31.1.08

cine arte 01

Em dias de cinema está vazio e tédio mora o tempo todo na cabeça e na sala, dá vontade de chorar bastante, depois correr, depois correr, depois correr como se fugindo se fugisse também do que pulula dentro de si.
Em dias assim prefiro cruzar os braços e esperar o filme começar. Só pra ver se tem happy end.

30.1.08

hoje nasceu uma flor na minha janela

Não colhi nem comi porque preciso escovar meus dentes antes.

29.1.08

(____________) replaying

Me lembra tudo isso também e dessas coisas não dá para esquecer nunca. Não esquece também que eu te amo e que ninguém combina melhor com a gente que nós dois. Parecem fogos, parecem fotos, uma pintura, sei lá. Coitado do... bah, esquece!
Olha a comunidade feminina gostando. Lindo, como sempre. Hoje acordei sem palavras, mas você sabe o que este silêncio significa:
(a) Mais fãs por aí.
(b) Bizarrão!
(c) A minha então.
(d) Livro da criança que voltou a estudar.
(e) Roupas da que vai viajar.
Esta dá uma saudade prassempre. Estadia um soldado potente. Dia está ensolarado pragente.
São seus olhos.
- Você sabe que flores são essas ou vou ter que perguntar pra sua vó?
- Ai, esqueci de dar um oizinho pra ela. Fica pra próxima, tá?!

Todas as impressões são digitais, todos os sei-lás são o que parecem. Música pra dormir.
Mãos que se tocam em que estamos um do outro. Pés sou eu quem está. Acabou a folga – boa aula!
Pede um sorvete e impede um soviete. Blau, blau, blau. Everything is gonna be blue, alright?! Dica do dia: manter a vida atualizada e a morte irresoluta. Dia da dica: hoje ou amanhã são tododia.
- Te amo, mas será que beijo tem dia? – pergunto só pra dizer que te amo mesmo e pra perguntar será que beijo tem dia.
Vejo uma fantasia de carnaval. Vejo uma passarela. Vejo um jovem e uma espada. Vejo uma passada e uma uva-passa que me redime.
- O único carnaval bom da minha vida foi o último.
Que foto linda. Muito essa foto. Você.

28.1.08

último capítulo

Depois da morte do #9 os outros oito outros foram virando. O oito foi pra marte.
Depois de marte do #8 o assento sete vagou e sentindo muito lá se foram. O sete foi buscar o oito que só não pegou o nove porque do além tinha medo.
O nove, vocês sabem, morreu, noves fora.

27.1.08

último capítulo

Depois da morte do #9 os outros oito outros foram virando. O oito foi pra marte.
Depois de marte do #8 o assento sete vagou e sentindo muito lá se foram. O sete foi buscar o oito que só não pegou o nove porque do além tinha medo.
O nove, vocês sabem, morreu, noves fora.

26.1.08

carta desgnomificada

Há com tecer tudo o que acontecer com versões para as conversões comparadas com paradas da vida, esta dádiva cheia de dúvidas e pretextos pretos pra ninguém dormir porque têm medo temendo o escuro. Procuro e curo as mazelas de mim mesmo, mês momentâneo de minha mente tentando ser breve, brava e palavra.
Queria ter rios e critérios, almofadas e calmas fadas, tomar banho e rápido deixar de ser estranho, descer um buraco tamanho e me perder no espaço onde sub-ir o que se foi é subir.
Percorro o que escorre e persigo a fuga de seus olhos. Onde está você agora que minhas saudades tanto a necessitam?

25.1.08

amorcego

Feito sonar detecta tudo que é tátil de se pegar, tocar, apalpar, acariciar. Maior cego, refestela suas asas pelas brasas vermelhas de paixão: o que é uma coisa bela? Na escuridão latente, na lua cheia da gente, vampiriza-se e suga o sangue vermelho do pescoço sensual da moça que dorme tranqüila e sonha sonhos de amor na cama. Morcego:
- Não nego, carrego em mim a amálgama dor de ver verter sangue e ter prazer por cada gota que me sacia. O cálice sagrado. Meu segredo lhe agrada?
Agride. O sorriso matreiro da moça que revelava um sonho prestes a se converter em orgasmo vira um gemido, um ai, e agora o pesadelo é que ela é atracada contra a vontade. Saudade do instante imediatamente anterior. Alguma algema a ata à cama?
Morcego cabisbaixo. Morcego de cabeça pra baixo. Dependurado no teto, fino-trato, parece que traja um fraque suíço. Saboreia o sangue que escorre pelo canto da boca, saliva enquanto contempla a bela moça dormindo semi-transparente. Obra cumprida, só a marca dos dentes em seu pescoço. Vampiro:
- Firo a essência da vida porque persigo a alma. O sangue, organismo, não passa de adorno à minha missão. Uma hora eu consigo provar a todos, provando sangue visceral, vermelho, fogo, onde está o prazer.
Vermelho. O horizonte, vermelhando, anuncia o nascer de novo dia. Hora de ir embora, abrir as asas, dar adeus ao nada-testemunha. Amor cego é morcego: mama e voa.

24.1.08

armadilha de natal

Pessoas são comerciais de tevê tomando coca-cola e rindo alto de piadinhas insossas e amanhecidas. Lúgubres como um serviço hipócrita. Sensuais como a moça da propaganda de cerveja. Tão sinceras quanto a Constituição.
Na escada de espelhos as pessoas se entreolham quando vêem a si mesmas. Num misto de tímidos e estupefação. Pessoas escorrem labirínticas, como se descer fosse um exercício de engolir, como se ir-embora implicasse um trago profundo laringe abaixo, como se fosse preciso des-ser para sub-ir aonde sequer se haja.
Pessoas? São comerciais de tevê que nesta época do ano só falam no velho gordo de barbas brancas e saco vermelho de dor e cólera. Tomando coca-cola.

23.1.08

ana

Mas quem diabos seria Ana?
- Ana não existe – tranqüilizou-me o gnomo dois.
- Ana é um palíndromo bem pequenininho – acrescentou o gnomo três.
Então eu tive a certeza de que todos eram loucos e ficavam inventando pessoas.

