinho do coração dele.

Quando Juca-Ansado ficou crescido o suficiente para ser irresponsável e sair aprontando por aí, ele experimentou ácido lisérgico pela primeira vez. E começou a ver coisas maravilhosas em seus livros que lia e aí foram vacas caindo da constelação de Órion, cenas de cinema brotando do palco do Odeon, os Beatles em carne e osso pedindo autógrafo para ele. Juca-Ansado chegou em casa numa noite abraçado com o extintor de incêndio e cantando come on baby, light my fire numa piração estonteante.

E os irmãos Andrade eram parceiros nessas aventuras por outros mundos. LSD, irmãos Andrade, Manuel Bandeira vestido de Dartagnan.

Juca-Ansado foi ficando cada vez mais descansado pois a vida era-lhe se não bela ao menos confortável. Pelo menos o sol brilhava até em penumbrosos dias de chuva e todas as garotas eram bonitas mesmo aquelas desengonçadas com caras de nerd.

Um dia ele decidiu acabar com o LSD, e com o conto. Assim, sem mais nem menos. Quase briguei com ele, dizendo que o conto ainda estava pela metade, faltava o conflito, faltava o desfecho, faltava tudo. Nem parecia um conto ainda.

- Se quiser pode continuar. Mas terá que ser sem mim!, disse-me Juca.

Mas como? Como continuar sem o protagonista? Logo agora que a história vai ficando legal, talvez até emplacasse um Nobel de Literatura, se fosse filme tinha certeza que levaria o Oscar, o conto ia ficar sensacional. Não. Não acredito.

- Ok. Você não precisa acreditar. Estou saindo.

Não pode me abandonar assim. Seu ingrato! Não se esqueça que você é minha criação e...

- Não mandei você me dar autonomia. Vida própria, inteligência artificial, capacidade de ser irreverente.

E agora? O que fazer? Ao menos me diga o porquê disso tudo.

- É que fiquei frustrado. Descobri que você é um tremendo mentiroso. Os irmãos Andrade nunca foram irmãos.

Fiquei só, olhando estático para o computador, resmungando qualquer coisa revoltado. Meu personagem tinha fugido. Em seu quarto restavam apenas um resto de LSD, duas garotas até que bonitinhas e uma vaca das que tinham caído do céu. Os Beatles dormiam ao canto, e roncavam alto os desgraçados! Peguei um livro do Modernismo Brasileiro que repousava, alheio a tudo, sobre a mesa. Fui ver os irmãos Andrade e o Manézinho Dartagnan.

VINTE E SEIS DE JANEIRO

Um dia em tópicos que dialogam:
- Saí para caçar uma alma bonita.
- Não sei mais escrever poemas.
- Existe remédio para gripe?
- A tinta da caneta está no fim.
- Por que a TV só está falando de futebol carioca?
- Vou visitar a Biblioteca Mario de Andrade.
- Ainda não descobri o paradeiro da alma bonita.
- Para que quero?
- Para fazer cócegas nela tão profundamente que até o olhar vai sorrir.

26.1.09

1. Teorias de Base - Noções de Gestalt

Os princípios gestaltianos mais comuns são a Proximidade, a Continuidade e o Fechamento. Alguns conceitos são muito importantes:

· Manter a coerência
· Evitar transições bruscas
· Manter objetos que atuam como referências visuais
· Organizar a informação de modo que se distribua a geral primeiro, para depois especificar os detalhes.

Sem título, sem crônica

Gastei o dia tentando caçar uma borboleta tão bonita que coubesse nesta crônica. Mas não encontrei: todas elas eram bem maiores do que esta crônica e fiquei com pena de caçá-las.

Então hoje não tem crônica.

Para começar a semana

"Escrevo para ser lido. Para deixar o meu recado, o recado do meu tempo, do meu jeito, da minha época."

Salim Miguel (1924- )

VINTE E CINCO DE JANEIRO

Dentre as categorias possíveis, sou paulistano por adoção, ou seja, o mais sincero e genuíno dos paulistanos possíveis: o que escolheu sê-lo.
E hoje, justo hoje, data magna e nervosa em que a cidade assopra quatrocentos e cinquenta e cinco predinhos brancos (acinzentados), com quarenta e duas páginas terminei meu livro pela segunda vez.
Na mente, a nostalgia que vem é do tempo em que eu escrevia um livrinho ilustrado chamado "São Todos Os Meus Gibis".

25.1.09

1. Teorias de Base - Noções de Gestalt - Tamanho relativo ou área

Em duas figuras que se sobrepõem, a menor é identificada como objeto, enquanto a maior como fundo. No exemplo ao lado, a estrela está sobre a elipse.

Domingo, foto

Anne Chauveau, 2007
Clique de Luciana Franzolin (1978- )

Vagos reflexos e divagas reflexões

Sonhos, estilhaços de sonhos, como que fossem de um espelho quebrado em sete pedaços depois dos pedaços do coração em pedaços, estilhaços e cacos de vidro espelhado, estilhaços onde vejo refletidas minhas lágrimas, meus olhos, meu olhar.

CLASSIFICADOS
==================
VENDO
Os olhos
Com uma venda bem negra.
Preço a combinar.
==================
TROCO
Olhares.
Suspiros.
Ilusões.
==================
COMPRO
O que se desfaz
No ar.
Ao vivo.
==================

Sonhos, estilhaços, uma gota de. Saudade? Eu ia dizer saudade? Liberdade. Liberdade ainda que tarde, ainda que arde, arda, doa de doer mesmo. Espelho quebrado. Sete pedaços. Sete anos de azar. Sete meses no Tibet. Sete anos na prisão. Sete séculos de solidão. Sonhos? Só doces de padaria.

