21.2.06

Solidão, que nada

Atrás do balcão nojento, um cálice respinga sabedoria. Só. A redescoberta do acaso está de joelhos no Brasil, em São Paulo, na Aclimação, no nada. Descaminhos. Solilóquios. Pecilotérmicos.
A abstração termina quando abril começa e leva junto o avião que decola, sobe, alto, longe.

18.2.06

Sobre o jornalismo

Cortar palavras, era feliz assim. De cada três, uma fora. Mais três, outra fora. E a lixeira grande, crescendo, grande, crescendo, grande. Até estourar. Cataploft! e jogar todas as letrinhas no céu da redação que, como vocês sabem, é de vidro.

***

Seu pai dizia escolher esta profissão aziaga é viver condenado ter que matar um leão por dia. Em alguns, dois.
Teimei.

***

Cartesiano, o deadline me olha procurando um lead.
Rio do quase fevereiro.

17.2.06

Retícula

Mascava horizontes feito chiclete. Cada bola que estourava era um sol se pondo.

À noite, todas as linhas são do Equador.

16.2.06

Misto-ério

Tranças tosadas
Estou saindo de suas semanas tensas
Inseminais

Antimínimo
Quasanônimo
Anfitrião de sonhos colecionados colados em postes
Sonho-me bisonho

Em três quartos de hora cultivo todos os segundos.

13.2.06

Sina repórter

No corre-corre que cansa, perdura a dúvida dependurada de ponta-cabeça pelo ponto do ponto de interrogação. Já almocei, mas meu estômago ainda reclama cada sacolejo que o caleja, machuca, raspa, contramão. Quando passava pela Doutor Arnaldo, uma menina me sorriu do lado de fora do ônibus, sonhou um senão e mascou o horizonte espelhado que as pessoas avistam nas janelas desavisadas. Desvairado, avilto. Olho sempre para a aliança que, embora prata, carrego no dedo. Decidido. Consumado. Nem tenho mais que pensar nisso tudo.

Eram dois os pêssegos da sobremesa. Semelhantes, em textura e gosto e forma a, bem, você sabe do que estou falando. Pedi um adeus. Você sorriu. Roguei até breve. Você sorriu.

De leve, pensei que você só sorrisse.

E eu, chorando, cansado, maltrapilho, jogando descalço no chão quente, lacrimejando por você. Procurando o espaço entre nós dois onde foi que eu me perdi. Experimentando a distância, cada vez maior, cada vez mais distância. Esquecendo que você não gosta de gerúndios, nunca, mesmo quando eles são aplicados de maneira correta, estética e exata.

Acendi o primeiro cigarro. A fumaça reverberando o ar embaça, desmemoria. A brasa escorre, lembra-me que também é líquida, como o ar, como a luz, como o nada. Estranho só-estar, quando o possível era estar, apenas. O abraço feito elemento contíguo esquece-se. De antemão, um vulto alenta-me que sobrados não cabem os que se escondem porões, lareiras, foguetes de São João e confetes de outras festas.

Já estava descendo a Cardeal quando contei as pombas pelo chão. Nojentas. Procurei andorinhas equilibristas nos fios da Eletropaulo, nos fios da Telefônica, nos fios... Elas já morreram, há muito. Acendi o segundo cigarro, enlutado, como se fosse uma vela pras almas. Lembro-me de minha vozinha repreendendo “e bicho lá tem alma, menino?”.

No último dia, quero me encontrar com Deus. De bloco em punho, anotarei todas as respostas que o farei dizer. Então, expurgada angústia, serei o homem mais feliz do mundo.

5.2.06

Puxão de Horário

No tapete estirado
estão
os restos
do relógio.

Porque na
Curiocidade
traguei o ócio
que trouxe
em cio
lêncio
negócio.

Cada codinome um anfitrião.

3.2.06

Pétalas

feriu-se a calma, viajou,
feriado da alma,
vício,
flor

cronos, o deus-pai
consumou o tempo
destruiu
a esperança

hoje
despetalados
sossegam ansiosos
os habitantes dos arcabouços
que nem posso
sou louco
soluço

ensimesmado
ensaio a cena
do fim.