28.10.07

0 zero = igual (a mim)

Zerado, à esquerda de mim mesmo, uma folha que se fosse branca estaria em. Verde, não.

- Bom dia.

Eu já escrevi isso antes. Várias vezes. E não há antitexto que persiga, porque o sono aturde, os olhos ardem secos, a preguiça mora. Uma idéia, fixa: minha felicidade, na boca de outrem. O resto? Invencionices, ao acaso, efemeridades, riscadas, sem rastos, sem, nada.

Zerado, à esquerda de mim mesmo. Vamos contar os beijos, enumerá-los, criar rótulos nervosos, impingir-lhes um código de barras, um código secreto e um código aberto. Um gozo para cada.

Zerado, à esquerda. Dos beijos aos semáforos, sinais, vermelhos, verde, não.

- Boa tarde.

Estávamos falando do maldito destino, aquela vontade de darmos um mergulho juntos, a coleção atropelada dos sonhos de outrora, o ritmo sem-volta da vida, os semicírculos, os círculos, os duplocírculos, os circos em chamas, a música tocando tocando tocando no modo repeat, as irritantes notas, os irritantes acordes, o barulho a arrepiar minhas barbas, o medo, o medo, o medo, o pavor. Em pânico.

Recomeçar de novo. Zerado, à esquerda de mim mesmo, uma folha branca, em branco, brilhante, depois cheia, de coisas escritas nela. Com caneta verde. Ou lápis de cor. Verde.

- Bom dia.

Eu já escrevi isso antes. Várias vezes, um pouco antes, só ali atrás. E aqui é a dor, que me persegue, o medo de que as idéias se desgrudem e junto delas ralo abaixo escorram felicidade, bocas, sexos, invenções, efemérides, promessas vãs. Um corpo lindo, de moça, a me encantar no escuro.

Zerado, à esquerda de mim mesmo. Um placar de beijos, outro de gozos. Zero a zero. À esquerda de mim mesmo. Um filho, uma falha, uma folha em branco, branca, verde – ia escrever esperança, mas não quero me perder nos lugares muito, comuns.

Zerado, à esquerda. Amálgamas, amores, amassos, omissos, um míssel. Sinais nos corpos, nus.

- Boa tarde.

Estávamos falando do maldito destino, aquela vaidade de darmos um mergulho juntos, o coração atropelado pelos versos de outrora, o ritmo sem-volta da vida, os semiquadrados, os quadrados, os duploquadrados, os quartos em chamas, a música tocando tocando tocando no modo tédio, os irritantes danos, os irritantes enganos, o barulho a arrepiar minhas babas, o medo, o medo, o medo, o pavor. Em lástima.

Recomeçar de novo. Zero à esquerda de mim mesmo, um filho branco, em branco, brilhantes, depois cheio de vida, escrita nele. Com caneta verde. Ou lápis de cor. Verde.

- Bom dia.

Eu já menti isso antes. Várias vezes, um pouco, antes, só, ali atrás. Os semitriângulos, os triângulos, os duplotriângulos. E aqui não tem mais nada, não tem boa tarde, só sobrou

- Boa noite.

Em pânico. Em lástima. Em arrependimento.

25.10.07

Resquícios

Assustar-se é um exercício diário
como o vômito indômito,
o soluço sem solução,
a masturbação sem fim,
o catarro amanhecido,
o sonho acordado,
o cigarro, a tosse, o pigarro.

E no meio de tudo isso
que, triste, nomeio vida
há o jornalista na lida
quase afogado
torcendo para o time dos outros
e lamentando a pauta
perdida.

22.10.07

Egotrip

ao meu redor
os deuses fritam coisas
em desuso
e hambúrgueres de pessoas vivas
- um fedor
de dar dó
e doer a ponta
oposta dos dedos
da mão direita.

ao meu redor
uma pilha de manuscritos
demonstra a incerteza
entre se masturbar
pensar
e sentir
- quase me esqueço
que ainda há pessoas
vivas.

ao meu redor
sou eu mais um pouco
diluído em
atmosfera.

Maio

Delicia-me alimentar as borboletas amarelas
que brotam em teu estômago:
nelas encontro acalanto e desespero
para meus versos latos
meus beijos prontos
meu tempo pouco
meu tudo

No vácuo irrisório dos pensamentos
persigo, aspiro, condeno-nos
à extinção dos duelos:
neles respingam as palavras
os corpos colados
os colares calores
normais, totais

Delicia-me colorir as borboletas amarelas
com as matizes de estrelas estralejadas
ao enquanto e ao encontro
- meus versos latos -
delas com as ostras prostradas
em abraço, aconchego
milagre

Seja o desejo
que meus versos latos sejam:
o arranhão, os lábios, as línguas
os dançares corporais
alimentados pela delícia
de vivê-los os versos latos
à liberdade das borboletas

19.10.07

Toda a dor que houver nesta vida

Edison não dorme direito mais. Vira-se, revira-se, não dorme.

Edison pensa que o mundo está errado, as pessoas são injustas. Edison também é injusto e há muito está errado. Edison não gosta que torturem aqueles que não acreditam, Edison não gosta de amarelo, Edison não gosta de falta de lealdade, Edison não gosta de água de coco, Edison não gosta de se sentir sozinho, Edison não gosta de animais nojentos que sujam o apartamento, Edison não gosta de livros chatos, Edison não gosta de música ruim, Edison não gosta que maltratem as criancinhas pobres natimortas, Edison não gosta do Corinthians, Edison não gosta de filmes nem feijão enlatados, Edison não gosta quando o escrevem Edson, Edison não gosta de guerras que acontecem sem ele estar lá cobrindo.