Acordei. Olhei-me ao espelho e refleti, refletido que estava, quão tacanha é a. Vida? Morte? Meio-termo entre. Sempre entre. Meio e meios. Solução. Soluções. Soluços.

Acordei novamente. Olhei-me ao espelho e fiquei espantado:

- Afinal de que lado do espelho eu moro?

Do lado de cá. Mesmo sem saber se aqui é vida ou apenas imitação da vida. Imaginação da vida. Mesmo sem saber se eu me quebraria ao cair ou sou feito de pele e osso mesmo. Mesmo. Mesmo sem saber de nada nem saber o que é saber. E aquelas coisinhas do sabiá que sabia assobiar e blá-blá-blá.

Acordei mais uma vez e pensei como seria feliz se ao menos algum dia minhas palavras fossem pena passeando por cada centímetro do teu corpo, fazendo-te carícias impossíveis de tamanho e cor.

Então voltei dormir. Dormi hora e meia. No meu sonho tinha um revólver verde e quase enferrujado com o qual eu matava todas as pessoas chatas. Matei-me.

(Dizem que morto não tem reflexo no espelho!)

Link legal

Corriere Della Sera. (Io bisogno di imparare il mio italiano.)

Downloads

Bem interessantes essas coisas, meu caro. Penso que a internet é uma revolução em si menos pelo suporte e pelo aparato tecnológico que pela possibilidade de seus utentes democratizarem o conhecimento. E deixemos para lá neste momento as natimortas discussões de que não é democrático aquilo que não atinge a todos ainda. É questão de tempo-espaço. Sempre existiram - e, creio, infelizmente sempre existirão - nas sociedades humanas segregações. São injustas? São inúteis? São malévolas? Certo que sim. Mas tal fato não pode prejudicar a percepção de que algumas (poucas) criações têm o poder de disseminar informações, criações, lazeres e - principalmente - pensares.

Ps.: Infelizmente o link não funciona mais. Cheguei tarde ao download.

VINTE E QUATRO DE JANEIRO

Ainda ontem eu era o cicerone das dores alheias, utente fiel e real de toda as sonoplastias guturais gemidas, dos ais e dos uis mais sinceros. Ganhava mal por isso, mas a beleza estava nas entrelinhas e nas entrepernas fêmeas.
Quando auscultava uma lascívia a mais, uma reticência prazerosa qualquer, trancava a porta e defenestrava a chave.

24.1.09

1. Teorias de Base - Noções de Gestalt - Isolamento e fechamento

O mais provável é que o leitor veja como completas ou contornadas (cercadas) as figuras, mesmo quando lhes falta algum pedaço. Um contorno forte induz o receptor a dividir o espaço entre “dentro” e “fora”. A figura ao lado é um bom exemplo deste princípio: mesmo “faltando partes”, o leitor identifica as figuras geométricas básicas.

Link legal

Biblioteca de raridades da USP.

Fênix

Tem sonho que não rende mais poesia. Aliás, tem dia que não rende mais sonho.

Hoje, acordei estranho. Já não tinha mais brilho no olhar, estava como que um taciturno eterno, senti que jamais retornaria ao riso. O espelho, pela primeiro vez desde que fiquei velho, negou-me mostrar a minha imagem e, por isso, não lavei meu rosto. Mal sabia se ainda tinha meus dois olhos.

Avaliei minhas posses, calculei minha renda. Sim, se morresse hoje teria como custear o féretro e ainda sobraria um dinheiro para saldar as últimas dívidas. Não, não seria um defunto fardo pra ninguém carregar, isso não.

- Mãos ao alto! - a vida tomou-me de assalto. Sem muito o que fazer: rendi-me. Joguei a toalha de rendas, o lixo podre, a esperança de morrer logo. Com a vida armada atrás de mim, tive de recomeçar a viver.

Um poema

um poema nasce da dor
de sem rima
se contrapor
ao que se via
amor.

um poema pesa tanto
quanto um átomo.

um poema sabe tanto
quanto cabe,
e se não coube
não sabe nada.

um poema é só, é jazz, é aquário quebrado
e água vazando ladeira acima.

um poema não rima.

23.1.09

VINTE E TRÊS DE JANEIRO

(Hoje não tem.)

1. Teorias de Base - Noções de Gestalt - Simetria

Se existe simetria entre os elementos de uma figura, a tendência é que se perceba o conjunto simétrico como um todo, ao invés de suas partes em separado. Na figura ao lado, vemos dois quadrados sobrepostos, e não duas figuras simétricas com cantos se encostando.

Filminho de sexta



Quem é Marcelo Tas?

Idéias para uma crônica não-feita

texto: > Anjos de Prata
> Tema da quinzena: "DESENCONTRO" (confirmar)
> data limite pra terminar e mandar: 30.05 às 24h

= e-mails perdidos e cartas extraviadas: quem são? para onde vão? quem é que lê e se diverte com os relatos alheios? quem é o dedo que brinca de invertê-los?

= linhas telefônicas cruzadas: é possível estar eu falando com extraterrestres? quem fica embramando as linhas? quem fica dependurado no poste alternando os fios telefônicos? a ana paula arósio sai da televisão ou nasceu lá dentro?

= santo baixando no centro espírita errado: quantos pretos velhos você já ouviu? eram os deuses astronautas? por que os seres não aparecem mais pra tomar um cafezinho? vamos dormir ou ainda é cedo?

= ônibus que ia e agora tá voltando: o motorista ficou louco ou o cobrador dormiu? pago um e vinte mesmo assim? qual o plural de ônibus? eu quero ir de ônibus espacial, você vem?

= você saindo pro trabalho e eu caindo na cama: quando nossos horários vão bater? quem vai se machucar? existe vida após o sono? deus existe mesmo ou é só uma mentira muito bem contada?