22.1.08

resumo pra quem não entendeu - ou parabéns para quem corre da carranca do carimbo, caramba!

Dormi hora e meia. No meu sonho tinha um revólver verde e quase enferrujado com o qual eu matava todas as pessoas chatas. Matei-me.

***

Um dos gnomos acordou bravo e chutou o microfone do repórter de tevê que tentava entrevistá-lo já há três dias e fazia plantão em frente ao manicômio.
Era dou-me-em-gol mas para ele todos os dias eram segundas-fúrias. O repórter insistia que eram terças-férias ou, no mínimo, quartas-frias.
- Quinta-fora! Hoje é quinta-fora!
Eu ficava no meu canto, torcendo pra que todos os dias inclusive hoje fossem mesmo é sextas-folgas. Mas era sabido.
Todo ano era coelhinho-da-páscoa-que-trazes-pra-mim. E a gnomidade louca corria se esconder os ovos para que os ovos se mostrassem espertos rápidos e encontrassem os gnomos primeiro. Aí cada ovo se escondia onde antes houvera gnomo e a criançada doida corria pra achar-comer ovo.
Eu enganei um bobo na casca do ovo.
Então.
Lembro-me do meu bambu do qual brotei em sua ponta esquerda. Lembro que ele era mamãe e me contava historinhas pra boi e gnomo dormir cor-de-abóbora. O boi ficava cor-de-burro-quando-foge mas eu sempre de-abóbora. Diabo borá.
Não acredito em aniversários.

***

Sabe por que chato matei-me? Porque Ana dá o cu. Porque o ânus é seu. Porque licor de anis é bebida de gnomo. Porque anus voam feito urubus. Porque os anais da história não guardam memória. Porque animais!
Porque aniversário.

21.1.08

conto, mas não conto

Após ascender, assentei-me e acendi o cadafalso. Vendo-o em chamas, ainda lembrava-me do cadafalco acentuado, pra onde fui depois do acidente incidental. Assertei rapidamente que era hora de acertar-me. Afeado estava quando afiei com afinco minha ansiedade curiosa. Na verdade não era afim daquilo. A fim de quê busquei este fim?
E, em um instante, um súbito alvoroço alvorotou por mim, já augusto, naquele local angusto, inóspito. Vi uma anunciação enunciada.
Embora em vida não tivesse sido imoral, encontrava-me totalmente amoral naquela situação singular. Reconheci a área e conhecia a ária. Arriei os pálidos sentimentos. Livre estava dos arreios.
Foi quando então, percebi a origem da cantiga. O bocal da flauta bucal incessava, por detrás do verde buxo, com um bucho assoprando. Avistei todos os falecidos cabidos, que também tomavam parte naquele cenário estranho. Alguns trajavam finas roupas recém-retiradas dos cabides. E o cardíaco defunto cardeal apenas acompanhava, saindo da cela, montado na sua sela amarela.
A forte cerração prejudicava o tardio censo celestial, enquanto a serração sem senso continuava incessante sobre a carnificina da oficina vizinha. No longínquo chalé, ao mesmo tempo, estava o xá, já morto também, tomando chá serrado do dono do xale, que ostentava sabiamente, chistoso.
Existia, ao fundo, um belo campo xistoso, onde floresciam muitas cidras com sabor adocicado de sidra. No lago, ao lado, um gracioso corso. À margem, um corço embebedando-se de água, enquanto um sério sírio segurava círios, misteriosamente.
Dentro da chácara, uma sessão seccional cedia bonitas xácaras concertadas, sem mínimos consertos. As moças jovens cosiam coisas na cozinha, cúpidas da conjuntura cupida, o que acredito ser apenas uma conjetura.
Diferi o olhar, deferindo a pedidos, agradando aos desgraçados degredados degradados. Todavia, com muita discrição, me aventurei a continuar a descrição, descriminando, indiscriminadamente, todos os envolvidos.
E meu julgamento? Não sei, creio que fui dispensado. E, pasme, já me encontrava na despensa do local, onde entrei despercebido, e totalmente desapercebido.
Dissequei o local, dessecando as lágrimas tristes que ainda emergiam de meus olhos imergentes. Iminentemente me deparei com o eminente-mor, continuando, mesmo assim, a considerá-lo imérito. Ele imitiu-me oficialmente, emitindo edito próprio. Aproveitei para espiá-lo, expiando-me em seguida.
Minha estadia estava por deveras longa, informava a estádia. Esperto era, ora, mas não experto o suficiente. Permaneci estático, extático, na estância instada. As estratos alertavam-me como se fossem extratos de doces perfumes azuis. Estripei, extirpando-me.
Estava completamente fasto. Apesar dos pesares, sentia-me fausto em meio a tanta aridez férvida, fervida. As fragâncias por mim captadas flagravam as flores floridas e flóridas próximas dali. Aquele aroma fútil e fúsil fuzilava os fusíveis de meu coração, libertando das guaridas as mais dolorosas lembranças.
Das guaritas saíam os incertos guardas insertos, incipiando atitudes insipientes. Incontinenti, correram incontinentes e indefensos, como verdadeiros indefessos infringindo as regras. Tudo bem, depois seriam corretamente infligidos por tal desobediência, já que não eram mais intemeratos, mas sim somente intimoratos.
Continuei por ali, vagando vagabundo, por toda a eternidade. Este foi meu destino sem tino, vadiar pelo paraíso obscuro, desprovido da beleza inexata do Éden. Talvez fosse melhor não ter morrido, continuar um inválido valido nas mãos do velho mundo terreno.

20.1.08

é

O gnomo de número sete sentou-se e pensou um bocado antes de meter a boca no de número três trêmulo que trouxe um doce de chocolate para o de número um que fez hum-hum e voou lá perto do de número cinco que botou fivela no cinco e fugiu.
Os outros eram pares menos o de número nove que se enforcou de inveja.

19.1.08

o que passou, passou

O descapítulo anterior foi a primeira participação dela por aqui, quase sem querer. Haverá outras.
A seguir, cenas do próximo capítulo.