Edison sabe que jamais irá conseguir resolver os problemas que tiram seu sono. E isso é mais um problema a lhe tirar o sono.

Faz alguns meses que Edison sofre de insônia. Uns 270, para ser mais exato. A insônia é provocada pelo extrato da conta corrente, pelo telefonema ríspido, pelo soneto inconcluso, pela pauta bacana que não emplacou, pela solidão, pelo jogo que seu time perdeu, pelo peixinho morto no aquário, pela vida perfeita que era para ter sido e não foi.

Edison às vezes nem sabe o que o aturde, mas sente as lágrimas tristes - porque lágrima é um troço que existe alegre também - que escorrem em seu rosto. E aquele gosto de sal. Edison sofre como todos os humanos, mas para ele sua dor é maior.

Edison jura que não é egoísta. Edison jura que não é materialista - só não gosta de emprestar seus livros. Edison jura que ainda acredita na honestidade alheia. Mas Edison tem medo. Medo de não ser amado, medo de que roubem seus livros e levem junto suas idéias, medo de morrer antes de acabar de verdade, medo de que as pessoas estiquem a perna para que ele caia, por deslealdade mesmo.

Edison já caiu. E o tombo foi feio, passou cinco dias hospitalizado, dezessete pontos na testa, essas coisas. Desde então jamais voltou a ser o mesmo: perdeu 47% de sua criatividade, três quartos de sua esperança e quase toda a inocência.

Quando crescer, Edison vai comprar uma moto. Dessas grandes, velozes, com personalidade, barulhentas. Edison vai pilotar sua moto sem capacete, pelas estradas mais bonitas do Brasil. E então vai tentar esquecer que tem insônia.

Edison não dorme mais. Nunca mais.

15.10.07

Um brinde à vida...

... seja lá quem for essa!

Darumas

Para dizê-la lembraria sua coleção de treze darumas caolhos. Uma fracassada.

- Mas é que não chegou a hora certa para a feitura dos outros olhos todos.

Além de fracassada, uma otimista, diria eu.

- Apenas ainda não foi para ser. Pronto.

Fracassada, otimista e, ainda por cima, conformada. Nunca imaginei que bonequinhos orientais explicassem tanto a personalidade alheia. Vou virar psicólogo. Um psicólogo japa.

10.10.07

Post it

Não esqueço:
Quero saber o teu preço;
Quero saber o que mereço.

odelíptica

assimesmo
vousar
minhalma
paralertar
quematar
esperançamor
vidamizade:

- venhalimentar
desejoseus
emim.

9.10.07

Das verdades inconfessáveis

Morrer deve ser bom. Senão não morreria tanta gente.
Raí sorri e Jô Soares veste vermelho e amarelo na foto em que está entre dois bombeiros. Luxemburgo, como bom esportista, está de paletó e gravata.

8.10.07

Procura-se

Sentimento que não seja só sensação;
Amor que não seja só amizade;
Companhia que não seja só sexo;
Sozinhez que não seja só solidão;
Contato que não seja só pele;
Cansaço que não seja só câncer;
Histrionice que não seja só estranhice;
Literatura que não seja só livros;
Peso que não seja só morto.

Paga-se bem.
Em favores e/ou serviços,
Porque espécie rareou.

7.10.07

À canção que toca

Um ensaio é sinal que a canção soa assim:
úúúúúúúúúúúúúúúúúú... fa!
Quem se toca em mim maior?
Quem quer se tocar ser tocada?

Dos lugares-comuns

Porque viver é um grande chavão. Afinal, todo mundo vive.

6.10.07

Declaração aos que amputaram minha vida

Declaro, para devidos e indevidos fins, a quem interessar possa, que este documento não tem nenhum fim institucional nem oficial; que não será lavrado em ata, muito menos registrado em cartório; que não se justificará perante a Lei ou um tribunal qualquer; que não possui data de validade, expiração ou apodrecimento; que não deve ser lido jamais em voz alta, principalmente por gagos, afônicos e analfabetos; que não foi escrito para extirpar as dores ulteriores, uma vez que essas impossivelmente chegarão ao fim.

Este documento visa tão somente a queimar as idéias antes que elas nasçam. Porque uma vez natimortas, deixarão de assombrar a inquietude humana. Antes, o desejo era embriagar-me de tédio, mas a tempo descobri que o tédio é incapaz de tal feito.

Assim sendo, declaro que, a partir desta data, jamais me importunarei com os sentimentos alheios, as músicas de que não gosto, os poemas mal escritos; viverei o dia como se fosse apenas um dia, numa ignorância plena do ontem e do amanhã; rirei à toa de todas as desgraças a que fui acometido, justa ou injustamente, mesmo porque não farei mais juízos; escreverei à vontade, emudecerei quando quiser, dormirei o bastante. Outrossim, reservo-me ao direito de permanecer intacto, inepto e insignificante, para o gozo pleno de minhas funções humanas.

Publique-se.

3.10.07

- Você acredita em Barroco?

- Também não.
- Amém.

2.10.07

Matéria da vez

ex-capa
como toda capa
que escapa.
Pra-variar é você me emocionando com comentários ao pé-do-email porque do ouvido tem fugido, avessa, moça de mim um poema. Acho que o blog tá deprê, mas é reflexo do mundo que tá deprê, da vida à-toa tão-deprê, dos hífens-sobrantes, dos acentos circunflexos, das tremas quase-extintas tadinhas e dos sorrisos raros, raríssimos, mas soçobrantes.

Vou tentar continuar a me descobrir, apesar do frio. Uma autopsicografia, autopsicanálise, um automóvel de mim mesmo, sem freio e com problemas na embreagem.
Desconfio que este é um post.