31.5.09

Domingo, foto

Olarias - Homens de barro, 1995
Clique de Jean Lopes (1971- )

30.5.09

Porque hoje é sábado

Confidência do Itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

(Carlos Drummond de Andrade)

29.5.09

Seção da sessão



A explicação está aqui.

28.5.09

Instante da estante

ALMEIDA, Hamilton. Padre Landell de Moura - Um herói sem glória. Rio de Janeiro: Record, 2006.

27.5.09

Um quadro às quartas

Astronauta, 2006
Obra de Ricardo Siri Liniers (1973- )

26.5.09

DEZOITO DE MAIO

Conto minutos só porque coleciono bravamente os segundos que nos separam. Isso é o que chamam saudade.

DEZESSETE DE MAIO

Quando era mais moço, adorava dias dezessetes -- como é perceptível, eu os considerava uma categoria à parte, uma razão especial, uma entidade mágica, substantivada, importante.
Em minha cabeça, todos os outros dias só existiam para exercerem a função de preceder ou suceder o dezessete. Dezessete. Dezessete.
Quando deixei de ser tão moço, tão ingênuo, joguei fora o dezessete. Hoje nem ligo. Posso até o pular.

DEZESSEIS DE MAIO

Cansei.

QUINZE DE MAIO

Ela não sabe que sem seu sorriso fico nublado. Ela não sabe que só sorrio por causa de sua vida na minha. Ela não sabe.
Ela não sabe que sem seu abraço sinto-me metade, sem seu beijo minha boca seca, sem seu olhar nem quero mais meus óculos.
Ela não sabe.

CATORZE DE MAIO

Quantos fins diferentes precisarei inventar pra ser respeitado?
Quantas regras exatas terei de criar para ser amado?
Quantas pessoas bonitas conseguirei cativar para ser feliz?
Quantos sonhos poéticos viverei sozinho para ser bom?

TREZE DE MAIO

Poeta mesmo era quem inventou as orações.

DOZE DE MAIO

Meço meus pensamentos e minhas vontades, três ou quatro vezes por dia. Os pensamentos sempre perdem.

ONZE DE MAIO

Hoje entristeci uma pessoa. Intencionalmente. E, pior, ela nem percebeu.

DEZ DE MAIO

Gosto de anoitecer poemas, desses que cabem nas vagas deixadas por estrelas cadentes. São plenos, brilhantes e dotados de pequenas imperfeições que os fazem interessantes.
Depois, quando estão todos tecidos e anoitecidos, acendo a luz do quarto. Dormem nus.

No radinho de pilha



"O trabalho enobrece, disse meu patrão
com sua amante num iate trabalhando de montão"

25.5.09

Para começar a semana

"O ideal dos maus escritores é empregar palavras extraordinárias para dizer coisas ordinárias; e o dos bons escritores é empregar palavras ordinárias para dizer coisas extraordinárias."

Noel Clarasó i Serrat (1905-1985)

Sobre preto e branco

O preto
De dentro
Do beco.

O branco
No canto
Do banco.

Eu, medo.
Eu, manco.

Dentro do beco, no canto do banco, tento, canto
Até voltarem a escorrer os sonhos
Que tanto empresto dos outros
Enquanto espio
Atento
Pela própria fresta
O quanto sofro.

O preto aponta reto. O branco apronta lento.
Minha meta: ser valente.
Um alento: absorver.

O preto olha para o teto. O branco abranda os dentes.
O preto beija, o branco abraça,
O medo afunda.

A princípio, prometo-me.
Mais tarde, esqueço-os.

A noite, a madrugada,
Fotogramas em preto e em branco.
Depois sempre vem o trêmulo contra: a pedra, o atrito, o tropeço, o pranto.

24.5.09

Domingo, foto

A Brigitte Bardot está ficando velha, 2006
Clique de Laila Abou Mahmoud (1982- )

23.5.09

Porque hoje é sábado

O dia da criação

Macho e fêmea os criou.
Gênese, 1, 27



I

Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.

Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.


II

Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado
Hoje há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado
Há um rico que se mata
Porque hoje é sábado
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado
Há um grande espírito-de-porco
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado
Há criançinhas que não comem
Porque hoje é sábado
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado
Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado
Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado
Há uma comemoração fantástica
Porque hoje é sábado
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado


III

Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens,
ó Sexto Dia da Criação.
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
Na verdade, o homem não era necessário
Nem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres como
as plantas, imovelmente e nunca saciada
Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.
Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas
em queda invisível na
terra.
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda
e missa de
sétimo dia.
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das
águas em núpcias
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em [cópula.
Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e [sim no Sétimo
E para não ficar com as vastas mãos abanando
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança
Possivelmente, isto é, muito provavelmente
Porque era sábado.

(Vinicius de Moraes)

22.5.09

Seção da sessão



Saudades da trema?

21.5.09

Instante da estante

BRACHER, Beatriz. Meu amor. São Paulo: Editora 34, 2009.

20.5.09

Tremores da Terra

acesso remoto,
controle remoto
têm remoto.

Um quadro às quartas

Potmekin, 2003
Obra de Ricardo Siri Liniers (1973- )

NOVE DE MAIO

Outro comprimido para enxaqueca. Uma rotina de dores que precedem analgésicos é como viver pagando multas pelo ar respirado.
Abreviatura. Viatura de portas abertas, depois lacradas.
Mais um escorregão e surgirei indefeso, indefensável, solerte e ingênuo ao mesmo tempo. Estou levemente bêbado, mas não me lembro mais qual era o nome do último álcool que experimentei.
Outro comprimido para enxaqueca, outro poema de Manuel Bandeira, outra canção de Baden Powell, outro quadro de Van Gogh, outra viagem marcada, outro beijo prometido.
Alguém aí entende senões?