18.1.08

(____________)

Era minha foto favorita. Enquanto batiam as saudades do churrasco do meu sogro, ele assado se batendo as saudades.
- Estou aqui para deixar um comentário. Te prometi um cretino, mas não sei se vou conseguir.
E você veio, e tudo ficou perfeito. Enquanto eu achei um professor de Photoshop e logo logo me perdi do Photoshop porque havia nele o professor.
Adoro os cachos e as massas e a comunidade feminina aprova. Tá parecendo aquelas fotos de espírito. Vade retro!
- Só passei aqui para deixar um beijo nessas suas bolas psicodélicas.
Aulas de Photoshop, já eram ainda que se foram sido tivessem. Ficou legal mesmo. È só você fazer essas coisas legais que já aparece fã-clube. Eu sou a presidente, vitalícia. Cuidado, tenha medo do DNA. Te amo mais que as outras fãs.
Lindo o que você tirou.
- Passei por aqui para registrar a minha saudade. Feliz Ano Novo e Bom Natal, que tudo se realize no Carnaval.
Consegui comentar desta vez, no meio da aula de biologia. Não era Photoshop?
- Olha só quem apareceu por aqui! Mudei de nome, mas estou ouvindo um CD certo, uma adorável surpresa pontiaguda...
Tô tomando sundae. O que isso te lembra?
- Consegui comentar aqui.

17.1.08

teste2

Eram felizes idéias dos deveres compridos de verem cumpridos. Traziam-lhes aparados os discos e tvs e mentes belos. Os gnomos mais famosos dos mundos, agora e nas horas de nossas mortes amém, inventores de telefones e tele-senas públicos param anões. Os gnomos mais folgados dos mundos delgados dos gados, agora e nas horas de nossas mortes amém, inventores de controles remotos e motos controladoras de pensamentos e mentos sabores vários. Os gnomos mais gordos dos gor mundos, agora e nas horas de nossas mortes amém, uns gomos de mexericas mexericadas.
Eram felizes idéias e seus nomens homes eram “Eram felizes idéias”.
(Achamos mas não encontramos que as idéias não se vingaram das mortes que se experimentaram!)

16.1.08

teste

Era feliz a idéia do dever comprido de ver cumprido. Trazia-lhe aparatos indiscutivelmente belos. O gnomo mais famoso do mundo, agora inventor de telefones públicos para anões. O gnomo mais folgado do mundo, agora inventor de controles remotos de pensamento. O gnomo mais gordo do mundo, agora um gomo de mexerica.
Era feliz a idéia e seu nome era “Era feliz a idéia”.
(Acho que a idéia não vingou!)

15.1.08

o homem que dobrou o carro pela metade

Não achava lugar pra estacionar mas queria descer, precisava descer, descer, descer, afinal a festa era do lado de fora do carro.
Dobrou o carro e guardou no bolso.

14.1.08

o sonho do homem que dobrou o carro pela metade

Experimentar, e se matou também. No sonho as pessoas eram tristes mas no meio do mato havia um homem havia um cachorro havia um fora, nove foras, todos todos todos. Experimentar, e se matou também. No sonho na sanha no absurdo todos surdos. Experimentar, e se matou também. Também matou se e, experimentar.
Uma noite sonhei que tinha sonhado um sonho, no sonho as pessoas eram tristes eram trastes mas no meio do mato mato um homem. Também matou se e, experimentar.
Mentar.