22.1.09

1. Teorias de Base - Noções de Gestalt - Boa continuidade

O leitor geralmente constrói a percepção de uma entidade visual a partir de elementos que são contínuos e mostram transições suaves. Este princípio vale tanto para objetos bi como para tridimensionais.

A figura ao lado, por exemplo: percebemo-la como um X ondulado, e não como quatro curvas que se cruzam em um ponto.

Para reforçar

Não sabemos nada. Nunca.

VINTE E DOIS DE JANEIRO

Hoje vai ao contrário. Primeiro na tela; só depois no papel.
Porque a conjuntura obriga - e quem pode com ela?
Porque a mesmice desestimula - e quem garante?
Porque era uma vez o dia em que o chapéu dourado virou Chapéu Dourado e saiu à caça dos senhores do tempo. Que seriam, óbvio, Senhores do Tempo.
- Por aqui, a essa hora?
- Cabrum!
- Mas vai chover, já?
- São 23h15, hora de neném estar na cama há muito.
E eu com isso? É que na imensa fábrica de cascatas artificiais, o jumento é o último a sair para a rua, se esta rua, se esta rua fosse minha.
- Mandava ladrilhar?
- Dinamitar?
- Explodir?
- Passar asfalto?
- Chover?
Cabrum! São 23h15 e ninguém mais está surdo o suficiente nesta terra estranha, comprometida e chorona.

Instante da estante

ZIRALDO. Vito Grandam - Uma história de vôos. São Paulo: Melhoramentos, 1998.

Quase um poema

totalmente

p
e
r
d
i
d
o

quase encontrei o amor
mas o amor
ah! o amor
o amor f
u
g
i
u
-
m
e rapidinho.

VINTE E UM DE JANEIRO

Meu equilíbrio vem da ausência.

21.1.09

1. Teorias de Base - Noções de Gestalt - Semelhança

Elementos que compartilham características similares como forma, cor, sentido, tamanho ou textura também tendem a serem vistos como um grupo coeso. Na figura ao lado, triângulo invertidos parecem uma coluna enquanto os vermelhos formam uma fila.

Um quadro às quartas

Hipopótamo, 2008
Obra de Fernando Meirelles (1955- )

Breves linhas feias de feio para feios

Dizem que toda panela tem sua tampa, e a sabedoria popular nunca se engana. Tudo bem que a tampa pode ser xumbrega e xexelenta, assim cheia de furos e remendada com durepoxi. Daquelas que assoviam quando o vapor vaza.

Quem ama o feio... Quem ama o feio? Vai contra o princípio estético que acaba por reger a ética que deu origem às convenções sociais que possibilitam o ser humano ser um ser social ser ser ser que vive anda corre come transa dorme morre. Quem ama o feio? Quem ama algo de aspecto desagradável que fere a vista?

O feio é um tempo mau, chuvoso. Mas depois é tão bom dançar sob a água e cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz de filme clássico. É tão bom se deleitar refrescando-se na água dádiva divina.

O feio é igual a um abacaxi, craquento. Mas tem gente que faz um doce com o abacaxi e todos gostam e todos comem e todos saboreiam deliciosamente aquela fruta... hm, digamos... feia.

O feio é uma questão de subjetividade. Portanto não vou perder meu tempo escrevendo mais sobre isto. Amém.

VINTE DE JANEIRO

Observo meu aquário e um pouco de alga que os peixes limpadores não dão conta. Não deram conta. É como minha vida e os problemas novos que vão atropelando.

20.1.09

1. Teorias de Base - Noções de Gestalt - Proximidade

Por este princípio, os objetos próximos entre si tendem a serem vistos como se agrupados. A figura ao lado, por exemplo, não parece ser quatro fileiras de triângulos, mas sim dois grupos de duas fileiras.
Na próxima eleição, vote nononononononononono.

Terça sonora



"E vamos botar água no feijão"

Carta que um poeta desesperado dedica ao seu amor

Caleidoscópio, novembro de 2002.

Querida,

Quisera ser eu uma borboleta amarela, poeta desvencilhado do casulo do espaçotempo nulo que nos separa, para beijar levemente tuas pálpebras enquanto dormindo sonhas comigo. (Se a lógica do relógio andasse pra trás, atrás de ti viveria mesmo perdendo-te a cada giro, a cada nada.)

Evoco o legítimo vate e seus versos que meu coração bate: Ponho-me a escrever teu nome com letras de macarrão / No prato, a sopa esfria, cheia de escamas / e debruçados na mesa todos contemplam esse romântico trabalho.

Quisera eu ser uma borboleta amarela, profeta lendo em tuas sobrancelhas a centelha que acende o amor, ascende o nosso amor. Pálpebras fechadas, sonho teu, sonho nosso, uma verde quimera que prende a esperança que jamais se rende diante das adversidades secas da vida, sofrida, lida, tida.

Desgraçadamente falta uma letra / Uma letra somente / Para acabar teu nome. E tua imagem sob o lençol transparente alumia a minha mente, permanente mente molhada pelo orvalho da noite, penumbra que só a lua cheia de pretexto nos assombra com um jeito de amor.

Fecho minhas pálpebras como a borboleta bate as asas. O coração bate as asas. As asas, as brasas, o amor. - Estás sonhando? Olhe que a sopa esfria. Quisera estar sonhando, mas é somente tu quem sonha nossos sonhos agora. Espero-os sinceros.

Beijo levemente tuas pálpebras enquanto dormindo repousas sobre o tamanho do mundo.

Adeus.

19.1.09

DEZENOVE DE JANEIRO

Adolescente, o que eu mais gostava nos Beatles eram as viagens lisérgicas. Eu ia dormir imaginando chuvas de vacas roxas aerodinâmicas, sorvetes feitos de cogumelos indianos floridos e um instrumento musical capaz de tocar o silêncio.
O tempo passou e o que permanece é a vontade de ouvir o silêncio. Não só ouvir, mas entender. Não só entender, mas interpretar. E traduzir. E viver. E amar.

