25.12.07

o então

Rindo enquanto ouço meu jazz, caído ao canto da sala de estar, de estar sentado, estando caindo ou em pé pêndulo, ouso desejar uma nova nota musical para ornamentar meu boletim do primário ou coisa que o valha qualquer. Ou valei-me um santo que nomes não me menos lembro, macambúzio que ora ando por sim dizer e rezar. “Mãe, tem tinta pra tentar escrever e cravar algo diferente na língua?”
A moça que mora no outdoor não se cansa de me olhar. Mesmo que eu já esteja de há muito cansado dela e daquele sorriso estático dela. Ou a massa que mira no alto dói não se coça sem me molhar. Cadê o sentido que há muito já fugiu?
A moça eu ando louco de saudade mas esta que falo agora não mora no outdoor e me namora e não me sai do pensamento e eu ouço jazz ela jaz em mim eu caio na sala ela cai em mim eu desejo uma nota e ela me nota minha nota massa moça missa maçã. Mesmo assim. Inútil tentar transgredir as formas e as fôrmas, vou mesmo é montar um ouvido cheiro verde que venda alimentos leves vendando meus olhos e vendendo meus alhos e filhos e molhos e chaves em geral. Rosno que somos a quebra da regra e a trégua da régua mas é tudo mentira e o mundo está cheio de mentiras a lua está cheia de mentiras. (Isto também é mentira, claro!)
Rinocerontes e romanos acabaram de invadir este texto porque as idéias dele estavam ficando cansadas de idear o texto sozinhas. Agora um rinoceronte amarelo, de carapaça romana e sambando que nem um avestruz dá as ordens por aqui enquanto o exército obedece em latim. Mas onde foi parar meu cachorro? Roubaram meu cachorro ou ele só foi me levar pra passear mijar no poste e já volta me trazendo pra comer ração arroz feijão bife salada? Oba-oba o baticum já vai começar...
Basta uma sirene pra que o ladrão medroso se ponha a colar de volta as vitrinas e haja superbonder pra dar conta de tanto estilhaço, caco, cacareco este lhaço telhado e aquele laço no lado lassidão da vida no antro molhado da perdição. Assumo meu lado direito desde que ninguém suma com meu viés torto semimorto mas ainda respirando.
Sapos que começam a coaxar mostram que os rinocerontes e romanos e garrafas de champanhas e cactos não estão dando conta de manter elevado o grau de entropia deste texto. Obsessão minha acabá-lo. Hei de fazê-lo. Leia bem porque tanto esmero tenho que minha obsessão maior ainda está escondida, entreletras entrelinhas entrepalavras breves e bravas. Em cada garfo há suas pontas e este emaranhado de letras no qual me perco certamente há de esconder uma mensagem uma imagem uma imaginação ou uma declaração de amor ou o mapa do tesouro ou tudo isso ou nada. Mas é você quem escolhe. Rei.
Ergo meus sonhos junto com as plantas que o cinemanasemana ajudou a matar porque esqueci de tratar delas no meio do filme insulfilme de isopor preto. Vá tomar na facilidade, digo, na felicidade, no umbigo no artigo indefinido no amigo mais fedido. Mulher é melhor. Unidunitê.
Ergo meus sonhos junto com as plantas que o cinemanasemana ajudou a matar porque quero causar uma sensação déjà vu no leitor que ainda estiver lendo lento isto para que ele volte no parágrafo anterior e então veja que não, ele não está lendo lento a mesma coisa duas vezes e sim sou eu que estou viajando aqui nas letrinhas mesmo. Ouça-me: tem um rinoceronte romano apontando uma arma para mim e me obrigando a escrever isto, não tenho culpa, não tenho culpa, não tenho culpa, estou aproveitando que ele não está olhando agora para escrever isto, estou aproveitando que ele foi estuprar a moça do outdoor para escrever isto, por favor, me ajude, me ajude a escapar deste texto a fugir da página a concluir a obcecada vida da obsessão diuturna que eu carrego e o rinoceronte romano não conluia.
Rinoceronte algum, seja mulato ou enlatado, seja romano como este ou seja lunático como eu, rinoceronte algum tem a mesma obsessão que eu, portanto minha obsessão tem que ficar circunscrita às entrelinhas entrepalavras entreletras ou visse vice-versa verso porque nada tem ordem. Imbecil, a obsessão do rinoceronte que está estuprando a moça do outdoor é apenas que eu escreva pra ele. Então ele vai voltar daqui a pouco aqui e apontar novamente a arma na minha cabeça para que eu continue escrevendo porque ele quer conquistar a moça do outdoor com minha escrita ele pensa que ela gosta do que eu escrevo porque ela vive olhando pra mim ele pensa que eu sei escrever direito ele pensa que pensa mas no fundo não pensa nada. Cabeça boba a do rinoceronte de arma na mão, não percebe que na arma tem rama tem mara tem mar e sobra a tem rã sem cobrinha e sobra ma tem até ram pra computador mas não tem amor, por pouco mas não tem amor, não tem amor, não tem amor. Ainda bem que não tem amor na arma nem arma no amor. Fizesse ter e eu estaria perdido, amor que sou que estou que sem limite que imite mito.
Ondas? Já começou o maremoto? Escondam-se quem puder!!! Será o fim!? Eu ainda tenho um amor inteiro pra viver e o rinoceronte estúpido acaba de voltar e mesmo com a água batendo em seus joelhos quer me apontar a arma na cabeça. Dedo no gatilho: dota, data, dita, duto e ele me dizendo: escreve escreve escreve, e eu retorquindo: moça alguma gosta de massa de tomate de cabeça de escritor ainda que estertor seja palavra bonita e estrume tenha som. Mas cadê que o rinoceronte me ouve?
Um dia o sapo coaxou uma história e todo mundo achou uma linda memória a lenda rida por todo mundo. Ordem, ordem, ordem! Dita o rinoceronte enquanto penteia a juba. Ruge um pouco e então alça vôo porque diz que vai chamar reforços. Um abraço que eu vou ficar aqui esperando, há-há-há-há-há-há-há, sete vezes há pra você elefante, digo, rinoceronte militar...
Sumo logo, sumo de casca de laranja, viro a casaca e vou atrás do meu terapauta que sempre tem uma peuta nova pra eu cobrir e estampar um jornal de mentira ontem: cada louco com a sua maninha, dizia a minha voz. Bate-bate-bate e é meu coração provando que, apesar de toda essa confusão, permaneço vivo habitante deste cenário algo esdrúxulo que é o caminho pra morte, cuja inauguração se deu no dia de meu parto. Adeus, mortos! Ouço a voz de vocês ao fundo mas sei que já eram todos.
