29.9.06

, e .

Vírgula no meio, ponto no final da frase. Era sempre assim. Às vezes, ela aparecia, sumia, tornava a aparecer. Noutras era só ele. Soberano. Repetitivo. Renitente. Ela era a mulher, alongava a conversa, fazia uma pausa sutil, quase sensual. Ele, o homem. Seco. Ríspido. Forte.

Quando se encontraram, por um acidente de gramática ou uma dobra da língua portuguesa, o ponto jogou a vírgula na cama, despiu-a e logo partiu para cima. Ela cedeu. Amaram-se, armaram-se; criou-se um novo problema na cabeça dos escritores: por que ponto e vírgula, meu Deus?

22.9.06

Cada

Cada verso
que vago
é um terço
que rezo
amém

Cada verso
que trago
é um vaso
que quebro
crec

Cada verso
que sonho
é um vício
que fumo
shhh

Cada verso
que sinto
é um você
que sou
fim.

7.9.06

Lâmina

Quando a polícia chegou, tudo que encontrou foi um gelado corpo de mulher sobre a cama. Seus cabelos louros sobre a tez delineavam os seios, fartos, lindos, quase extravagantes. Era possível ver um dos mamilos, descobertos, bicos rosados.

O investigador Hamílton tentou disfarçar o misto de satisfação e constrangimento. Mas, em meio à morbidez da cena, reconheceu a beleza efêmera de quem partiu. Vinte e poucos anos, porte de modelo e - literalmente - fodida, pensou alto.

Ao lado, no criado mudo, uma carteira aberta sem nenhum tostão. No chão, uma camisinha usada e dois copos, que rolaram até pertinho da parede, cheirando à uísque barato.

A satisfação e o constrangimento cederam espaço ao incômodo. Hamílton tinha impressão de que a falecida seguia cada um de seus passos, com seus olhos verdes abertos, assustadores, e um pouco, digamos, lânguidos.

Súbito, defenestrou-se. Sequer notou como a lâmina que cortara o pescoço da moça aparecia no espelho do teto:

A N I M Â L