16.4.07

Mefistófeles Morgado, Memo (fragmento)

Ninguém jamais se atrevia a discordar de Mefistófeles Morgado. Que mal havia? Nenhum. Ninguém jamais o chamava pelo complicado nome. Ficara Memo. As duas sílabas iniciais e nenhuma sobra mais. Memo.

Por que não discordar dele? Memo era deveras sábio. Costurava o vento quando queria calmaria, atiçava trovões quando queria barulhar um pouquinho. Não negava favores, tampouco os evitava; mas ai de quem não reconhecesse sua prelazia. Memo era capaz de rogar a todos os santos para que uma pólvora brotasse no travesseiro de cada um dos seus desafetos. E a danada da pólvora explodia, mais noite menos dia. Memo era o cara: quando fazia flexões, empurrava o planeta para baixo; decidia que horas eram para o relógio marcar; o médico media sua pressão pela escala Richter; e, quando queria, levava vinte minutos para passar uma hora. Memo jamais conseguiu fazer a barba, porque era só dar as caras no espelho que o reflexo abaixava a cabeça, em sinal de respeito. Por falta do que fazer, cismou contar até o infinito – três vezes. Sabe o Mar Morto? Eis o assassino.

Aposto minha barba que o leitor até aqui está confuso. Que caráter tinha Memo? Era o pleonasmo vicioso ou o maniqueu arrependido? Memo driblava os pecados e se escondia dos degredos. Memo colecionava segredos, agrados e palavras.

Implacável, Memo ria.