Rranhando o céu da boca acho bonito começar um parágrafo com dois erros e dois erres. Upa upa, rinoceronte tonto cambaleante do lado de fora a correr montado na gramática contra mim. Traz pés, isto, trapezista de araque, já perdeu-perdeu-perdeu e cadê sua força, sansão careca?
Unte bem. Fôrma retangular. Margarina vegetal sem sal. Unte bem, unte bem, unte bem. Ou a receita de assar rinoceronte. Há?
Nade ou nada, tudo ou tude, tudebom pra você também, téamanhã, licença, porfavor, sem gelo, boanoite, prassempre. A moça do outdoor bate na minha porta e quer entrar porque está com medo do rinoceronte comendo. Mas eu sei que na verdade tudo o que ela quer é continuar participando do texto, está reclamando porque não tem contexto pra ela morar, tem medo de morrer na solidão, só que eu sei que todos nós temos medo de morrer na solidão, na velhitude decrépita ensimesmada que nos aguarda na hora da morte amém. Amém.
Tântrico e tétrico, ouço jazz desmaiado na sala porque quero acreditar que tudo não passou de um sonho e me belisco e vejo que não fora sonho tudo é verdade e estou aqui a moça batendo na porta eu desmaiado no chão ouvindo jazz querendo jazer aqui jaz fulano de tal rip and hippies making love and yuppies playing tetris porque tântrico e tétrico minha sala de estar sentado. Onomatopéias persistem nos ouvidos pagãos pogonóforos ou nos pogrons brasileiros, versão álabo ou herbert richers. Herbert.
Na sala a sela ou a cela, a ceia última mas não ótima nem átoma, num átimo. Os rinocerontes batendo na porta e que há entre a porta e os rinocerontes nervosos? Sim, a moça do outdoor, agora verdadeira massa de tomate e eu culpado porque não a deixei entrar mas sou egoísta mesmo não agüentaria aquela moça do outdoor deitada na minha sala, dizem que ela é burra e só sabe vender o produto do out-door e eu nem me interesso por batom que é o produto do out-door porque eu não uso batom. Mulher? Uma só.
“Mãe tem tinta pra tentar atento tanto ao meu talento quanto ao seu talante por enquanto?” Oh meu filhinho, tem mas acabou, ficou pra ontem. Caramba!
Amanhã ontem e hoje não deviam nunca existir.
Muito mais essa saudade. Ir pra onde com ela no meu encalço?
Roer unhas.
Inspirar poemas.
Rrubarde as regras e detonar toda a palavra porque nada melhor pra fazer aparecer no meu mapa-múndi minha pipa de vento em popa cadê o jazz cadê a moça cadê os rinocerontes romanos e o sapo sapo sapo? Assim já eram a coesão e a coerência e ninguém vai acreditar que isto é um texto – isto é um texto? Mesmo?
Sobre o sapo, a história que ele contou ridiculariza ri de cu lar e zás-trás o rinoceronte: ele é surdo e de urso absurdo se fantasia só pra poder hibernar quando chove e falta couve porque onde houve e se ouve ele tem medo de chuva. Ah!
Moeda nenhuma mora na moela de quem não tem mãos para roubar moedas nem modelos inéditos do laboratório de ciências. Acho que todos os elefantes e rinocerontes são burros e antas, antes:
- Ção cora e corais são!
Argumente, argumente, que enquanto isso eu vou pedir pro meu cachorro me trazer de volta porque já cansei de passear passear passear mijar em poste passear passear passear puxado pela cordinha dele. Rumino a filosofia agora. G é o nome do ponto, pinto prantos na tela que ora se me revela vela acesa apaga ascende paga.
Arte terra e tear tentando crescer, tecendo rinocerontes pra me matar matar a moça do outdoor fazer massa de tomate de pessoas inocentes. Meio hobby sanguinolento de serial killer ou filete de sangue escorrendo da gilete. Um urro, só.
Halali, halali e sei que há um hipopótamo também querendo entrar na festa, vem de carona num halibute, mergulhado e tudo, estudo muito pra entender mas em tender nada me especializo. Notas pra que as quero sãs, asquerosas! Em cima da mesa a sobremesa em cima de mim a sua beleza em cima de mim em cima de mim, demiurgos errantes...
Natureza é sábia. Ainda não me trouxe o cachorro de volta pra casa, ainda estou atado à coleira suja, ainda estou vagando numa sarjeta qualquer de não sei onde não sei lugar. Irritado, por vezes. Repentinamente eu quero voltar para mim, porque estou aqui querendo escrever mais, é difícil escrever quando não se está, é difícil mesmo. Estou pensando se não era melhor ter um revólver de rinoceronte apontando para mim e se a pressão não era melhor para escrever e se não é barato o aluguel para morar dentro de uma panela-de-pressão ou a depressão dói demais. Tudo trote.
Onde está meu pensamento que agora pensa em abrir a porta, soprar, só pra ver o vento correr da manada de rinocerontes, só pra ver a massa de tomate da cabeça da moça morta, só pra ter de novo o rinoceronte romano latindo com um revólver assassino apontando para meus ouvidos.
Ã.
Nihil. Adão costurou a própria sina mas não tinha cachorro portanto não saía para passear. Deus não criou o jazz portanto não tem culpa de nada. Animais como rinocerontes gostam de tomar banho por causa do calor e aquela sensação de sujeira a colar o corpo. Natureza tem mania de grandeza. Moças de outdoor não têm recheio, ou seja, não são boas de se estuprar. Ou tudo está errado ou foi o mundo que entortou de vez.
Cá, um espanto. Espirro. Só esparadrapo, espaço, espelho. Sapo, meu caro, esqueci do sapo: o maior e mais sincero contador de mentiras que me tiram do mundo que jamais houve! Amanhã é sábado e não vou trabalhar. Mas só. Ignorante é a sua mãe, engraçadinho! Ria, vai, ria, que eu vou ficar aqui chorando por cada dente dentre seus lábios. Ir ainda é meu direito? Resta a alma, a calma e a palavra. Ah, sim, a pilantra pula palavra também.
Mote: meter e matar a gramática e a matemática. Esculhambar a sintaxe. Suar a camisa mas destruir o sentido. Assim faz sentido? Nããããããão!
Ahn. Iupi! Rrrrrrrrrrrrrrrrrr!!!
Amém. Mas volte sempre: agradecemos a preferência.