OITO DE MAIO

Odeio a sensação de ter um imenso ponto de interrogação na cabeça. Ou pior: no coração.

SETE DE MAIO

A quantos barulhos estamos expostos? Feliz é meu avô, que gosta de ouvir o silêncio. Aqui é trânsito, música, obra, tec-tecs, telefone, televisão, liquidificador, máquina de lavar, latido, choro, grito, pânico, estresse.

19.5.09

SEIS DE MAIO

Cansa ganhar todo o dinheiro para em seguida defenestrá-lo. É um trabalho infinito, cíclico. Meu fígado dói como se eu fosse Prometeu.
Não sei o nome da águia.

CINCO DE MAIO

Maio é o meio. Muito. Medo.
No resto, as elucubrações permanecem, sinceras, ridículas, cansadas. Sou apenas o espinho encravado em meu próprio peito.
Maio. Meio. Muito.

QUATRO DE MAIO

Não quero mais desafiar a lei da gravidade; quero ignorá-la.

TRÊS DE MAIO

No meio da sala, nadava eu em uma montanha de jornais velhos, cheios de notícias ultrapassadas que, irrelevantes, sequer foram lidas por número justificável de pessoas.

DOIS DE MAIO

Uma rã não tropeça. Um rato não escorrega. Um jacaré não dorme. Um chimpanzé não cansa. Uma cobra não sorri. Um dromedário não cai. Um elefante não esquece. Uma girafa não soluça. Um rinoceronte não escreve. Uma anta não sabe. Uma galinha não pensa.

PRIMEIRO DE MAIO

O trabalho, por sua própria essência, refuta os comentários díspares que possam surgir no âmago do ser humano. Por isso é mais amargo que o estudo, que o lazer e, principalmente, que o ócio.

TRINTA DE ABRIL

Amor é uma coisa que dói e nem precisava ter nome. Porque, afinal, nunca entendemos nem iremos entender. É um sentimento que monologa trocadilhos internos, sorve poemas imaginários e respira ácido em pó.
Um dia me tornarei filósofo só para mergulhar fundo, sem medo de quebrar as vértebras após o salto, neste tema que traz tanta tristeza recheada de breves -- mas intermitentes -- momentos de genuína felicidade.
Por enquanto, treino apenas a ourivesaria das palavras. Que, óbvio, nunca serão capazes de explicar o amor. Muito menos de descrevê-lo, narrá-lo ou fotografá-lo.

No radinho de pilha



"We got time"

15. Outro encontro

Estava frio quando Schaklee encontrou-se com Nelson, o morador da Rua Sem Dentes:

- Fazendo nada?

- Já foi feito.

- O que já foi feito?

- Fazendo nada, já foi feito.

- Mais velho que andar para a frente?

- Sim, quando as pessoas caminhavam em estágio rebobinar.

- E a existência era segura.

- E a poesia era automática.

- E os sonhos viviam de verdade.

- E a rua tinha dentes.

- A rua não tem dentes?

- Tem?

- Quem não tem dentes é você.

- Então o começo está errado. Certo seria morador da rua sem dentes.

- É no computador, dá para corrigir.

- Não acredito em correções.

18.5.09

Para começar a semana

"Dupla delícia. O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado."

Desafios

os desafios não existem mais porque os deuses os inutilizaram:
há abraços que são infinitos,
abruptos braços,
extremos
traços.

comprei outro revólver
verde
(esverdeado, na verdade)
para revolver o tédio,
resolver,
extirpar
o medo.

crua, a carne alimenta-me.
e sua lua nua
ilumina ali
os lábios,
as línguas,
o clitóris,
a libido.

os desafios resumem-se nos abraços infinitos dos deuses e seus abrutos braços.

17.5.09

Domingo, foto

Meu livro é uma vida aberta #13, 2003
Clique de Edison Veiga (1984- )

15.5.09

Seção da sessão



Beethoven by Snoopy.
enquanto é só o tempo que passa
o mundo parece um vício.

14.5.09

Instante da estante

BANDEIRA, Pedro. A droga do amor. São Paulo: Moderna, 1997.

13.5.09

Um quadro às quartas

Marinha, 1877
Obra de Nicolau Antonio Facchinetti (1824-1900)

12.5.09

No radinho de pilha



"And I will love to see that day"

11.5.09

Para começar a semana

"Os inimigos da literatura são os que não lêem."

Neil Gaiman (1960- )

10.5.09

Domingo, foto

Meu livro é uma vida aberta #12, 2003
Clique de Edison Veiga (1984- )

8.5.09

Seção da sessão



How to make a baby.

7.5.09

Instante da estante

BANDEIRA, Pedro. Anjo da morte. São Paulo: Moderna, 1994.

P

pensei um
poema que
pena desa
pareceu.

plantei um
poema que
puto me des
pedaçou.

porquis um
poema que
pronto me
penalizou.

pobre do
poeta que
poema tem
problema.

6.5.09

Um quadro às quartas

Enseada do Botafogo, 1862
Obra de Nicolau Antonio Facchinetti (1824-1900)

5.5.09

No radinho de pilha



"Paper clips and crayons in my bed
everybody thinks that I'm sad"
Meio paradão isto aqui, né?

4.5.09

Para começar a semana

"É o prazer da escrita que me faz escrever. Sou movido por uma vingança. E gosto de ficar matutando, encontrando as melhores palavras. Daí o barato do jogo: encontrar a forma-estilo que darei a essa vingança-grito."

Marcelino Freire (1967- )

3.5.09

Domingo, foto

Meu livro é uma vida aberta #11, 2003
Clique de Edison Veiga (1984- )

1.5.09

Seção da sessão



Cena digna da Sétima Arte. Sem script, sem casting, sem nada. Mas com emoção, talento e final feliz.