Para começar a semana

"Escrevo por acrobáticas aéreas piruetas - escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio."

Clarice Lispector (1920-1977)

1. Teorias de Base - Noções de Gestalt

Gestalt é coisa nascida lá na psicologia. Transmutada para a compreensão da forma e do objeto, baseia-se nas forças internas de organização. Suas constantes integradoras transmitem harmonia e equilíbrio.

Os preceitos gestaltianos constituem um bom embasamento teórico para pensarmos visualmente um produto jornalístico. A partir de tais conceitos, a diagramação de uma página pode ser mais eficiente e estética.

Coisas que odeio #2

  • Estrogonofe;
  • Caqui;
  • Bacalhau;
  • Quiabo;
  • Balada.

Pá lavra em vento (devaneios sem nexo)

*Dedico à famigerada Thaís, que de tanto ler Guimarães Rosa é bem capaz de já sabê-lo de cor*


Como vovó já dizia, quem semeia vento colhe tempestade. Mas quem semeia em vento, feito pensamento, fica só com a saudade do que nem foi porque não brotou.

Que palavra invento? Espalhadas pelos espelhos de dentro dos pedaços de minha cabeça, queixas invejosas são direcionadas ao famigerado Guimarães Rosa, homem poema-prosa: fasmisgerado, faz-me-gerado, falmisgeraldo, familhasgerado...

Que palavra invento? Comendo o dicionário, bem temperadinho com pimenta-do-reino-perdido e sal-de-cozinha-psicodélica, proponho-me a regurgitar, como no espectro de um caleidoscópio ilógico, todas as palavras novavelhas pós-modernas calcadas no caos pusilânime e enerve que nos alardeia, impunemente.

Ou melhor seria mesmo deletar o dicionário, ir tirando dele, culpado de nossa riqueza vocabular vasta e limitada, todos os verbetes que atormentam a convivência humana. Tornar-nos-íamos mudos. Mumumumudos, murmurando o barulho onipresente do silêncio. Silêncio renitente. Apavorante. Sim, taciturnos e sorumbáticos, mas mudos, portanto sem blá-blá-blás nem solilóquios.

Não invento palavras; desinvento-as. Componho despalavras que refletem o nada existencial do ser humano contemporâneo, perdido entre cifras e nomes, símbolos e cartas, álcool e remédios, e tédio, e tédio, e prédios infinitos.

(Prometo meter a meta na gaveta. Para que não haja suicídio coletivo, todas as armas ficarão longe da alma palavra.)

Como vovó já dizia, quem semeia vento colhe tempestade. Palavras, palavras, palavras... que é um adágio, senão um punhado delas, organizadas sintática e semanticamente, que nos apunhá-la pelas costas, nos fere, adaga? Indago porque palavra usa uma pá que lavra só em vento, que invento em pensamento. Nada de concreto brota.

18.1.09

Domingo, foto

Passarinho, 2008
Clique de Edison Veiga (1984- )

DEZOITO DE JANEIRO

Um lembrete extemporâneo que não posso me esquecer de colecionar é a vazia história daquele personagem que passou a vida toda inventando virgindades, uma mais imbecil que a outra.

Inúteis comparações

  • Sensível como um orvalho;
  • Infinito como uma agonia;
  • Aconchegante como uma cama;
  • Sonoro como um não;
  • Acidental como o sexo.

1. Teorias de Base - Semiótica - O Interpretante. Final.

Finalmente. Final. Mente. O interpretante final. Resultado da abstração de se esgotar toda representação dos signos. É como distinguir todos significados que o interpretante poderia chegar, enxergar, lugar a tingir, lugar a atingir, sentir, refletir, exprimir, Fora de si. Singularidade do interpretante. Limite imaginável (inimaginável), inatingível. Rema, dicente, argumento. Conseqüentemente: Rema, signo que representa seu objeto em seus caracteres, não vai além de conjectura (ícones). Signo dicente representa, represente, o objeto em relação a sua existência real (índice). Argumento, signo de lei, objeto em seu caráter de signo (símbolo). Finalmente. Novo signo na mente.

A viúva

Viúva há dois meses, a mulher de Caieiras procura em blogs receitas para guardar luto no Natal. Traída pelo Google, foi a visitante de número 8 910 de meu www.cronopolitano.blogspot.com, em 3 de agosto de 2007, às 2h20min59s. Seu falecido marido, um Papai Noel bonachão de 180 quilos, barba espessa fedida, diabetes, nunca acreditou que houvesse vida depois do Ano-Novo. Agora, apodrece tranqüilo, esquecido sob o túmulo 203 de um cemitério comum.

17.1.09

DEZESSETE DE JANEIRO

Misantropos sabem que quaisquer encontros sociais servem para destilar falsidades sobre posturas alheias. Por isso os evitamos.

Link legal

Passatempo japa para todas as idades e ideias.

Retrato estático

Hermenegildo era um protótipo de homem. Não bastasse seu nome no RG, não bastasse seu crachá dependurado o dia todo no lado esquerdo do peito, não bastasse o não bastasse sempre pulando irreversível em sua mente.

- Vai tomar no c...!

- Pô, Menê, pega leve...

Trabalhava como encaixotador, no final da linha de produção da indústria X, na rua Y, do bairro Z, da cidade Alfa. À noite, em sua casa, encontrava Mulher.

23 anos, morena, lábios carnudos, corpo esbelto. Hermenegildo nunca entendeu como conseguira aquele filé. E todo dia agradecia a Deus, Buda, Padinho Ciço, Jeová, Amon-Rá, Galinha Preta, Saci Pererê e tudo o mais que lhe vinha à cabeça. Até ao Lula, como se Mulher lhe tivesse sido garantida por Medida Provisória.