13.1.08

chapeuzinho verde

Era uma vez, e só era porque nunca mais há de ser de novo, como aqueles sonhos bons que não voltam jamais, uma menininha muito bonitinha ainda adolescente mas muito linda. Ela tinha por volta de alguns poucos anos de vivência na primavera da vida e andava contente saltitante pelas estradas afora dos bosques mais inventados da literatura e sua vida se resumia nesse retrato como se as fadas existissem mesmo e os contos não passassem de histórias verídicas.
Era uma vez um belo dia, porque em todas as histórias da carochinha o dia tem que começar belo virar feio e por fim ter um desfecho belo que é para não assustar as criancinhas inocentes que vão ouvir as histórias da carochinha que foram criadas lá no tempo do arco da velha que ninguém se lembra mais. O nome da menininha muito bonitinha era Maria Lúcia mas todos a chamavam de Chapeuzinho Verde porque ela era palmeirense como seu falecido pai e adorava pensar que podia agradar ao defunto usando sempre a mesma vestimenta verde.
A mãe de Chapeuzinho Verde ficava sempre brava com ela por usar aquele chapeuzinho verde ridículo e dizia que qualquer dia uma vaca ainda iria confundir o gorro com capim e ela voltaria sem gorro para casa, quiçá mesmo sem cabeça se não tomasse cuidado. Na verdade a mãe de Chapeuzinho Verde só queria dissuadi-la da idéia de homenagear o falecido pai porque no fundo ela não acreditava que uma vaca inocente pudesse ter a perspicácia de atacar uma criancinha ainda adolescente mas muito linda. Na verdade a mãe de Chapeuzinho Verde não queria mesmo é se lembrar do defunto porque ela, ao contrário de todas as viúvas da literatura infantil, não era dessas viúvas resignadas que guardam luto para a vida inteira. Na verdade a mãe de Chapeuzinho Verde já tinha ardentes relacionamentos extraconjugais, primeiro com o leiteiro e outros eiros, depois com pessoas interessantes que ela conhecia pela Internet, tudo isso antes do falecido vir a falecer. Depois então ela descambou de vez e assumiu toda a sua veia adúltera incontrolável, agora que era viúva e via de regra não devia nada a ninguém. Por isso a mãe de Chapeuzinho Verde ficava sempre brava com ela por usar aquele chapeuzinho verde ridículo. A história da vaca era só pretexto bobo para enganar criancinha ainda adolescente mas muito linda.
A mãe de Chapeuzinho Verde mandou Chapeuzinho Verde ir visitar a vovó que morava numa cidade muito velha onde ainda não tinha Internet. Era para ela levar umas comidas novas e importadas para a vovó se deliciar porque a vovó adorava guloseimas, parecia criancinha ainda adolescente mas muito linda. A mãe de Chapeuzinho Verde na verdade inventou que a Chapeuzinho Verde precisava passar uns tempos com a vovó, que precisava levar comidas novas para vovó velha, que precisava ver vovó, fazer vovó sorrir, porque na verdade a mãe de Chapeuzinho Verde já estava enjoada um pouco da filha e só queria distância da filha mesmo que a filha fosse uma menininha ainda adolescente mas muito linda.
Chapeuzinho Verde entendeu direitinho as intenções de sua mãe mas como ela ainda não sabia que podia discutir das idéias de sua mãe ela decidiu que era melhor ir. Ela também estava interessada em ir ver a vovó porque ela nem se lembrava direito da vovó, pois ela só tinha visto a vovó pela última vez em mil novecentos e noventa e pouco e ainda era século passado. Como será que está vovó? Será que ainda não morreu? Será que sente dores, reumatismo, osteoporose, caduquice e outras coisas de velho? Vovó devia estar uma quinquilharia...
Chapeuzinho Verde estava afoita pois queria porque queria ir logo ver vovó. Mesmo porque um dia lhe falaram que a casa que vovó morava era numa cidade muito diferente da cidade que eles moravam e ela já estava mesmo de saco cheio e queria conhecer novos ares. Um dia ela ficou sabendo pelo computador que as cidades que ainda não tinham Internet eram pacatas mas ela achava que isso não era verdade pois um outro dia ela tinha lido que os mais velhos são sábios porque já viveram bastante e entendem melhor as coisas da vida, então ela concluiu que a vovó não ia morar num lugar chato porque afinal ela era muito velha e devia entender muito das coisas da vida.
No dia da partida, Chapeuzinho Verde começou a arrumar todos os preparativos para a viagem. Queria saber se ia de avião, mas a sua mãe disse que não porque o avião podia cair na cabeça de alguém e ia machucar, e também tinha que a casa da vovó ficava numa cidade velha que nem tinha aeroporto mas não era tão longe assim, dava para ir de cavalo, mas cavalos estavam raros numa cidade como a de Chapeuzinho Verde e ela ia demorar três dias para achar um cavalo e mais três para a viagem, então Chapeuzinho Verde decidiu ir de carro e arrumou um motorista. O motorista do carro era um dos amantes preferidos da mãe de Chapeuzinho Verde que ficou toda emocionada e triste por vê-lo partir com seus bigodes charmosos, e no fundo também tinha um pouco de medo que ocorresse algum acidente no trânsito perigoso de hoje em dia e matasse o seu amante.
No dia da partida, Chapeuzinho Verde começou a arrumar todos os preparativos para a viagem. Deu um beijo no rosto do motorista e pediu para que ele rezasse para São Cristóvão antes da viagem, porque um dia ela ficou sabendo que São Cristóvão protege os motoristas que viajam. Pegou um par de meias novas e molhou pela última vez as suas plantinhas de estimação, que eram todas mudas e não reclamariam por água, e morreriam em seguida porque a mãe de Chapeuzinho Verde não gostava de plantas que não falavam, mas Chapeuzinho Verde gostava de falar com plantas. Chapeuzinho Verde pegou algumas comidas novas importadas para a vovó e pôs na mala no meio das roupas para que o calor derretesse os doces e fizesse a maior meleca em tudo e assim inutilizasse ao mesmo tempo as roupas e a comida.
O motorista vestia um terno azul escuro com uma gravata toda colorida e ficava parecendo um daqueles motoristas de filmes de Hollywood. Um dia Chapeuzinho Verde leu na Internet que era tudo mentira os filmes de Hollywood e que os personagens eram apenas interpretados por pessoas que eram chamadas de atores e era tudo falso, ensaiado, não tinha nada de verdade. E quando ela ficou sabendo que as pessoas recebiam dinheiro para fazer personagens achou tudo uma prostituição horrível de valores. Mas o motorista era mesmo bonito e a Chapeuzinho Verde que era uma menininha ainda adolescente mas muito linda não era boba e já entendia das coisas e pensava que sua mãe não era boba não e sabia muito bem escolher com quem amar.
O motorista parecia um daqueles galãs de cinema. Não parecia mais o motorista, parecia galã de cinema, e Chapeuzinho Verde viu que era melhor parar de pensar naquelas coisas porque senão ela ia acabar se apaixonando pelo motorista e o motorista era motorista de sua mãe e não ia ficar legal se ela roubasse o motorista de sua mãe mesmo que sua mãe fosse chata com ela às vezes. Então ela não olhava muito para o motorista durante toda a viagem e o bosque que ficava dos dois lados da estrada era sua distração, onde ela via coelhos saltitantes e via que a natureza ainda sobrevivia, às escondidas, no novo século.
O carro era meio velho mas era bonito porque era vermelho e Chapeuzinho Verde gostava muito de vermelho, cor do sangue de quem come carne e beterraba, cor do amor, se é que amor e paixão têm lá suas cores, que devem ser multicores, que devem ser cores de muitas cores, que devem ser a soma e a subtração de todas as cores. Tinha um som dentro do carro que tocava uma música do Beethoven que ela já tinha ouvido há algum tempo atrás, e a música era bonita porque trazia lembranças para ela porque todas as músicas trazem lembranças do que se passou, sejam alegres ou tristes.
O carro era meio velho mas era bonito porque tinha quatro rodas grandes, imponentes, botando medo em todos os outros carros que ficavam andando na estrada como que intrusos do caminho de Chapeuzinho Verde. A buzina do carro, ela não sabia o porquê, fazia Chapeuzinho Verde se lembrar de um quadro do Van Gogh que ela tinha visto na casa da vovó em mil novecentos e noventa e pouco e já fazia muito tempo para ela que era nova mas ela conseguia se lembrar do quadro. E ela foi olhando para a buzina e vendo a mão bonita do motorista enquanto ouvia Beethoven e pensava na injustiça do mundo em deixar um músico surdo amargurado e um pintor decepar a própria orelha ao invés de vender para o músico que precisa muito mais ouvir.
Quando ela chegou à cidade da casa da vovó ela viu que a cidade estava mesmo pequenininha, parecia que tinha parado com o tempo e um faroleiro que contava vantagem disse que a única coisa que crescia na cidade era o cemitério que também estava muito velho. Chapeuzinho Verde ficou com medo de que sua vovó estivesse debaixo de sete palmos de terra no cemitério velho. O carro era um carro velho no meio de uma cidade velha atrás de uma velha velha que podia estar debaixo de uma terra velha de um cemitério velho, mas ela não se importava em ser a única coisa nova, uma menininha ainda adolescente mas muito linda, no meio de tanta quinquilharia velha. E o motorista era bonito, garboso, galã.
Quando ela chegou à cidade ela se decepcionou e viu que o que ela tinha lido no computador devia ser mais verdade do que o que ela pensava a respeito dos velhos. A cidade era mesmo pacata e os velhos não deviam entender nada da vida porque sua vovó era bem velhinha e morava numa cidade velha e pacata. Então ela queria mesmo era saber quem era o dono da cidade para dar uma sova na cara dele pedindo explicações para toda a tristeza do lugar, afinal o dono da cidade tinha que arcar com suas responsabilidades e saber também onde era a casa da vovó de Chapeuzinho Verde, e Chapeuzinho Verde já estava começando a se preocupar com o estado de sua mala, que devia estar fedendo meleca de doces derretidos.
Foi quando o motorista se lembrou que sabia onde a vovó morava, e foi fácil de achar porque a cidade tinha poucas ruas, umas duas ou três só, e em frente de toda casa tinha uma plaquinha com o nome de quem morava em vez de um simples número como na cidade normal. E na frente da casa da vovó de Chapeuzinho Verde estava escrito que lá morava a vovó de Chapeuzinho Verde, como se a vovó de Chapeuzinho Verde não tivesse nome nenhum e sua existência só se desse por ser a vovó de Chapeuzinho Verde. Chapeuzinho Verde pensou que isso fosse mimo de vovó e entrou correndo abrindo portão e porta e deixando cair mala e comidas novas importadas derretidas pelo calor e melecadas no meio das roupas.
Foi quando dentro da casa tinha um lobo mau parecido com aqueles das histórias da carochinha mas ele estava armado com uma pistola automática e tinha acabado de matar a vovó para vender os órgãos velhos da vovó para algum traficante de órgãos. Chapeuzinho Verde foi ficando com o rosto verde e verde e verde de raiva e medo e gritou bem alto estourando os vidros e os tímpanos do lobo e do motorista. Então o lobo mau se matou com um tiro no coração porque ele era pior do que o Beethoven e não suportaria a idéia de viver surdo. Então o motorista entrou lá dentro e surdo também decidiu se matar. Então a Chapeuzinho Verde percebeu que não saberia voltar sozinha para casa e achou legal aquele monte de gente morta e decidiu morrer também, só um pouquinho, para ver se era bom, pelo menos para experimentar, e se matou também.