24.12.07

o ovo de páscoa, então

Todo ano era coelhinho-da-páscoa-que-trazes-pra-mim. E a gnomidade louca corria se esconder os ovos para que os ovos se mostrassem espertos rápidos e encontrassem os gnomos primeiro. Aí cada ovo se escondia onde antes houvera gnomo e a criançada doida corria pra achar-comer ovo.
Eu enganei um bobo na casca do ovo.
Então.

23.12.07

o ovo de páscoa

Um dos gnomos acordou bravo e chutou o microfone do repórter de tevê que tentava entrevistá-lo já há três dias e fazia plantão em frente ao manicômio.
Era dou-me-em-gol mas para ele todos os dias eram segundas-fúrias. O repórter insistia que eram terças-férias ou, no mínimo, quartas-frias.
- Quinta-fora! Hoje é quinta-fora!
Eu ficava no meu canto, torcendo pra que todos os dias inclusive hoje fossem mesmo é sextas-folgas. Mas era sabido.

22.12.07

vai dar de vadio, valdo?

Não me lembro direito se era Valdo porque Valdomiro ou Valdonier. Na verdade nunca soube e creio que sequer ele mesmo sabia. Talvez ainda fosse corruptela malfeita de Vladimir, Valdir, Valdeci. Não importa. Tenho certeza que você não quer saber essas coisas, como também não quer saber onde nem quando nasceu Valdo, se tem filhos, se tem todos os dentes na boca, se tem câncer. O que? Quer saber? Danou-se porque não estou afim de contar.
O que vou contar, e você será obrigado a saber ainda que contra a sua vontade, é que Valdo tinha um vício. Sua heroína se chamava Vanessa ou Verônica ou Valéria ou Valquíria ou Vanda ou Verusca... Vera não, estou certo disso. Seria Virgínia? Hmmm, sou péssimo para nomes, você sabe. Mas voltemos ao Valdo: ele curtia deveras dar uma voltinha com seu vício num velho Voyage vermelho que era seu orgulho.
Volta e meia, nas horas vagas, o violão vociferava:
- Você é linda, mais que demais...
Para a vizinha, aquilo era um vodu. Ela, víbora, reclamava:
- Vá praquele lugar, seu viado filho da mãe. Vou te mostrar pra onde mando os vigaristas vagabundos! Essa algazarra até hora desta? Eu quero dormir! Sua casa vive infestada de malandros! Vou chamar a polícia.
Vez ou outra Valdo cismava de vigiar a Lua. E viajava gostoso vigiando a rechonchuda concubina de São Jorge: armava planos com as estrelas, convencia cometas, enxergava até a não-luz dos buracos negros, tudo para que a Lua não se aproveitasse da distração dos terrestres lunáticos e de repente fugisse pra órbita de outro planeta.
Às vezes, em vez de fazer nada, cheirava Vinícius enquanto lia poesia. Depois desandava a vomitar versos por uma ou duas semanas. Vibrava ouvindo Velhas Virgens numa vitrola moderninha que tocava até CD com MP3. Valdo sorria, mas só de vez em quando.
Vazio por dentro e por fora, Valdo era um zero à esquerda. Vazio e vadio. Seu nome não rimava com trabalho e seu maior orgulho era não precisar comer o pão ganho com o próprio suor, que nojeira!, ah! isso sim é que era motivo para se orgulhar. Quando alguém lhe dizia, cínico, "vai dar de vadio, Valdo?", vitorioso ele simplesmente sorria sozinho. E voltava a assoviar, desviando da vassoura que há muito pedia emprego em sua casa.
Vaidade? Valdo usava Gumex no cabelo.
Vaidade? Não trabalhar, andar no seu velho Voyage vemelho com alguma mulher que começasse por v.
Vaidade? Você não está entendendo? Vaidade é este negócio de brincar de Deus, criar um personagem de nome Valdo e escrever várias linhas vazias sobre ele. Vaidade é criar sem mas nem porquê.

21.12.07

enfim, a outra manga

Uma manga doce mas que me deixou cheio de fiapos no dente. Resultado do que chupei, talvez. Alcancei a sabedoria numa noite de verão pós-carnaval. Era março ou fevereiro, mas talvez dezembro mesmo, porque não me lembro ao certo. Eu fumava um cachimbo freudiano que fedia muito e me dava uma aparência de dândi incompreendido. Pensava sobre aspectos culturais e fazia, a meu ver, proposições provocadoras, levantando hipóteses de vanguarda para o pensamento gnomínico contemporâneo. Cheguei a supor, por exemplo, que os outros animais, inclusive os medíocres seres humanos e seu mundinho de plástico, tivessem algum tipo de cultura, ainda que incipiente se comparada ao avançado e inalcançável estágio a que nós chegamos a custo de milênios de civilização. Fui tomado como um herege dentro dos meios acadêmicos, fica fácil entender o porquê. Digamos que provoquei a quarta – ou quinta, sou péssimo com números – ferida narcísica na História da Gnomidade.
Pois bem, voltamos à manga principal, que complementa minha camisa, sendo necessária sobretudo em noites de frio. Dizia como atingi a sabedoria.
E foi numa noite de frio. Minto, estava calor, e bastante quente, pois era pós-carnaval, que aconteceu. Não me lembro direito do antes nem do depois. O durante também não me é tão claro porque vivi tudo em primeira pessoa, o que é mais difícil de reter na memória do que quando acompanhamos a câmera no modo terceira pessoa. Mas para não frustrá-lo em sua leitura, vou inventar os detalhes de como foi.
No dia em que eu inventar eu conto. Prometo.