Encaixotador era profissão ingrata. Ficava trabalhando e remoendo o som encaixotador. Tentava encaixar um substantivo pervertido. Pra sobrar esperança. Pra produzir gozo. Pra antecipar Mulher - esperando-o, sorrindo, na casinha simples de número 123, da rua A, no bairro B, subúrbio escuro e úmido da mesma cidade Alfa.

Se era calor, Mulher o esperava nua. Hermenegildo sempre se perguntou se ela ficava assim pela casa o dia todo, mas nunca teve coragem de confirmar com Mulher. Tinha ciúmes das janelas. Tinha orgulho de Mulher ser sua. Do muro, em cima.

Se era frio, Mulher o esperava com um café quente, pão, manteiga. E, enquanto conversavam, preparava sopa ou purê. De acordo com o humor.

Na indústria X, encaixotador:

- M... de caixa que não se encaixa.

- Calma, Menê, calma...

- P.. que o p..., c...!

Enquanto isso, Mulher ficava ansiosa por um enredo que não vinha. Suas vidas eram a mesmice, condenados. Casara-se com Hermenegildo para pagar promessa. Penitência. Tinha de ser com o primeiro que dobrasse a esquina da rua Y, no bairro Z, da cidade Alfa. Tinha de ser um ritual: achamento, olhar, bilhete jogado no bolso esquerdo, encontro à meia-noite depois de uma semana, exata. Depois, entrega, volúpia, selvageria gostosa. Às seis da manhã, um convite: casamento. Com a condição de que uma negativa custaria ao felizardo a própria vida.

Ela, 23 anos. Ele, 28. Aprenderam a se gostar, amar até.

Hermenegildo procurava não parar pra pensar em sua sorte grande. Seus nervos, em nó, provocavam uma arritmia cardíaca quando se dava a filosofias baratas. Preferia compensar com retidão o desmesurado de sua relação: não se dava a excessos, recusava esticadinhas com os amigos, sequer olhava para o traseiro rechonchudo da copeira da indústria X, era todo-carinhos com Mulher, fazia juras de amor todos os dias.

Mulher era a loucura. Sem reticências.

Das negações

Nunca fui a Paris, nem vi Cortázar, nem chorei ao pé de um túmulo. Nunca li Sartre, nem ouvi o hino mexicano, nem vesti camisa cáqui. Nunca comprei salvação, nem sonhei acordado, nem hipnotizei alguém.

1. Teorias de Base - Semiótica - Dinâmico Interpretante

Dinâmico e escolhido intérprete dentre, entre possibilidades interpretativas que o signo oferece numa semiose. Responsável pelo andamento da semiose, sendo que o que realmente acontece, fator atual, sua escolhida escolha, determina todo o curso futuro, pretérito, presente da cadeia, teia semiósica.

Verdadona que nunca aprendi

Um bom dia se faz com alegria.

16.1.09

1. Teorias de Base - Semiótica - Interpretante Imediato

Conjunto de interpretantes dinâmicos, possíveis, de um dado signo, no mesmo momento da semiose. Representa uma gama de possibilidades interpretativas que o signo vai ter num certo (incerto) momento da semiose. Sempre pode produzir este ou aquele interpretante, depende do contexto, pende, texto, do sujeito interpretador, e de outras várias variáveis.

Link legal

Fotos surpreendentes de um planeta surpreendente.

DEZESSEIS DE JANEIRO

Quando eu for bom, bom de não ter mais jeito de consertar, cavo uma maneira e só vou escrever por meio de palavras inexistentes. Serão palavras-murmúrios. Palavras-gemidos. Palavras-gracejos. Palavras-acenos. Palavras-senões.
No fundo, serão só palavras-onomatopeias. E me bastarão.

Aliterada

pela coleta, ela.
tela plana.
alimento.
borboleta ou libélula.

no prelo,
um grelo.

Filminho de sexta



Le prime immagini in pista della F60.

15.1.09

1. Teorias de Base - Semiótica - O Interpretante, intérprete constante

Termo que se produz com o seu objeto. Estende-se como um conteúdo objetivo que se depreende da referida referência que o signo faz a seu objeto e só, somente assim, pode ser visto como interpretação. Na relação da representação, o interpretante, intérprete constante, é terceiridade, em corporação com o objeto – o correlato ao que o signo se refere (secundidade) e o próprio signo que produz um intérprete. Interpretante, raciocínio mediante. Mediante a um signo, que se refere a um objeto.

QUINZE DE JANEIRO

Onomatopéias não confundem. São prazeres.
(Se estou lacônico não é por opção.)

Instante da estante

PRATA, Mario. 100 crônicas. São Paulo: Cartaz Editorial, 1997.

CATORZE DE JANEIRO

E eu disse:
- Faça-se a luz.
E a luz não se fez.

14.1.09

1. Teorias de Base - Semiótica - Objeto. Imediato. Imediata. Mente.

Imediatamente, o objeto imediato, visto como referente do signo e do interpretante diante, da relação representação. Objeto de um signo: objeto imediato, a menos que uma referência específica seja feita ao objeto dinâmico. Simplesmente, mente. Ente.

Um quadro às quartas

São Paulo (gazo), 1924
Obra de Tarsila do Amaral (1886-1973)

Peremptório

Em cada lágrima, uma rima
A nos lembrar do pranto
Do tempo
Do santo.

Depois se reinventar
Porque do mesmo já nos basta
A nós próprios.

13.1.09

Aviso

A quem possa interessar: por enquanto este blog obedece apenas quase sempre às novas regras ortográficas daquele famigerado acordo lusolulista. Em transição. Em adaptação.