12.1.08

contos da carochinha

Lembro-me do meu bambu do qual brotei em sua ponta esquerda. Lembro que ele era mamãe e me contava historinhas pra boi e gnomo dormir cor-de-abóbora. O boi ficava cor-de-burro-quando-foge mas eu sempre de-abóbora. Diabo borá.
Asseguir amostra à mostra.

11.1.08

des-sendo

De pronto, quebro a ponte e destruo tudo mais o que traduzia, em trêmulos trâmites, a minha vida de vidro. Começo pelo bilhete em cujo ínterim há a dobra do mundo, passo pela máquina de lavar pensamentos e desconstruo a fábrica pragmática de sentimentos – todos imperceptivelmente repetitivos.
Dois ais, um ui, meio senão e nem meio contudo, meu tudo já não tem mais chão e o recheio absurdo do nada é meu éter e meu gueto. Arrisco assoviar uma melodia mas os pardais que atravancam os postes de minha imaginação não ma permitem: egoístas – ou melhor, corporativistas – não admitem concorrência.
Assuo a narina direita e o que escorre de mim é uma meleca verde infinita. Desespero-me porque não pára, não pára, não pára e para mim aquilo ainda terminará extinguindo-me.
De vidro, a minha vida em trâmites trêmulos se traduz em mais tudo o que destruo: a ponte quebrada de pronto.

10.1.08

a mãe às vezes morreu

Ah mãe ahn!?
Tudo tem ligação entre si. A realidade em cima da cama, o sonho debaixo do travesseiro, a dor nas costas. Tudo tem ligação entre si.
O dicionário guardando verbetes que ainda hão de ser usados pra depois jogados fora no mundo. Impressão confirmada, agendar gráfica. Sugestão não-acatada b.
Meias são de areia, mesmo que inteiras. Ou o par. Sempre estivemos com eles. Mesmo quando eles teimam em fugir.
Palavras têm gosto e cheiro, não tenho culpa se você nunca experimentou. Têm som, cor, forma também.
Que título? De nobreza? Do Visconde de Sabugosa?
Fumar nem sempre é necessário. A fumaça pode atrapalhar tudo, pode cancelar a visão, pode encher o saco. Crateras formam caretas e vice-versa. Drummond são borboletas, não deu nada não, prefiro rosas vermelhas, paixão.
Mesmo que as palavras morem num parque de diversões, não sei se seria bom controlar o sentir – aí o sentir não seria sentir, seria pensar. E eu nunca sei o que pensar. Eu juro que é atirar pela janela.
Estou cheio da lua cheia de mim cheio da lua cheia de mim cheio da lua cheia de mim... Todos os textos são pravocê, se os leu. Se não leu, o...

