7.5.07

Meu sonho é dividir humanidades. Em duas.

Sobre transas, transistores e clitóris

Atarantada, Tamires tomou outro trem lotado para cumprir sua obrigação de chegar ao trabalho três pras oito em ponto. O trânsito de trens é muito estranho se comparado ao fora dos trilhos. Não tem maloqueiro no sinal fechado vendendo bugigangas, não tem placa de proibido estacionar, não tem amarelinho, não tem multa pra quem entra na contramão. O trânsito de trens é um monte de não-tens. Só tem aquela gente nojenta, lotada, se esfregando no corpinho tenro de Tamires, dezessete anos, desde os treze tomando trem sozinha.

O corpinho tenro de Tamires é um capítulo. Para entender, basta tirar suas roupas. Ela treme um pouco – frio – e fica outro pouco trêmula – vergonha – mas tudo bem. Os bicos intumecidos de seus peitinhos rosados de caber na mão encantam tanto que dá vontade que o momento congele num talvez, só pra que a vista não se interrompa nunca. E há os claros pêlos eriçados, fininhos, bem no entremeio abdômen-púbis. E há – vire-se um pouco, Tamires – a redondidade perfeita da bunda. Durinha como deve ser. Macia como deve ser. Com uma marca de biquíni, sutil, que entrega onde ela curtiu o último feriado e também revela que, precavida, Tamires passou protetor solar fator vinte.

Voltemos ao capítulo chato, o trânsito Tamires casa-trabalho, diário na ida, noturno na volta, semântico em ambos. Ali as pessoas se amontoam, os contatos camuflam a necessidade antifísica de dois corpos compartilharem o mesmo fútil espaço útil. Tamires não namora, só teve uns atiradinhos esporádicos, nunca nada sério. Tamires não tem namorado mas não lhe faltam candidatos. E não é que ela seja por demais seletiva – talvez até o contrário. Tamires é seduzida o tempo todo pelos embalos aflitos e incontritos. E Tamires, não nos esqueçamos, tem um corpinho tenro, lindo. Que, no fundo, gosta de contrariar a física ao dividir com outro o mesmo espaço.

O corpinho tenro de Tamires, não nos esqueçamos, não nos esqueçamos, é o mesmo que deixamos sem roupa para a mais profunda análise. Contém feromônios bastante atraentes. Há uma simetria perceptível e alguns segredos, tais como uma pequena pinta logo acima do umbigo e uma manchinha à toa, natural sob o seio direito. Tem também uma cicatriz solitária e minúscula, de quando tropeçou e cortou um pouquinho a testa, bem perto de onde começam os fios de cabelos castanhos. Tamires é um tentador corpo. Não passa disso, tolinha. Eu mesmo, na privilegiada condição de escritor atento, só estou esperando o próximo verão. Com dezoito anos, Tamires estará pronta até perante a lei.

Novamente, Tamires de frente. É possível contemplar as suas saliências, seus contornos alvissareiros que da doçura do queixo vão terminar no tornozelo do pé esquerdo. Bem no centro do mundo – e engana-se quem pensa que é no geograficamente central umbigo – está a maior fonte natural de prazer. Um transistor, o clitóris. Pelo dela passaram até agora três mãos, duas línguas e apenas um você-sabe. Nenhum deles cuidadoso a ponto de em encantá-la como deveria, como ela merece. Todos principiantes, precipitados, principalmente injustos. Egóicos em exagero. Indispostos ao. Ineptos ao. Inéditos idiotas.

Tamires, que sequer alimenta a cabeça com isso, desce do trem e já está vestida novamente. Pronta para mais um duro dia de trabalho.

3.5.07

A morte. Inexplicável e inexorável. Arrasta pensamentos junto com os corpos esquálidos, penetra um vazio na multidão, corrobora os sentimentos mais impossíveis de se definir. A morte, a morte, a morte. O éter no espaço. Os amantes gélidos nos motéis, as garrafas quebradas nos bares, os computadores com pane, os funcionários públicos jogando dominó na praça central, os petistas locupletando-se em qualquer lugar. A morte, a morte, a morte. A morte. Por que chega e não leva? Por que não se pergunta onde cabe? Por que existe? A morte.

A morte jamais convida a vida para se retirar.