28.12.05

Neandertal

Artur carregava a sacola amarela com propaganda de supermercado. Dentro, uma embalagem cinza com três camisinhas cheias de vácuo.

25.12.05

Máximas mínimas

Nem todo sacolejo é um sacrilégio, assim como nem todo relógio é lógico.

Ho Ho Ho

24.12.05

Dissabor de Natal

Está tudo pronto na casa de bonecas. A menina de cabelos negros, sentada com postura incorreta, diverte-se com as pecinhas de montar: panelas, mobília, pessoas... tudo ali obedece aos seus desejos, tudo ali é seu mundo, tudo ali é súdito de sua majestosa vontade maldita.

Na casa de bonecas o Natal é ensaiado. Tem que começar com a ceia (o peru de plástico é irresistível), passar pelos cânticos chatos (uma enjoada Noite Feliz é entoada) e acabar com o Papai Noel da meia noite trazendo presentes vazios para a criançada marionete.

A menina de cabelos negros é uma onipresença. Raquítica (para ficar na moda) e falsa-rica (para ostentar-se soberana), tem na agenda os planos metabólicos (porque não os assumiria diabólicos) para o ano que vem. Em pele de cordeiro, sempre.

Vai trazer muita tristeza. Mas a carinha de anjo não se cansa de jingle bells.

23.12.05

Os corações trocados

Amassei duas canetas
Quebrei o cadarço
Tropecei no papel
Desamarrei a pedra que tinha no meio do caminho, que eu poderia chutar, que eu poderia pular, que eu poderia cuspir em cima, que eu poderia
Ignorar.

19.12.05

______

Seidemenos
Sódemais
Sentimentos sortidos
Sortimentos
Saudades avessas.

18.12.05

Ambientações. Roucas. Necessárias.
Poucas.
Um tanto loucas, mas nada libertárias.

Do ponto de vista da dor

Um ai ou um ui podem ser muito mais que gemidos. Podem ser, por exemplo, o dilacerar do fio da nova faca gritando por sangue. Podem ser também:
* o escorregão amarelo de quem já está morrendo;
* o suspiro lancinante dos corações amassados;
* a decepção sem volta de quem antes era só confiança;
* a amargura latente dos vértices endiabrados da mente;
* etc.
O etc. é sempre a pior parte.

Ambientação #5 ::: As farpas moram dentro do ponto do ponto de interrogação

Yes.
Garatujas não entram no espaço aqui porque não interessam. Amanhã é fôlego e bem sei que o atrito impera quando o caos dorme.
Relâmpagos.
Gotas.
Estranho, pincéis neon.

15.12.05

Ambientação #4 ::: No arame, o equilibrista procura o ponto da ebulição momentânea

Caminhar pelas pedras do silêncio é como rasgar corpos. Escorre um filete de sangue, violento, vício, cio, lento. Depois é o cócix e o nada interpretando o vértice da dor. Estou condenado ao vazio, à solidão, aos solilóquios antes de dormir. À cama larga onde não encontro o que não sejam dois travesseiros.

Depois dizem que quem atira é bruto.

Fogos de artifício.

14.12.05

Ambientação #3 ::: Escorregador de araque

Das tripas o coração é mentira. Também não tem nada de vida generosa, bobagens em geral, maledicências banais. Vivia numa casa de bonecas onde o simples tilintar arrogante era truque. No caminho, as traças. Não as que devoram papel, mas as onívoras, terríveis. No caminho, as traças. E não sobrava coração batendo porque tudo ia para os estômagos famélicos delas. Doutroladodelá.

13.12.05

(*)

O absurdo é um ente que sussurra respostas prontas. Participa de leilões e arremata tudo pelo dobro mais um. Odeia reticências.

11.12.05

Ambientação #2 ::: É preciso sair de cena sem dar bandeira

Caibo num funil. Metálico. Um tanto enferrujado, mas não muito velho. Apenas mal-cuidado, um desaforo. Enveredo-me nele até sumir boca abaixo. Ninguém dará pela falta de mais um idiota de óculos, barba por fazer, cabeça estranha e sonhos de travesseiro. Ninguém dará pela falta: faz tempo que os corações não estão mais apaixonados.

9.12.05

Ambientação #1 ::: O triste sem abóboras, de cócoras

Os sonhos, em espiral, costuravam-se inversamente à preguiça disfórica que enunciava as catástrofes do século. Três a um, sempre.

Em maio, o meio-termo.

Em junho, o azul endiabrado vestindo-se.

Em dezembro nunca há mais nada. O que foi já passou.

8.12.05

Churrasco de Natal

Noto que no Natal, Neto duvida dos dedos de Deus digitando a vida e dedica a ele uma ode invertida pelo avesso das bolas das árvores da noite enfeitada:

“Papai Noel, em tempos de Ibama e essa ladainha de direitos humanos dos animais, aposentou compulsoriamente as renas. Agora andeja pelos telhados, uns quebrados e todos em mau estado. Entre tropeços, garimpa orifícios de onde a fumacinha anuncia chaminés.

Jamais espia. Corre contra o tempo porque seu sonho é terminar o trabalho logo, para um dia passar o Natal com a família.

Quase escorrega:

- Malditas telhas! – coça a barba branca, que já faz tempo não é postiça.

Entra.

De saco cheio, descobre na prática que no Brasil não há lareiras. Só braseiros onde a carne arde. Ai!”