9.1.08

gnomos no divã vadio da vida no vídeo cheio de dúvidas sem dádivas

:: primeiro :: “não, não fique com receio do que eu possa pensar sendo seus comentários, prometo não ficar chateado, não sou tão mal assim, gosto de ameixa com amor e não perco a deixa pra ser brega; não, não fique com receio; não, não fique não; não”

:: segundo :: “preciso apenas de elogios verdadeiros, sinceridade é fundamental, não hesite em xingar o lixo ou botar o lixo pra fora: o latão amarelo que está no hall é serventia da casa”

:: terceiro :: “procure na internet; você vai gostar e viajar bastante”

:: quarto :: “a desvida e outras palavras poderiam estar contidas em orwell 1984, mas não estão não – desconfio que ele era meio preguiçoso”

:: quinto :: “os sacis verdes brotaram de minha cartola onde os coelhos morreram”

:: sexto :: “da necessidade das viagens; da necessidade das morais das histórias serem extirpadas das histórias; do fim do divã”

:: sétimo :: “por que um revólver verde se pra ver de verdade é só revolver a vida?”

:: oitavo :: “não quero pedir desculpas; não vale uma vida eterna”

:: nono :: “comprei duas cabeças pelo preço de uma, tava em promoção, não resisti”

:: décimo :: “ainda não nasci”

8.1.08

excerto d’alma

O eu-lírico se esconde atrás da porta
e fica rogando praga pras visitas.

7.1.08

luneta

Sentado em um sorriso indefeso, ponho-me a observar as pessoas que não sabem voar. Elas são tapadas e não me vêem aqui do alto, enquanto eu procuro minha escova de dentes para continuar defendendo meu sorriso.

6.1.08

capítulo do poema 33 ou cenário sonoro sessenta e sete e cinco sextos sobre a sina de ser só – a teoria do teor do tear do texto

Brinco de nuvem e o sinto de antes:
- Abrocadabro e tropeço no teu cadarço
peço
cada ar sou eu amarrado num poste
num poço
não posso
e posto pronto prum ditador deposto!
Branco de novo e o salto dos anos:
- Que importa a perda da pedra
aperta
se só me restam portas abertas
pétalas
tétricas
e nenhuma janela pra eu poder pedir
Perdão.

Quem sabe sobe agora. Traio e subtraio
outras paixões que acho nos sobre
nus entremeios:
Tantas tramas tântricas.
Abstransas. Transmuito matos que transmito
mitos transas de tuas tranças em mim. Danças.
- Não nega que chega, minha nêga!
Na parlenga da pendenga: cá, fé cega.

Prometo metas, minto, mato; mental moita heavy-metal
Menta mente que estou!

Simplesmente enquanto isso...
Uma manada atômica irrompe
feito muamba crônica
no fim da página.

5.1.08

idéia fixa

O gnomo n.º 9 queria porque queria um filho. Uma falha na folha, tudo o que conseguira.
Os outros oito riram.

4.1.08

a fatídica crônica de um dia sem nuvens

1. Solitários Apontamentos
Da solidão das coisas inertes neste quarto escuro como noites sem estrela nem lua, restou apenas uma fotografia sua, amarelada já, num cantinho da memória, e o seu cheiro ainda impregnado em meus poros, minha pele.
Quando bate a saudade e eu aqui sempre sozinho, o que faço é desfolhar pela enésima vez o gasto Neruda que gosto, que carrego, não nego, desde que fomos um em nossa ambivalência ambígua de sermos ambos.

2. (...)
Reticências esparsas são a única coisa que colorem o seu céu, tão desanuviado quanto esquálido. Um quê macilento que pousa no ar, feito pássaro sem asas, feito cão sem dono ou outra bobagem qualquer. Preciso mesmo aprender um pouco de francês.
No meio do caminho tinha uma pedra, mas eu chutei a pedra. Na verdade eu chutei o caminho e agarrei a pedra com unhas, dentes e um pouco de língua. Depois sai por aí festejando o enterro de alguém como se morrer fosse a única graça da vida.
Fumei um charuto cubano imaginário e as fumaças bem que tentavam, mas também não conseguiam virar nada parecido com nuvens nem nada. Peguei a pedra que agarrei com unhas, dentes e um pouco de língua, e joguei pela janela batendo na cara do vizinho careca e careta que ri dos mortais. Ele me mostrou a boca banguela, e vi que também não tinha língua nem garganta nem esôfago (acho que não tinha nada: nem estômago, mas não deu pra não ver!).
Eram quatro da manhã quando percebi que o sonho havia terminado e então pude começar a dormir. Olhei para as estrelas do sem-teto do meu quarto e cuspi pra cima do sorriso falso de cada uma delas, só pra desafiar a lei da gravidade e outras coisinhas mais. Cuspi pra cima e caiu na minha cara. A lei da gravidade é inexorável.
O telefone tocou e era um coração palpitando do outro lado. Pronto, jamais conseguirei dormir no buraco do meu sono estranho e um pouco sentimental. Que tal ligarmos o som para curtirmos dançando na chuva este restinho de madrugada inerte?
Penso que às vezes sobra poesia e falta coisa séria. Mas aí é que é bom, e o mundo tenta ficar cada vez mais belo, ainda que depressivo. E é tão démodé escrever versos para compreender e complicar ainda mais o universo molhado que nos circunda. Penso em Deus e sua imensidão difícil de caber. Penso no amor e sua mania intrínseca de ser incabível. Penso na saudade e no já era. Já era.
Fumei outro charuto imaginário, mas agora era do Paraguai mesmo e tinha um gosto horrível além do cheiro que não apeteceu aos meus companheiros de jornada, todos mortos. Perguntei para Beethoven se ele tinha raiva do Van Gogh:
- Hein!? Hein!? Sou surdo e não ouço nada.
Claro que eu só queria que ele xingasse o Van Gogh de egoísta por decepar as orelhas enquanto todos sofrem de surdez. Mas tudo bem, tudo bem, eu rabisco o sol que a chuva apagou e ninguém percebe a intertextualidade embutida. Coisas do coração.
O telefone tocou de novo mas não atendi porque a linha já estava ocupada por mim mesmo. Aí chegou o trem em Bauru e me atropelou na linha, vermelha. Sangue.
O telefone tocou de novo mas às vezes eu faço que odeio telefone e às vezes adoro. Acho que depende de quem liga. Tudo não depende do ponto de vista, sim da maneira de pensar. O agora já era, já era. Já era.
Eram cinco da manhã quando percebi que era melhor não dormir mesmo. Assim poupava o esforço de me acordar no dia seguinte e não ia ficar brigando com o maldito despertador.
Fumei outro charuto imaginário, sem nacionalidade nenhuma, porque meu estoque de charutos imaginários já tinha se acabado. Então não fumei, ou fumei somente porque era imaginário. Deixei minhas unhas crescerem em pensamento e, com elas, pude furar todas as embalagens de algodão-doce existentes na minha memória de criança.
De repente do riso fez-se o pranto silencioso e branco como a bruma e das bocas unidas fez-se a espuma e das mãos espalmadas fez-se o espanto. Senti brotar na minha lapela um botão de rosa e comecei a pensar em me mudar para Hollywood onde posso ver as estrelas de cinema brilhando no seu céu.
De repente da calma fez-se o vento que dos olhos desfez a última chama e da paixão fez-se o pressentimento e do momento imóvel fez-se o drama. E então fui para Hollywood porque se os charutos imaginários há muito se extinguiram restam-me somente os maços vermelhos de Hollywood.
De repente, não mais que de repente fez-se de triste o que se fez amante e de sozinho o que se fez contente. Eu sentei-me na borda externa das asas do avião e chorei. Talvez já era hora de voltar ao Brasil.
Fez-se do amigo próximo o distante fez-se da vida uma aventura errante de repente, não mais que de repente.
Eu só quero minhas nuvens de volta.