20.12.07

nefelibata

Quando era criança gastava meu tempo imaginando explicações para o funcionamento do mundo. O vento eram árvores constipadas que viviam espirrando, a chuva eram anjos lavando o céu e o pôr-do-sol era quando aquelas montanhas que via lá no horizonte abriam a garagem pra que o astro-rei pudesse entrar, descansar e dormir o repouso merecido.
Morava em um sítio e minha maior diversão era cuidar de uma fazendinha em miniatura que montava com estradas de barro, cavalinhos de chuchu, bois de batata e...
- Menino! Quantas vezes já te falei pra não brincar com comida? É pecado, meu filho... - era minha mãe saindo da cozinha com colher de pau em punho, dando pela falta dos vegetais separados para o almoço.
Gostava mesmo era do céu. Na verdade, nutria uma secreta paixão pela imensidão que sabia infinita do céu, aquele azul-celeste que só naquela época distante da poluição havia. Construía pipas coloridas mas na realidade empiná-las era apenas pretexto para adorar o céu. Pensava que o céu devia ser feito do mesmo papel com que se envolviam as maçãs nas feiras de domingo, quando íamos para a cidade assistir à missa. Padre Bento sempre falava do céu, mas o seu céu não era igual ao meu céu. Eu tinha certeza que o seu céu era mais monótono do que o meu céu, Deus que me desculpasse pela heresia, se heresia havia.
- Esse menino deve ter problema na cuca, vive com a cabeça no mundo da lua, tadinho!
Quando Neil Armstrong pisou na lua não tínhamos televisão. Ainda era o tempo em que passávamos as noites de calor contando estrelas e as de frio contando causos em volta de uma fogueira crepitante. Não tínhamos televisão, essa deusa azulada que reina pra súditos mudos na sala.
Lembro-me que meu pai voltou da cidade, onde tinha ido fazer compras:
- Tão dizendo que uns americanos estão lá na lua. Num boto fé, não! Lorota!
Naquela noite, sonhei lindamente que eu estava brincando com São Jorge na gravidade zero. Eu era o herói do espaço, falava inglês e tinha uma namorada loira me esperando na Terra.
Então, olhei pra Terra. A Terra? A Terra era azul.

19.12.07

a rosa púrpura do aqui

Lá minto, lamento:
- Vá pra lá palavra minha!
que hoje quero escrever:
a) um poema que nem saiba se é parente ou transparente.
b) um poema que nem caiba em si de tão óbvio e renitente.
c) um poema digno de amantes, cravejado de diamantes.
d) um problema que seja o próprio propósito de pressão, depressão.
e) todas as alternativas estão corretas.

Mas, contradições com tradições
E o contexto matou o poema!
Refuto o fato e o feto porque:
a) meu livro é uma vida aberta, cheia de fendas e pregos e dobras no caminho.
b) perco-me nos parques dos porquês ensimesmados.
c) há um olho rasgado filme de Buñuel olhando e sangrando pra mim.
d) não sou homem de assumir a paternidade.
e) n.d.a.

Leitor livre e leve,
Complete as lacunas alucinadasao seu talante.
Finja, mas não fuja.
Aja sem nojo
como se o chão (e não o céu)
tivesse asas. Mãos e pés à obra:
1) No meio do _________ tinha um espinho
Tinha um espinho no meio do _________.
2) O preço do _________não cabe no coração.
3) Amor é fogo que _________ sem ser covarde
É dor que _________ sem aspirina.
4) De repente, não mais que _________
Fez-se distante o que se fez _________
E de _________ o que se fez carinho.
5) No final, que restará?
Uma esperança de _________...
6) Vou-me embora pra Pasárgada
Lá eu bem sei do _________
Lá tenho a _________ que quiser
Na _________ que tiver chama.
7) Ó mar tão mau, quanto do teu _________
São lágrimas de _________!

Um dia, lá longe,
Amei
Bebi
Chorei
Dormi
E defenestrei todos os meus sonhos, principalmente os que

(O resto do poema?
Hmmm... não sei.
Parece que pulou a linha
E fugiu da página.)

18.12.07

parêntesis para chorar

O que eu mais queria agora eram aquelas palavrinhas-valise, tão amiguinhas que me salvam numa hora-de-nossa-morte-amém desta. Salvai-me James Joyce!