TREZE DE JANEIRO

Era um travesseiro recheado de cotonetes, responsabilidades, paralelepípedos e outras palavras grandes e bonitas. Nada mais que isso e a vontade de dormir.
Debaixo dele o calor deprimente como se aqui fosse a Amazônia. E não chovesse. Só chorasse lágrimas fininhas para ajudar a desidratar de vez em quando.
Na jaula, eu guardava todos os meus sentimentos. Metade dos quais por você. Engraçada essa construção sintática. Nem me lembro qual foi a última vez que a empreguei.
Saudades: estou a um número de telefone de meus pais. E a uma leve surdez de distância de meus avós.
Mas os sentimentos são mais, são vários. Escorrem faceiros pela abruptamente aberta caixa de eu-mesmo. Atropelam-me. Ao meu lembrar de ser humano, demasiado. Esmagam-me. Ao meu atentar que sou mau como a morte e cruel como milhares de gotas de sangue.
Amor: porque sou apenas metade. E uma metade incompleta, em farrapos.
E os sentimentos são os verdadeiros últimos que morrem. Nem que assassinados. Nem que sem querer. Nem que depois de virarem sementes.
Raiva: de quem atrapalha o curso natural das coisas. Mesmo que as coisas insistam em ser artificiais.

1. Teorias de Base - Semiótica - Objeto dinâmico objeto

Entre signo e objeto. Objeto Dinâmico objeto qual todos signos de uma determinada cadeia se referem. Conclui-se com a possibilidade de haver um outro objeto, já que a cadeia semiótica é infinita.

Terça sonora



"Estou me acostumando contigo
Revendo palavras sem modismo
Olhares antigos"

DOZE DE JANEIRO

Dentro, de minha cabeça, cochichos e esparadrapo.
- Opa!
Sonhei de novo esta noite, com seus olhos, tristes, verdes. Meus, vermelhos. E a saudade estúpida escorrendo que nem orvalho.
- Olha o meu travesseiro!
Esqueci metade do que eu queria escrever.

12.1.09

1. Teorias de Base - Semiótica - Objeto, objetivo, objetivado

Para signo objeto é representação, denotada. Objeto perceptível, inimaginável. Em algum sentido. Deve representar uma outra entidade, seu objeto. Objeto é referência. Distinção fundamental: um objeto não é coisa. Coisa é algo que existe, conhecido ou não. Objeto é algo conhecido, existente ou não.

Para funcionar como signo, considerar qualidade – existência de caráter de lei, quali-signo. Se transferida essa função ao existente, sin-signo. Quando se considera propriedade de lei, legi-signo.

As propriedades que habilitam as coisas a agirem como signos não são excludentes, operam, na maioria das vezes, em conjunto. Qualquer processo sígnico possui aspectos de iconicidade, indexicalidade, simbolicidade. Signos são variáveis, dependem do ponto de vista do observador. Sofrem atualizações, estão sempre no processo de semiose.

Coisas que odeio #1

  • Mentiras de amor;
  • Sofrimento alheio;
  • Consumismo inútil;
  • Risadas falsas;
  • Blog em férias.

Para começar a semana

"O narrador se salva escrevendo. Se salva porque escreve o romance e porque intui esta diferença entre erro e maldade. Para o narrador, escrever é uma terapia."

Javier Cercas Mena (1962- )

11.1.09

ONZE DE JANEIRO

Amizades são colecionáveis. Mas, de plástico, algumas ressecam ao sol e se quebram facilmente. Outras preferem se desamigar espontâneas.
Sou um filantropo de frater.
Meio mambembe, aliás.
Quase um mendigo de emoções.
Tarda (e sempre falha), peço um cigarro apagado ao primeiro transeunte:
- Vai comprar, mané.
Resignado, alimento com nada o meu não-vício.
Gosto da liberdade de não ter vícios. O importante é saber desamigar.

Domingo, foto

Ouro Preto, 2009
Clique de Mônica Aquino (1985- )

1. Teorias de Base - Semiótica - Signo

Algum algo que traz à consciente consciência alguma coisa fora dele mesmo, definição clássica, concepção concebida por Santo Agostinho. O conceito peirciano consiste, existe, em qualquer coisa como algo que representa, algo que está no lugar de alguma coisa para alguém. Tudo que se apresenta à mente com referência de algo, provocação, de interpretação. Cousa. Coisa que representa um objeto potencial de sensibilizar a mente de um interpretante. Mediador, objeto-interpretante. Representa algo para alguém em algum, aspecto ou capacidade. Peirce estabeleceu uma rede de classificações triádicas dos tipos possíveis de signo. Dentre todas essas tricotomias, há três que ficaram mais conhecidas:
Instrumento de troca comunicacional: mais que ser signo, é estar signo. Signo que pode ser, pode estar. Na relação consigo mesmo, no seu modo de ser, aspecto ou aparência, qualidade (quali-signo), existente (sin-signo), lei (legi-signo). O signo com seu objeto, ícone (semelhança), índice (contigüidade), símbolo (cultural-social). Reflexão do signo com seu interpretante, rema (conjectura/hipótese), dicente (existência concreta), argumento (signo de lei). Signo algo que representa algo. Algo que está no lugar de outra coisa para alguém. Quem?

10.1.09

DEZ DE JANEIRO

Pelas veias, o álcool. E as saudades o tempo em que sabia de química e conseguia definir diferenças entre álcool etílico absoluto e álcool anidro.