3.1.08

porque solidão não é estar só

Os sinais, todos verdes. Só eu um pouco vermelho, nada de amarelo, vermelho-vivo, sangue no cérebro, raiva da vida, de tudo, de todos. E uma pontinha de vergonha também. Está doente, você me pergunta mas eu nego balançando a cabeça.
No quarto escuro, eu e você. A sós, nós quatro podemos sonhar com todas as delícias proibidas por Deus e o mundo e pelos nossos avós também. Sabe o que eu queria, você pergunta com uma carinha doce de dar dó, o quê? E a resposta não vem, nunca vem, nunca sei o que você quer nem consigo entender como é que você sonha, sua, sabe. Sempre assim.
Falo que gosto um pouco de Walt Whitman, você me pergunta quem é ele, se é o mesmo que criou os ratinhos Mickey, Minnie e companhia, eu desisto de explicar. Tudo bem, admito, já transei com mulheres mais burras, havia uma que nem sabia que a Terra era redonda e outra jurava que a Monalisa era uma fotografia daquele brasileiro famoso, como é mesmo o nome, Sebastião Salgado.
Isso não vem ao caso, nunca vem. O prazer é cada vez mais individual, não faz diferença que você seja essa morena linda, lábios carnudos, seios perfeitos, e esteja no segundo ano de Direito. O importante é o parecer, a imagem que cada qual temos, seja ela igual ou diferente à realidade que, em última instância, nem existe mesmo.
Eu ligo a TV, está passando um filme velho na Globo, já vi umas três vezes. Você, nua ao meu lado, corpo cheirando aquele não-sei-quê indizível, parece não gostar muito do quarto azulado, parcialmente iluminado pelos plim-plins. Quer um café, você me pergunta, vou lá fazer. Não, e eu percebo que hoje você só faz perguntas, fico irritado com isso, caramba. Profundamente irritado. Você me abraça, e seu abraço é diferente, é gostoso.
O filme acaba, confira agora nossa próxima atração: Grande Prêmio da Malásia. Fórmula-1 na madrugada, penso eu, e rio por dentro só por saber que a lua está cheia de pretextos para eu adiar qualquer momento nosso. Você pensa, pensa, faz que não gosta nada, encana que eu já não sou mais o mesmo e estou enjoado de você, mas engole seco qualquer comentário, esconde a decepção, não quer me magoar nem deixar transparecer nada de mais, de menos ou de igual.
Eu e você, juntinhos nós quatro, cinco, oito, aproveitamos os trinta segundos dos comerciais pra beijos. Beijos quentes e molhados, do jeito que só eu sei e só você sabe que eu sei porque acho que os inventei para você. Você nua. Eu nu. Nós quatro, sete, nove, todos descobertos, sem nada, só pele e tato e paladar e olfato e audição. Visão não minha querida, porque você nunca gosta de luz acesa e isso também me irrita um pouco. Um pouco? Me irrita profundamente. Mas hoje percebo ao menos sua silhueta iluminada pelo azul da TV. Trinta segundos, já são menos, vinte e dois, vinte e um, minhas mãos vão passando pelas minúcias de seu corpo. Queria ser poeta, eu digo, e aí cada verso de minha boca seria como uma pena passeando por você e lhe dando prazer. Que bonito, você diz e me beija. Quinze segundos. Treze, doze. Dez.
Percebo o que você está pensando. Devia ser proibido por decreto Fórmula-1 na madrugada, ninguém merece, os homens não deveriam gostar de ver esporte na TV, qual a graça desses carrinhos correndo sem parar, o resultado é sempre igual e blá-blá-blá. Mas quando nossa excitação chegar ao máximo e você me der sinal-verde, meu bem, ah! faltará apenas um segundo para as luzes vermelhas se apagarem. Na telinha, o sinal-verde significa que você vai ter de esperar duas horas, em total estado de resignação.
Eu fico sonhando que sou Michael Schumacher

2.1.08

agora deu

O gnomo III, enfim, conseguiu.
- Shhhh...