17.12.07

cronos

A arte existe para que a verdade não se repita.
Meu pai tentou explicar tudo isso. Primeiro o lance do revólver verde depois o que acontece quando enferruja e dispara matando neguinho pobre e vagabundo.
Não adianta. Eu falei que pouco adiantava esse barato de explicações e tal. Eu sei que primeiro morri para, depois de todos os ritos culturais vigentes em nossa sociedade serem providenciados, brotar na ponta esquerda de um bambu, ainda que isso seja difícil de explicar e mais difícil ainda de se entender.
Quando brotei ainda nem era primavera e todos os ventos permaneciam guardados na caixa mágica dos brinquedos inacessíveis[1]. Nesse estágio eu já tinha todo o formato corporal que hoje ostento e a mesma cor-de-abóbora com a qual todos os nove elementos de minha rara espécie somos conhecidos, menos, é claro, a capacidade de morar em obras literárias, carcomidas ou não, e de manter relações sexuais com quaisquer seres e/ou objetos, em grupo ou isoladamente – tais aptidões só vêm a posteriori, depois da puberdade, lá por volta dos 112, 196 anos, mais ou menos.
Para celebrar a Páscoa, todo gnomo cor-de-abóbora tem que completar 82 anos e 23 meses e 12 dias e então tomar um banho de ervas azuis. Raríssimas ervas. Ficamos assim da cor-de-burro-quando-foge por 36 horas para depois quebrarmos o casulo imperscrutável que se nos revela borboletas amarelas. Toda essa miscelânea colorida nada tem a ver com a bandeira do movimento gay, pois os gnomos não nos importamos com nenhum tipo de movimento – nem os da física, nem os do andar mesmo – porque nos cremos como próprios movimentos em nossos momentos. Mas como eu ia dizendo, toda essa salada multicolorida não é coisa estanque: representa a concretização de um rito de passagem, relembrando o passado, os antepassados, a história, a gênese de nossa extirpe. E a consolidação do lema impronunciável seguido religiosamente por todos nós remonta a essa tradição.
Ao completar 347 anos, fumei um cachimbo retrógrado com o único objetivo de me fazer de novo com 107, mais ou menos. Pra ser exato, 107,281333333..., que é um número tão cheio de numerais após a vírgula que parece muito, via rima plástica, com o número  (lê-se pi). Mas é só uma dízima periódica mesmo.
Estudei grego pra entender aqueles professores da faculdade. A propósito, pois sim, fiz faculdade como todo ser mediano sonha, só pra poder honrar pai e mãe e possuir um diploma de bacharel na parede do escritório, ou do banheiro, sei lá. O meu diploma eu preferi fumar na festa de formatura, aproveitando que me foi entregue enrolado em formato cilíndrico. Solicitei a segunda via, através de todos os trâmites burocráticos – claro que até agora não me chegou.
Na verdade são duas as coisas fundamentais que, percebi, todo estudante universitário aprende neste mundo dos gnomos cor-de-abóbora:
1) Fumar verduras. Com a exceção dos que já fumavam alfaces e repolhos antes – estes apenas aprimoram a prática, aplicando as técnicas existentes com maior desenvoltura ou mesmo desenvolvendo novos modelos que incluem rabanetes, cenouras e picles. Alguns chegam a publicar imensas teses, verdadeiros calhamaços impressos em papel fumável, explicando as origens e o significado místico-religioso da fumaça verde. Outros acabam produzindo materiais de auto-ajuda no estilo “como sorver um bom beque – baseado em fatos reais”, “seja um feliz herbívoro”, “erva não-mate”, etc. – esses são os que ganham mais dinheiro. Uma minoria restante se dedica ao tráfico mesmo, afinal alguém tem que fazer o trabalho sujo que dá sustentação ao esquema. Não existem outras categorias porque não existem outros gnomos (somos apenas em nove), mas nada impede que as novas gerações criem novos segmentos para um mercado tão ascendente quanto esse. Alguns pensadores contemporâneos chegam inclusive a antever uma tendência de fusão com a informática, possibilitando assim o nascimento de profissões ligadas ao universo cibermacônico, diferindo, evidentemente, dos já existentes ramos cibermaçônico e cibermanicômico. Não, também não tem nada a ver com cibercômico. Visionários acreditam em hortas.
2) A pirateação de livros. Quando chegamos à faculdade já éramos sábios conhecedores das técnicas de pirateação de CDs e outros materiais altamente perecíveis e facilmente renováveis da nossa Indústria Cultural. Alguns, inclusive, tinham em suas garagens verdadeiras “casas do chinês”, onde nada se perde, nada se cria, tudo se copia.
No entanto, o que ninguém nunca tinha parado pra pensar era como é tremendamente fácil a cópia inescrupulosa e constante e irrefreável dos livros produzidos pela carente e pobre intelectualidade do país. A difusão do xerox é prática acadêmica inclusive incentivada pelos professores, solução paliativa ou definitiva à escassez dos títulos existentes na biblioteca e ao alto preço dos livros novos nas livrarias burguesas, inacessíveis aos universitários que sequer tomam banho cotidianamente.
Enfim, a fabulosa idéia de xerocar livros é prática que acaba se tornando mania. Ao final da graduação, o jovem gnomo pode gabar-se por possuir – símbolo de sua invejável sapiência e sólida erudição – um farto acervo com 327 pastas plásticas recheadas de papel fotocopiado. São toneladas de conhecimento impresso ilicitamente, sem direitos autorais, em algo equivalente a uma floresta inteira. De Marx a Lyotard. De Rousseau a Deleuze. De Peirce a Milton Santos.
Mas foi só depois que, formado e desempregado (a faculdade é o caminho mais fácil, curto e garantido para o desemprego!), me tornei um adulto. Conheci toda a sabedoria, mas isto é pano pra outra manga.
[1] Sim, esta história não tem nem nunca terá público ledor, credor, leitor ou crente.

16.12.07

apelo sentimental

(Naquela quarta-feira fatídica, depois dos poréns e dos entretantos, nada mais me faltava acontecer. Tanto que quando cheguei à aula de italiano:
- Ciao, buona sera!
Meu ímpeto foi entender a costumeira saudação como uma despedida, dar meia-volta volver e zum! – zarpar feito vento de volta para o infinito donde vim. Mas não:
- Buona sera professoressa. Come stai?
- Beníssima, grazie. E tu?
- Bene, professoressa, bene. Soltanto um poco stanco, io credo...
Mas me faltava a firmeza e o brilho no olhar. Estava velho, nem reflexo no espelho tinha mais e meu peito arfava feito solilóquio doente.)

***
Trago as coisas belas no olhar: o brilho e a incompletude efêmera do teu sorriso preso em minhas retinas e o jeito triste de meu ser conduzindo-nos à imperfeição de errarmos sempre.
Mas onde estás quando minha lembrança te persegue e carrego a tua simples essência abstrata tatuada indelevelmente em minha alma? Éter... Eterno? Não interessa: só o que resta é a neblina, a opacidade do já-foi, permeado de todavias e contudos.
Acendo um cigarro inexistente só pra parir a chama outrora quente que nos unia. Chama? Quem me chama se agora o que ouço é o silêncio renitente de tua voz?
Palavra. Palavra. Palavra.
Vá pra lá, palavra, que quero escrever. Pois é pedra me atrapalhando intrépida. Abracadabrando, preteia o prévio clarão negro substrato. Palavra: prato trêmulo trincado e truncado de atrasos e tropeços. Apresento meus segredos, agrido e desagrado pois sou degredo frio e degradado. Desajeitado também.
Meus olhos agora vivem a cataventar e cataventando busco o tudo e o nada que perdi em ti. E onde estás quando o que sobrou foi só a caricatura do que fomos?
***
Compro sucrilhos pra brincar de pretexto. Deixo a chuva chover achando-a cheia de xodós enxeridos. Sonho e caminho sozinho. Perco-me de mim mesmo.
Leio um livro de poesias velhas. Pinto cada página com a não-cor que me faz lembrar de ti. Suspiro. Sussurro. Murmuro palavras sem nexo enquanto durmo, ou tento dormir.
No fundo, cata-vento coisas estranhas de dentro do meu coração, reverberando um passado que de tão próximo já se faz perdido, longínquo.
Quebro regras. Por prazer.
***
Às vezes eu morro, bem devagarinho. Só às vezes. Às vezes. Costumo morrer como quem pinta um quadro: começo com a dor do pensamento e termino com o orgasmo de ver-me obra cumprida, vida cumprida, ainda que levemente vazia – leve porque vazia?
Remédio?
Se te perdi no espaço, jamais voltarei a te procurar pois tive asas amputadas. Busco apenas. Busco como verbo intransitivo.
Sinto-me cata-vento. Vejo-me preso por um eixo, girando, tentando voar, tentando desprender-me de mim mesmo. A inércia nos corrompe. Sinto-me cata-vento e não sei mais voar.