I. O quaisquer e os qualqueres
Bem-me-quer, malmequer. As querências nunca se entendem.

II. O silêncio
Quando dó, ré mi fá sol, lá.

III. Todos os peixinhos vão bem, obrigado.

Cemitério da Consolação

Paulo Prado, Mario de Andrade, Líbero Badaró, Monteiro Lobato, Antonieta Rudge, Cesário Mota Júnior, Luís Gama, Marquesa de Santos, Mário Zan, Oswald de Andrade, Paulo Machado de Carvalho, Caetano de Campos, Armando Bogus, Júlio de Mesquita, Franco da Rocha, Roberto Simonsen, Geremia Lunardelli, Jorge Street, Caio Prado Júnior, Cândido Fontoura, Francisco Matarazzo, Antoninho da Rocha Marmo, Paulo Emílio Sales Gomes, Rubens de Falco, Itália Fausta, Ramos de Azevedo, Pérola Byington, Anália Franco, Tarsila do Amaral, Marcelo Tupynambá, Olívia Guedes Penteado, Cícero Pompeu de Toledo, Guiomar Novaes, Flávio Império, João Mendes, Emílio Ribas, Antônio da Silva Prado, Altino Arantes, Carvalho Pinto, Lucas Nogueira Garcez, Marquês de Monte Alegre, Barão de Antonina, Armando de Sales Oliveira, Carlos de Campos, José Maria Whitaker, Abreu Sodré, Campos Sales, Anhaia Melo, Couto de Magalhães, Washington Luís, Bernardino de Campos, Ademar de Barros, Jorge Tibiriçá, etc. Principalmente o etc.

Bolhinhas de morte

Meu aquário é uma coleção de mortes.
Tristes e lacônicas como um ponto final.
Agônicas como um moribundo.

NOVE DE JANEIRO

Imortais, que nada. Estão todos aqui, restos, no Cemitério da Consolação.

9.1.09

OITO DE JANEIRO

Assim, acima do sono.

Filminho de sexta



O fazendeiro do ar.

8.1.09

Instante da estante

PUNTEL, Luiz. Meninos sem pátria. São Paulo: Ática, 1996.

7.1.09

Um quadro às quartas

Paisagem rural, 1931
Obra de Anita Catarina Malfatti (1889-1964)

SETE DE JANEIRO

Na carteira encontrei um três por quatro seu com a triste lembrança de como era bom chover.
Quando quisesse, chovia.
O tempo todo, chovia.
Só não sabia trovejar e relampejar. Ou trovoar. Ou relampear. Ou relampaguear.
Quando quisesse, chovia. Hoje não chovo mais.
Guardei a carteira e fechei meu dia.

Cravejado

A meta é tirar o sentido de tudo.
Tentar. Atirar.
Torturar os textos. Penetrar contra os temas.
Tremer. Aturar.
Desatender aos motivos inconsequentes. Todos.
Ultrar. Abortar. Ineditar.
E até infragmentar atitudes e aliterações idiotas.

A meta é tirar o sentido de tudo.
Utilizar outros métodos. Inventar o antimétodo.
Estuprar os desatentos. Alentar os inativos.
Destimificar. Desmistificar.
Craterizar as cicatrizes lancinantes.
Tomar por trevas o que se tornar trinca.
E atrozmente interromper o fornecimento de tempo.

A meta é tirar o sentido de tudo.
Extinguir os ponteiros.
Desadiantar os atrasos e então desatrasar.
A meta é tirar o sentido de tudo.
Atiçar os cativos. Evitar os pterodáctilos.
Principalmente evitar os pterodáctilos.
Lembrete: a meta é tirar o sentido de tudo.

6.1.09

Terça sonora



"It is the springtime of my loving"

SEIS DE JANEIRO

Sonhei com a espuma cinza e a vontade de lavá-la infinitamente até deixá-la branca, bem branquinha. Desespumei-me em seguida.
O espelho de acordar trazia uma trinca de mau agouro. Setenta vezes sete.
Apontei um dedo contra a ponta esquerda da estrela mais esticada. Lembrei-me que, sol já nascido, não há estrela alguma no céu.
Pra onde elas ser foram?
Sessenta e um meses de aluguel e uma tropa de sentimentos:
* Esclarecidos
* Impensáveis
* Cativantes
* Sinceros
* Quase inverossímeis
No sonho da espuma cinza havia uma frase desterminada e uma pessoa determinada.
Escolhi a frase.
Mudei de fase.
Como se eu fosse uma lua refletida na poça do meio da rua.
Mas já é sol e nem tem estrela pra ter lua.
Mudei de fase.
Um dia ainda vou acabar a frase pela metade.
Na outra metade sei que um monstro enorme me espera.

Longe do espelho

Ao longe me vejo ao espelho como se a casa inteira fosse dupla e meu inverso consumisse-me de ódio, tédio e adiposidades. Não invejo o inverso que vejo. Aceno apenas. E ensimesmado tento compreender a vadia insignificância dos universos paralelos que se me apresentam. O resto é enciclopédia.

5.1.09

CINCO DE JANEIRO

Hoje desacordei expectativas para aumentar minha coleção de lágrimas. Abri a janela enquanto escovava meus dentes com um cordão feito de pensamentos.
A barba escorreu uma espuma cinza.
Eu estava na rotatória, merecia a preferência, mesmo se confundido com um flácido saquinho de pão - desses que agradecem e "volte sempre".
Mas não.
Veio o descarrilamento e levou consigo a feiura, as ideias, as consequências. No espelho, meus olhos conferiam o que restara da espuma cinza.
O que restara da espuma cinza.
Pluft.
Caiu um olho, trec, rolando pelo chão bem para debaixo da pia. Trec. O outro. Ao ralo.
E eu sem os dois, cego por completo, sem a menor perspectiva de conseguir salvá-los.
E eu, cego, ciente de que salvá-los seria salvar a mim.
E eu, cego, estrangulei-me com todas as forças que nem tive, nem tinha, nem tenho.
Desfaleci-me até a hora de minha morte, amém, sobre este canhenho de linhas apertadas.

1. Teorias de Base - Semiótica - Signo, objeto e interpretante


São Paulo, meu amor


Para começar a semana

"A literatura é a cura e a doença. Eu entrei nesse jogo. Se tiver um filho, não sei se vou querer que ele entre também. De repente, prefiro que ele seja um nadador, um cara que rema num caiaque."

