21.6.06

Síntese

No percurso toda
pedra

é uma perda de
tempo


Intruso na vida não
percebo

nem as dobras nem as
cobras


É como se eu fosse
deus

ou qualquer totem em
desuso


É como se eu fosse
espelho

em uns sete cacos
refletido


Mas não, eu sou só
eu

e um ou outro resto de
ego.

19.6.06

Senão sina sim, não!

Defino em três
os álibis que habito:
o último filme em cartaz
meu poeta favorito
e a inépcia perspicaz.

Se quero dormir,
fabrico sonhos;
Se preciso sorrir,
invento cócegas;
E o tempo todo
não me canso
de ser quem
um dia me penso
ou sequer soube.

Sou o et cetera
que jamais
se completou.

Suave como uma dobra

Era estranho morar numa dobra. Ali onde os ponteiros do tempo jamais se cruzavam e o remelexo do vazio podia ser sentido às folhas da pele, em arrepios que não títeres nem alicerçados. Morar numa dobra, sem sombra, sem sobra, era estranho.

Mas dava para brincar eternamente de pique-esconde, escorregar nos vincos, colher pó, visitar esperanças enrustidas, dormir sem travesseiro. Sistófeles se aproveitava:

- Cada obra é uma dobra que abrocadabro.

- Cadoquê?

- Porque se assopro, voa. Ué?!

- Sabinão?

E o maior medo era quando a dobra ia esticando, esticando, esticando. Se deixasse de ser dobra, passada assim a ferro quente, a existência sumiria. Eram os mais doces instantes de melancolia que Deus inventava.

16.6.06

Suado ensaio de viver sem paz (ou Deus me livre!)

meus olhares melhores perdidos aos milhares
contracenam contra sonhos:
quero me livrar
das praças
dos preços
das pedras
das perdas

entrementes entre atritos e baralhos cortados
meu corpo subtrai entreluzido:
quero me livrar
dos cremes
dos crimes
das dobras
das curvas

no álibi do estribilho recito três versos tristes
sugados pela luz e pelo calor:
quero me livrar
das sobras
das sogras
das cobras
dos planos

estranhos suores percorrem-me como interrogações
pululando as blasfêmias das fêmeas:
quero me livrar
das tramas
dos tratos
dos braços
dos hífens

ensimesmado me contento com os círculos estrábicos
que alimentam pesadelos invertidos:
quero me livrar
dos fracos
das zebras
dos trecos
dos terços

ai de mim me quedar só numa contramão qualquer
longe dos atalhos e dos dissabores:
quero me livrar
dos prazos
das presas
dos presos
das placas

no espelho sempre encontrar a glória passada
nó na garganta de saudade triste:
quero me livrar
dos troços
das traças
dos extras
das lindas

durante madrugadas ociosas de tédio e gravidezes
venham-me vôos vívidos desvirtuosos:
quero me livrar
dos átrios
dos astros
dos livros
dos fortes

para repousar pálido e sorridente feito um feto
natimorto que se recusa a morrer:
quero me livrar
das febres
das fibras
dos privês
das terças

e então me sentir um crocodilo branco um tanto
maltrapilho de cansaço e tinta:
quero me livrar
das tripas
das trupes
dos cromos
das vestes

porque dentro de cada vida há um atributo secreto
repleto do mais acre sabor:
quero me livrar
dos antros
das tremas
das trenas
dos ternos

por fim sobreviver na embaixada mais próxima
contente por ser traste
aflito por ser gente
obtusa de sofrer.
para me livrar
das traves
das tampas
das gordas
dos testes
dos tontos
dos filhos
das chuvas
dos nada de mais.

6.6.06

Simples, o nada se inventa depois

rasgo fiascos para não dormir
enquanto o rádio toca uma valsa
que ninguém dança

do outro lado da lua
um codinome imberbe
me espia
me aflige

adorado
suspiro
e me quedo:
- donde vêm os soluços
que me soçobram?

saudações!