15.12.07

crateras lunares

Percebi que sofro de insônia. Não eu, entidade suprema autor, mas eu que ele escreve agora. Eu-lírico, manja? Narrador-personagem. Essas coisas aí de literatura que eu, entidade suprema autor, não entendo. E eu, narrador, também não entendo.
Mas o fato é que sofro de insônia. Não todos os dias, er, noites. Apenas nas noites de lua cheia. Dizem que é quando lobisomem ataca mas não acredito não. Só acho que fica tudo muito claro por aqui e a luz da lua reverbera na minha janela. Adeus sono!

***
- Seu cretino, estou cheia de você!
- E eu, de pretextos pra não te querer mais!!
Assim se minguam amores e amizades, paixões e sociedades. Mas então é esperar outra lua nova pra crescer mais uma vez.
***
O menino vivia no mundo da lua. Lua cheia era um prato cheio para seus sonhos. Na nova, sumia feito escuridão. Nas outras duas não entendia muito bem como era que se desfaziam ora a porção branco brilhante reluzente, ora a negritude do espaço.
Sim, ele era meio de lua também.

14.12.07

imbróglio ou embrulho

Um dia, ou uma noite, não sei ao certo porque não vi, estavam todos os nove gnomos cor-de-abóbora deitados ao sol do meio-dia, ou à lua da meia-noite, não sei ao certo porque não vi, me contaram, e eles diziam sem parar bom dia, ou boa noite, não sei ao certo porque não vi, me contaram, mas eu dou fé, e começaram todos a tentar esquecer a pequenez daquele dia, ou daquela noite, não sei ao certo porque não vi, me contaram, mas eu dou fé, fonte confiável, só que não é nada fácil conseguir esquecer todo um dia, ou uma noite, não sei ao certo porque não vi, me contaram, mas eu dou fé, fonte confiável, não tem nem como contestar.

13.12.07

ménage à trois

Eram três horas da tarde quando a conheci numa terça-feira. Chovia forte mas o que escorria dos olhos dela eram lágrimas enxugadas pelas palavras belas que escorriam mais forte ainda da minha boca. A sabedoria popular diz que um incêndio se apaga com fogo de encontro; eis o princípio, aliás, da homeopatia.
Trocamos telefones e promessas de nos vermos novamente. Quando cheguei ao meu prédio, percebi que o elevador seria incapaz de elevar a minha dor à enésima potência, porque esta já estava em seu infinito máximo. Mas dava um gostinho de saudade. Quando entrei em meu apartamento, fiquei em dúvida: “aperta ou aumento?” mas abri a janela e respirei o ar fétido que emana da rua logo abaixo e seus carros fumantes. As placas de PARE deviam conter advertências do Ministério da Saúde.
Na quarta tinha um recado dela na caixa postal. Liguei de volta:
- Não, não era nada não. Só queria dizer um oi... – respondeu-me, com os olhinhos brilhando como pude perceber, mesmo ao telefone. Ao fio, conversamos horas a fio sobre as maiores banalidades, era de se esperar. Três horas e três minutos, como constatei, com a precisão britânica inerente à minha personalidade, no rádio-relógio.
Decidimos ir ao cinema na quinta-feira, aproveitando o feriado. Um sorvete para apaziguar o calor exterior e interior, matinê porque não agüentaríamos esperar até a noite para nos vermos e o filme era só pretexto para mais um encontro. Sessão das três. Uma leve sensação de que não prestamos atenção no que passava na tela:
- A que filme assistimos mesmo?
Mandei-lhe flores na sexta, ou uma cesta de flores. Sim, sou do tipo romântico, esta espécie em extinção. Não chego a fazer melodramas, evito ser piegas, mas tenho certeza que toda mulher gosta de flores, bombons e outros regalos que lhes caem tão bem. Ainda mais se temperados com um dedinho de paixão.
No sábado ela veio dormir em meu apartamento. Da janela aberta do meu quarto podia se ver a lua olhando para nós, com uma pontinha de inveja.

Eram três da madrugada e convidei a lua para participar do amor.

12.12.07

enviado especial

O gnomo número 10-3 acordou cismado que era diretor-geral do jornal. Mandou o gnomo 10-7 cumprir a pauta de que todos éramos filhos.
Dez dias depois, o gnomo 3 voltou com as mãos abanando o vento:
- O silêncio não quis dar entrevista.

11.12.07

retrato 3x4

Toda esta mazorca tem uma explicação: não é de hoje que nossos governantes vêm confundindo liberdade com liberalismo, o povo misturando libertação com libertinagem. Não é de hoje que o palco para o fuzuê está sendo montado, com direito a contra-regra e continuísta. Não é de hoje.
Na verdade tudo começou ontem bem cedinho. Quando me levantei para ordenhar a geladeira, donde brotam as caixinhas longa-vida, o caos já estava bem formado. Ou in-formado, pois é caos. Ou in-con-formado, pois é caos. Agora está tudo tão confuso que não entendo mais nada, muito menos pra terminar este texto.

10.12.07

das coisas da vida e suas implicações teóricas

Pessoas são engraçadas. Quando nascem, choram. Quando morrem, fedem. Reclamam que a vida é curta mas morrem de tédio e ficam inventando passatempos pra matar o tempo: suicidas.
Pessoas são engraçadas. Nunca, mas nunca mesmo, se satisfazem completamente e ficam reclamando da dureza da vida da chatice do trabalho da azia dos filhos do fracasso do time de futebol das dificuldades da trigonometria das pedras do meio do caminho. Mas gostam de viver abominam o desemprego têm filhos porque querem amam futebol estudam por opção fazem poesia.
Pessoas são engraçadas. Inentendíveis, mas engraçadas. Complicadas, mas engraçadas.
Não quero ser humano.