João Paulo Cuenca (1978- )

QUATRO DE JANEIRO

Cada viagem traz consigo um sentimento de retorno, de amor à cidade. São Paulo são pessoas, não prédios, não avenidas, não nada; tudo.
E é dessa estranha obsessão que me alimento para me apaixonar insistentemente pelos incontáveis centímetros quadrados de concreto paulistano, centímetros cúbicos de chuva ácida, centímetros poliédricos de sentimentos injustificáveis e centímetros esféricos de oportunidades consequentes.

4.1.09

Tecituras

cada noite que acontece
é um conto que anoitece.

bravos os que leem
ou que escrevem.

bravos os que veem
ou que esquecem.

cada estrela que se tece
é uma noite que anoitece.

cada conto que acontece
é uma estrela que se tece.

bravos.
bravos.
bravos.

1. Teorias de Base - Semiótica - Terceiridade

Lógica (ilógica?). Pensamento, dedução, conclusão, racionalização. Processos que contraem generalidades, convenções, interpretações. Dependência de um repertório prévio que possibilite a caracterização das regularidades regulares. Mundo potencial da qualidade. Mundo factual, existente. Distinção de qualidades primeiras, quanto de fatos segundos, na verdade, conexão. O princípio é um primeiro, o fim é um segundo – em segundos, minutos, horas, dias, meses, anos... Sem medida medida. Meio, o terceiro. Terceiridade. Conclusão: processo de produção, raciocínio lógico a fim de incitar primos primeiros, segundos. instigar em qualquer idade. Atenção. Tente. Atente.

Domingo, foto

Bach, 2008
Clique de Regina Cazzamatta (1983- )

3.1.09

TRÊS DE JANEIRO

Qual o tamanho do homem?
Qual a força da carne?
Qual o motivo do medo?
Qual o jeito mais fácil?
Qual o tamanho da dor?

Ensimesmado, sou mais tarde do que nunca.

1. Teorias de Base - Semiótica - Seca Secundidade

Secundidade. Manifestação, ação, existência. Associação, olhar observador, capacidade perceptiva, que entra em ação. Apuram-se as particularidades dos fenômenos, estabelecem diferenças, torna-se possível distinguir partes de um todo. De um tudo. Observação que traz à tona o modo particular do signo se corporificar. Qualquer coisa é um signo, segundo na medida em que existe. Em segundos. Existir, entrar em relação com o outro, algo deve ser um objeto para um sujeito. Caráter singular e acidental, secundidade. Não fala da regularidade, do hábito, do propósito da lei. Fala de ação e reação, de resistência ao impacto, de causa e efeito. Causa, coisa. É. Feito.

2.1.09

DOIS DE JANEIRO

Não sei qual é a teimosa cor da saudade, nem se ela pode ser inventada como eu me apaixonei por você. A estrada, chuvífera, me dá medo. O escuro, também.
Então é aquela vontade do adeus a fazer cócegas no tórax, arranhar os trapos velhos da alma.
No chão, apenas cacos de vidro e poças de sangue.

Post-its

  • Viver a morte;
  • Esquecer de lembrar;
  • Aprender a ignorar;
  • Torcer para perder;
  • Matar a vida.

1. Teorias de Base - Semiótica - Primeira Primeiridade

Primeiridade. Prima. Primeira. Peirce e a primeira das três categorias da experiência. Instinto humano, campo de possibilidade, de possibilidades. Fase contemplativa. Percepção desautomatizada. Primeiro olhar, momento de contemplação, meditação, em que julgamentos são suprimidos, supridos. Qualidade de efeitos, interpretativos. Manifestações artísticas, música, pinturas, poemas.

Abstração pura. Primeira. Pré-reflexão, sentimento. Peirce e sua visão que não envolve qualquer análise ou comparação, não há distinção de uma porção, da consciência, da outra. Emocional, irracional, inexplicável, indescritível. Posto que primeiro o primeiro está mais próximo do signo do objeto ao qual se refere. Se difere. Se libere. Primeiridade.

Filminho de sexta



Levelho.

1.1.09

PRIMEIRO DE JANEIRO

Pouco atrás era quase dois mil e nove
E minhas barbas, meio milímetro mais curtas, descaçoavam de quem noite adentro competia com o vento ou se atordoava contando fogos de artifício na estranha ilusão de que fossem estrelas cadentes
Quando criança sempre pensava que era uma das cinco pontas da estrela que apontava para a ponta de um de meus cinco dedos.
Pouco atrás era quase noventa e nove
Minhas barbas praticamente inéditas nem reclamavam de vento, água ou gilete; não me lembro de quantos fogos ouvi ou vi em Taquarituba
Taquarituba é uma cidade de verdade onde as pessoas respiram.
Pouco atrás era quase oitenta e nove
Um Atari fazia a alegria porque videogueime tinha um jeito de fabricar sorrisos artificiais e, na época, em sons mono
Às vezes a bola de capotão caía de debaixo dos braços e rolava rua toda chutada até parar na boca do cachorro bravo do quintal do vizinho
Vizinho parecia chato
Mas era bom
Era coração
E comum acontecia de a bola voltar faltando pedaço de couro em um ou dois gomos
Chateado eu só conseguia pensar como bola tinha gomo se nem era mexerica, muito menos madura
Doce só se para o cachorro bravo.
Pouco atrás era quase setenta e nove
E eu nem tinha olhos para abrir.
Tá vendo esse céu aí em cima?

Hoje ele está nublado, nublado. Como quem se prepara para chorar por uma semana inteira.

2009 destemido e destremado

E aí, tudo tranquilo?

Instante da estante

BARROS, Manoel de. Memórias inventadas: a terceira infância. São Paulo: Planeta, 2008.