Marcar hora com ele não foi possível. Vive à moda antiga – não tem assessor de imprensa nem secretária, dispensa telefonia fixa ou celular, não freqüenta lugares públicos... Enfim, é um misantropo completo.
Encontrei-o pela primeira vez no meu quarto mesmo, numa dessas noites em que a sozinhez chega em trajes taciturnos com uma xícara de café sorumbático, ainda que fumegante. Nem me pediu para entrar e foi logo se achegando, sentando em minha cama, se apossando do meu travesseiro. Invasivo, não perguntou por quem eram minhas lágrimas, tão menos se prontificou a enxugá-las. Foi se aumentando, tomando conta do ambiente, deixando-o tão gritante quanto oco, indizível. Insuportável.
Difícil entrevistá-lo, pensei. Primeiro que é invisível, e como vou entrevê-lo para entrevistá-lo, se sequer o vejo? Segundo, e mais trágico ainda, que, cruel oxímoro prosopopaico, quanto maior, menos se escuta – e quando se dá a ouvir, já não existe mais. Como preencher seis mil caracteres assim?
Quando eu já estava praticamente desistindo de procurá-lo, encontrei-o novamente: no quase vácuo que me separa daquela estrela cuja ponta aponta para meu dedo, lá estava ele, olhando e sorrindo pra mim, e agora era tão nítido, tão claro, que dava vontade de pegá-lo e guardá-lo no bolso. Não resisti:
- Ei, como vai?
Quedê? Foi só eu fazer a pergunta, foram só os primeiros fonemas se articularem e saírem de minha boca, e ele já não havia, parece que nunca houve e tudo fora delírio de minha mente mentirosa que vive a me pregar peças... Voltei a mim, triste com a fonte perdida, angustiado com a missão que eu não conseguia nunca cumprir... Era como engolir um ângulo obtuso, era como se eu obturasse um dente ou arrancasse o siso, era como chuva de madrugada. Mas eu não como chuva de madrugada; se pudesse apenas me resignaria a bebê-la.
Ontem eu era jovem demais para perceber que no instante exato em que eu voltei a mim, triste com a fonte perdida, a fonte já não era mais perdida, jorrava novamente porque me voltando a mim, ele me vinha e me via e macia era sua voz vazia a me encher de nada. Estranho amigo esse...
Hoje, que já sou velho o suficiente para compreender que a sabedoria da vida não mora em lugar algum e que mais perto fica o sorriso de uma criança do que o pote de ouro no começo do arco-íris, consegui entendê-lo um pouco. Deixei-o falar por si só, já que tudo o que eu falasse o espantaria, tímido que só ele, avesso a gravadores e esquivo a repórteres inescrupulosos que nem eu.
Pensei um oi-como-vai-você. E deixei-o responder a seu modo, de medo e nada, de mudo e nó, de não e dó e nódoas. O lápis sobre a mesa continuou estático e eu entendi sua resposta. O lápis não poderia andar. O lápis não diz.
Eu fiquei atrevido, aproveitando pra apreciar meu entrevistado, que é fugidio e calado que só. Olhei em derredor como que perguntando como ele fazia para viver num mundo onde as pessoas barulham tanto, não param de diz-que-diz-ques.
Depois de alguns minutos percebi sua resposta na flor que levemente se abria. Suas pétalas se separavam, sem fórceps, sem bruta força alguma. E, aos poucos, a plantinha ora muda que sempre adornou minha mesa foi ganhando uma vida nova, ainda que muda vida, muito mais comunicação.
Insisti que não era possível continuar ele existindo se ainda há tanto tumulto por túmulo, guerras e mais guerras, bombas que não são de chocolate... Mas então eu me lembrei de como é bonito o sorriso de minha mulher quando vem me amar, é como o sol nascendo com aquelas cores indefiníveis dele furtando a beleza do mundo todo num trago profundo e saboroso. Corri pra janela, só que ainda era cedo demais para eu ver o espetáculo que meu entrevistado tanto queria me mostrar.
Existi que não era possível continuar ele insistindo se a vida anda confusa e a confusão impede a confissão sigilosa porque do lado de fora sempre há ecos de trânsito com buzinas, de gritos com torcida, de música com festa. Percebi que ele ficou triste, mas não se levantou do banco onde estava. Inerte, parecia o pensador de Rodin e cheguei mesmo a pensar que ele fosse uma escultura e estivesse há muito tempo na mesma posição contemplativa, ensimesmado.
Minha aflição se intensificava a medida que eu não obtinha resposta alguma. Nada mesmo. E pela minha cabeça um turbilhão de negações passeavam afoitas, eram gentes vermelhas no corre-corre mundano, eram telefones tocando, eram acidentes de carro, eram tevês ligadas em alto volume, eram famílias se esfacelando movidas a discussões inúteis e ridículas.
A agonia aumentando, ele continuando pensador de Rodin, eu rodando em pensamentos pessimistas. Foi quando me lembrei que, quando menino, brincava de fazer bolinhas de sabão. Uma dessas bolhas, a mais linda, veio à tona e foi ganhando a briga banal com meus pensamentos pessimistas. Era a maior de todas, e a luz do sol prismando nela se arco-irisava como nunca se vira. E ela foi subindo, ao vento, ao léu, livre e leve, quieta. Súbito descia, ao sabor do ar sacolejava, bem devagarinho. Que sutileza! Que vontade de ligar o gravador para captar seu som inexistente...
Entendi a resposta, mas minha entrevista não podia acabar, eu ainda tinha muita coisa pra perguntar, não queria que ele fosse embora. Pensei em pedir o endereço de Deus, pois sabia que ele era amigo de Deus. Mas eu só pensava numa oração bonita que, espontânea, me fazia saber que bastava eu me calar e Deus onisciente e bondoso entenderia minhas necessidades e me agraciaria com seus dons. A oração bonita não tem palavras. A oração bonita é provisão de Deus. A oração bonita é casa de Deus.
Dei um suspiro, controlei-me para não estragar tudo, tive um receio absurdo de espantá-lo. Olhei-me ao espelho e refleti: e o amor? Será que existia de verdade? Onde é que havia então?
Acho que meu entrevistado deve ter se deparado com a pergunta mais difícil de toda a sua vida. A pergunta que moveu homens e exércitos, construiu maravilhas e destruiu povos; a razão da poesia e da loucura, o artefato mágico que garante a preservação da espécie. E eu perdoei-o por não me dar resposta: esta já havia pronta dentro de meu coração, foi só me recordar de uma troca de olhares e um senão.
Foi assim que eu domei o silêncio, e ele falou para mim, e eu falei com ele. Foi assim que o silêncio se fez.