9.12.07

capítulo do poema 1 ou cenário sonoro sessenta e sete e cinco sextos – a teoria do teor do tear

Bronca de nave e o saite dos nãos:
- Cabeça, doença. Suspensa!
Surpresa.
Verdade de ver dá de comer aos olhos que a terra há de.
- Aterra! Aterra! Aterra!

Abstraio. Sou verso – processo – perverso
e por verso colho uma rosa
faço uma prosa
onde eu caiba sem cair
da corda bamba.
- Acorda! Acorda!
- Uma bomba!

8.12.07

capítulo doze

a) Não consigo entender porque a cada dia que passa todo mundo vai morrendo, menos eu. Será que serei o último a morrer? Digo: depois da minha não verei outra morte?

b) Amortemata. Amor te mata? Amo-te. Mato-te.

c) Sociopatia. Misantropia. Misoginia. Antropofobia.
Ficar anos e anos pra descobrir o nome do desvio de que se sofre.
Ficar anos e anos pra ter coragem de enfrentar o divã.
Terapia. Psicanálise. Confessionário. Consultório.
Ficar anos e anos pra morrer na solidão.
Coragem.

d) É triste a dor da saudade porque é pungente. Pra quem não sabe, pungente é o mesmo que lancinante.

e) N.D.A.

7.12.07

capitu, capisce?

O primeiro decidiu chorar todo o leite derramado e foi reclamar justo para a produtora do leite, a vaca Dinorá.
O segundo tirou o dia pra pular de pára-quedas e acabou bagunçando todo o laboratório.
O terceiro continua no hospital, tendo já assediado três enfermeiras.
O quarto ficou no quarto.
O quinto terminou com Bukowski, foi pros quintos e agora está namorando uma tal de Ana Cristina Cesar de palavras igualmente fedendo sangue.
O sexto carregou um cesto de lixo, encheu de frutas da cesta, viu que era sexta-feira 13, pôs o chapeuzinho vermelho na cabeça e foi visitar a vovó antes que o lobo vem.
O sétimo teve outro surto suicida.
O oitavo fingiu ser oitava-rima, começou a brincar de ser poesia, ainda que nem acreditasse ele nesse negócio meio boiola de escrever e/ou ler poesia.
O nono sumiu desta página.

ALGUNS PROBLEMAS:
- Fosse ele reclamar com a indústria Tetrapac e a eficiência seria bem maior, afinal indústria é progresso mesmo que o leite não seja mais tão leite assim.
- Fosse ele usar planador e quem sabe as borboletas até copiassem o modelo.
- Fosse ele mais responsável e utilizaria camisinhas que, hoje em dia, são distribuídas gratuitamente pela Saúde Pública.
- Fosse ele ficar na sala e assistiria a todos os programas da televisão do dia, podendo, inclusive, decorar preciosidades do Ratinho, Silvio Santos ou quaisquer outras filosofias do gênero.
- Fosse ele analfabeto e era um leitor a menos pra encher o saco de quem escreve.
- Fosse ele atrasado e o lobo chegaria primeiro, pelo caminho mais curto, estupraria e assassinaria a vovó, podendo assim ele (o gnomo, não o lobo, evidentemente) herdar para si todas as frutas do cesto, garantindo um almoço saudável e barato.
- Fosse ele mais esperto e se mataria logo de uma vez de maneira assaz eficiente: prendendo a respiração até os ponteiros do relógio ficarem atordoados.
- Fosse ele macho de verdade e estaria lá debruçado sobre problemas de matemática contemporânea ou ainda engenheiro da construção civil dando ordens a peões rústicos e robustos.
- Fosse eu mais atento e ele não teria conseguido fugir. Cadê o desgraçado do gnomo fujão? CADEEEEEÊ?

6.12.07

por que escrever com a janela aberta, 6.º andar

Às vezes paro. Só às vezes. Paro para admirar as estrelas aqui da janela do meu apartamento e fico pensando nas esperanças defenestradas sem dó nem nada. Por que tanta gente joga fora essas ilusões cadentes?
Fico me lembrando do seu sorriso azul, quase de chuva e vento, e num instante percebo que tudo o que foi já era mesmo para ser vivido e, não de outra maneira, o que é vivo sempre morre um dia. Fico me lembrando do seu jeito amarelo, quase espontâneo e afoito, e num instante outro percebo que tudo tem seu jeito inesquecível de ser, mesmo que o ser nunca tenha sido completamente. Fico me lembrando do seu olhar verde, quase siga-me e não chore, e num instante outro ainda percebo que tudo é explicado sincera e singelamente, mesmo que inexplicáveis sejam os revezes que adornam a nossa existência. Fico me lembrando do seu eu vermelho, quase gênio difícil de ser entendido, e num instante mais outro ainda percebo que tudo tem sua paciência e sua calma.
Agora estou parado. Agora estou nestes às vezes em que paro para admirar os corpos que caem da janela carregando consigo a esperança de um mundo melhor, de um amor com gosto de chocolate, de rosas em vez de bombas estúpidas e gélidas.
Hoje, enquanto escrevo estas parcas e tristes linhas, é o primeiro dia da Guerra. Fico pensando nessa realidade que agora está tão longe mas que, numa burrada qualquer, pode se transformar em nosso problema. E não quero, não quero mesmo, ver da minha janela bombas caindo no horizonte, ainda que o espetáculo luminoso pareça belo tanto como fogos de artifício. Não quero mais ver sangue no jornal também. Por que a melancolia é assim?
A tristeza é uma condição que conquistamos.
Não quero que seu sorriso azul se perca como uma borboleta morta. Quero que continue sempre azul, voando e assim colorindo de vida este pouco espaço que nos resta. Não quero que as outras maneiras contagiem toda a existência humana, que um dia nos afundemos todos no caos abrupto e injusto que é um abismo inextinguível. Não quero. Não quero. Não quero.
Não quero que seu jeito amarelo jaza na cova insana dos covardes. Pusilânime, diria. Porque seu jeito não pode de repente num outro repente des-ser o que terá sido, o óbvio, o máximo, o supremo mas não supérfluo. Não quero que as mãos deixem de se tocar como se o amor nunca houvera ou tivesse havido, o que sempre dá no mesmo. Não quero que o oceano seja jamais profundo. Não quero? Não quero? Não quero?
Não quero que seu olhar verde num átimo novo madure e assim se esvaiam todos os sonhos plantados outrora. Outra hora também não vou querer. Não quero saber de sementes recentes tampouco das inovadoras descobertas da oftalmologia para amarelescer olhares verdes via raio laser. Não quero que seu olhar cresça e deixe de ser essa coisa sutil que rompe da sua face. Não quero! Não quero! Não quero!
Não quero que seu eu vermelho saia de si e vire cólera e vire ódio e vire eu contra você. Que o vermelho continue sintetizando aqueles sentimentos mais bonitos da família do amor, mesmo que amor não haja muito em tempos de Guerra. Não quero nem saber seespaço para tanto; em qualquer frestinha parca qualquer canto já lhe serve porque o amor tem essa dimensão de se ajeitar no incabível e se apertar no inacabado. Não quero é o gelo nem a raiva. Não quero... Não quero... Não quero...
O rádio ligado me dá uma dimensão fluida de que as músicas trazem as lembranças para perto. Mas também me informa a hora, avançada já madrugada adentro, tristíssima condição a que os poetas acostumam-se com dificuldade: a diminuição crescente do sono.
Q
uem é que vai guerrear?

5.12.07

capítulo primeiro

Acordei. Mas ao pentear os cabelos percebi que não sei de que lado do espelho estou.
Como? Você acha que isso não muda nada? Não faz a menor diferença? Como não?
Olha, se eu for apenas o reflexo e morar dentro do espelho, não preciso fazer mais nada. É só deixar o flexo bonitão do lado de lá agir e imitá-lo. Por que gastar tempo e pensamento pensando no que fazer? Por que gastar energia fazendo? É só repetir, repetir, feito papagaio de mímico. Ora, ora... Não faz diferença. Vá se ferrar!

4.12.07

eu

Sou.

3.12.07

dos gnomos cor-de-abóbora

É cada vez mais inusitado tentar compreender a natureza dos gnomos cor-de-abóbora. Seus fluxos migratórios, sempre menos constantes numa progressão geométrica, são um desafio à nossa própria convicção racional de ver o mundo com a arrogância antropomórfica – chamamo-nos às coisas: boca do céu, pé da mesa e pé de limão, garganta de terra, seio de mar, língua do envelope, dente do serrote e dente do pente, braço de mar também, e assim por diante. Antropogeodésicos.
Pois bem, sem tergiversar muito, voltemos às nossas estranhas criaturinhas. Ainda há pouco, dois gnomos sambavam voluptuosamente pensando ser carnaval mesmo em agosto. Realmente fogem à nossa capacidade de compreensão, rotundamente pusilânime. Outro, que nos parece ser o mais tímido de todos, se escondeu atrás da hélice do ventilador. Experimentamos ligar o ventilador e pudemos contemplar o gnomo num vôo digno de Ícaro. Infelizmente o tombo foi grande e acarretou a ele sérias complicações médicas, obrigando-o a ocupar um leito velho do deficitário sistema público de saúde. Segundo Dr. Koch, só terá alta em, no mínimo, 45 dias. Os seis restantes foram por nós flagrados numa tentativa de suicídio coletivo. Diziam que a existência mundana não valia a pena nem cabia apenas e melhor mesmo era que reencarnassem em forma de estrelas anãs brancas, segundo uma crença tradicional deles. Não deixamos, porque acreditamos que tal escapismo não é conveniente à evolução de nossas pesquisas, ao menos antes de fazermos a nossa taxionomia. Estamos, por certo, considerando mesmo a possibilidade de matá-los, se assim for preciso, a fim de evitarmos uma série de atos suicidas que, por assim dizer, não se coadune com nossos princípios estéticos, éticos e religiosos.
O trabalho diário com gnomos dessa espécie cor-de-abóbora nos reserva exóticas surpresas. Um deles, por exemplo, do grupo dos suicidas, já avisou que a partir de amanhã pretende entrar num livro do Bukowski. Qual livro?, perguntamos, e ele respondeu que tanto fazia[1], desde que ele pudesse manter certas relações escusas com os versos e, num momento mais profundo, com as palavras. Preferimos não especificar aqui a natureza de tais relações porque temos receio que este relato possa vir a cair em mãos de pessoas de família e não pretendemos provocar ruborizações de tipo algum em ninguém.
Por fim, encerramos com este parágrafo o presente documento. Não porque acreditamos ter atingido o pleno e satisfatório rendimento em nossa pesquisa e, por conseguinte, esgotado aqui o assunto. Na verdade, encerramos aqui porque já estamos com preguiça de continuar enchendo o papel de letrinhas nem sempre calcadas na verdade. E, ademais, se os gnomos perceberem que estamos descuidando deles um minuto que seja, ficarão tristonhos e revoltados. Às vezes até risco de fuga haja.

[1] Depois de uma sessão de tortura, ele confessou espontaneamente que, apesar de tudo, preferia que o papel fosse cuchê.

2.12.07

capítulo cabeça

1) Mas para que ninguém saia por aí pedindo o dinheiro de volta, dizendo que “como assim o protagonista morrer bem no comecinho?”, eu vou mostrar as duas linhas que eu escrevi antes de morrer:

Decidi que não quero ser felizinho. Agora vai ser oito ou oitenta: só brinco se for feliz ou triste.

2)
– Que cabeça você quer?
– A mais bonitona e cheia de recheio por favor!
– Serve Ezra Pound?
– Não sei... Preferia algo nacional... Tem Clarah Averbuck?
– Tem mas acabou. Por que você não leva Leminski?
Tudo. Tudo. Menos o tem mas acabou. Odeio o tem mas acabou.

3) Tinha cinco dedos em cada uma das mãos. Não era, portanto, presidente. Falava inglês, alemão e não-sei-mais-o-quês. Amava cinco namoradas, sendo fiel a todas elas. Era doutor em embromations factus e ganhava 15 mil dólares por mês. Andava sempre num carro importado, que não sei a marca porque não entendo de carros. Bebia só uísque escocês e ria dos pobres para quem jogava esmolinhas com desdém.
Um dia, tropeçou no ego e morreu de traumatismo craniano.

4)
- Manhê! Manhê! Manheeeeeeeeeeeeeeeeeeê!
...
- Mãe!?

1.12.07

capítulo zero

Dormi hora e meia. No meu sonho tinha um revólver verde e quase enferrujado com o qual eu matava todas as pessoas chatas. Matei-me.