30.4.08

Um quadro às quartas

Rua Fernão Dias, 1948
Obra de Jorge Mori (1932- )

29.4.08

Silêncio, como resposta

Em quem você acredita?
uma dor que não passa
não é de cabeça
é na cabeça.

Imaginação

É bonito construir pessoas, na imaginação. Umas têm histórias, outra só futuro; umas feias, outras um ponto escuro; umas com parentes por todo lado. Gosto de construir pessoas, na imaginação. Só para poder matá-las, uma a uma.

Terça sonora



"Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar"

28.4.08

Ar-tamanho

vomito jeitos de esganar o céu:
* quedar-me até o inverso agir;
* colecionar gotas de chuva;
* saltar de pára-quedas e não abrir o pára-quedas;
* irritar raios, relâmpagos e trovões;
* sair procurando por deus no mundo;
* subir lá em cima e apagar a luz;

uma noite, conseguirei
não chorar
pelos males do universo.

Para começar a semana

"Se faltava feijão, ao menos sobrava ironia, que sem ela não é possível viver. Ah, como seria bom um pouco de ironia agora."

27.4.08

Domingo, foto

Fábrica abandonada em Itu II, 2004
Clique de Henrique de Carvalho (1980- )

25.4.08

Nossos soluços

Nossos soluços sãos
São os ossos do martírio que me fere:
Por enquanto no canto
Meu canto é de um choro ateu
Mas já sinto febre,
E não minto.

Olho ao espelho quebrado
E meu coração se parte:
Sangue vermelho dilacerado
Você não está ao meu lado
No reflexo do espelho quebrado.
“Por quê?”
A pergunta já sem nexo
Ecoa sem fim
E sem dó de mim.

Nossos soluços sãos
São os ossos do martírio que me fere:
Você tão perto e tão longe
(Estava certo o monge que me alertou!).
Já não me valem palavras
Sussurros do nada
Amarro-as em extintas safras
Quero-a calada
Sem explicação
Numa ação inexplicável
Em que o ontem justifica o amanhã
Neste hoje cruel.

Filminho de sexta



Roubado do blog da Gi Kato.

24.4.08

Instante da estante

LEROY, JT. Maldito coração. São Paulo: Geração Editorial, 2006.

23.4.08

Artimanha

invento jeitos de enganar o tédio:
* remendar bolhas de sabão estouradas;
* fotografar pensamentos alheios;
* vituperar tatuzinhos de jardim;
* gostar de algumas coisas só na teoria;
* odiar outras por precipitação;
* fingir que tédios são tesões.

um dia, conseguirei
não rir
da desgraça própria.

Paz?

Vou procurar na internet. Já volto.

A vela que se apaga

Hoje estou deveras triste
como uma vida inteira,
O que resiste não insiste
- Solilóquios de uma lágrima!

Sem pressa
Pra que as pessoas possam pensar
Na diversidade de ver cidades acesapagadas
Sigo incólume vaga-lume
E o que consigo jamais busquei:
Há uma alma no meio de mim
Que nomeio até perder de vista...
Há uma vela cujo pavio está por um fio;
Há uma vela alumiando para fina lágrima
sorver da cera que escorre, parafina,
E no meio dos olhos há uma menina
Que dança no meu sonhinho esperança:
- Não sabia que as lágrimas de sal eram o mar
E o pavio o fio de verdadeiro navio
Fugindo do que a pá lavra amar!

Portanto, portento portante de um porta-retratos
Amarrando meus tratos e retalhos do que fui:
As memórias são sempre mais bonitas
Do que o que realmente aconteceu
E todo acidente é ácido com a gente
Por causa da visão de mundo, divisão de mundo
E esse gosto de cada gesto
Que incomoda...

Um quadro às quartas

Cotidiano universitário (parte), 1994
Obra de Napoleão Potyguara Lazzarotto (1924-1998)

22.4.08

Leminski

hoje
nem sei por que
bateu uma saudade
de leminskair.

Terça sonora



"In the silence of my lonely room
I think of you"

21.4.08

Para começar a semana

"De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar."

O caminhãozinho verde

Eu era um menino que tinha um caminhãozinho verde. De madeira. Carreta. Dava para carregar sessenta cabeças de boi (de chuchu) ou mil sacas de arroz (de bugalha). Não fazia barulho eletrônico, não tinha botões, não gastava pilha, não quebrava fácil. Era de madeira. E era verde.

Cresci com a idéia fixa de me tornar caminhoneiro, vencer as estradas do Brasilzão a bordo de um valente caminhão verde de verdade. Não sabia que iria ter de financiar o bicho em trocentas prestações, enfrentar solidão, pagar pedágio, desviar de buracos, viajar de noite, correr contra o calendário e subornar polícia rodoviária. Não sabia nada da vida de gente grande.

- Se casamento fosse estrada, eu só andava no acostamento.

- Perigo não é um cavalo na pista, é um burro na direção.

- Feliz era Adão, que não tinha sogra nem caminhão.

Hoje dirijo doze horas por dia a uns oitenta quilômetros por hora. Quando passo por São Paulo, a dez. Estrada ruim, trinta.

- Se correr o guarda multa, se parar o banco toma.

Meu caminhão ainda não tem frase pintada. Não sei se escolho uma repetida, dentre as tantas que leio nos pára-choques dos colegas. Ou se homenageio Deus, meus pais, minha amada, meu time de futebol... Talvez deixe em branco mesmo, ou invente uma nova. Mas tenho mais coisas com o quê me preocupar, oras.

- Se eu tivesse estudado não estaria aqui.

- Estepe e mulher: é sempre bom ter de reserva.

Quando era criança, não imaginava que meu caminhãozinho verde iria crescer. Ficar barulhento, beber óleo diesel, soltar fumaça. Vencer distâncias e garantir os poucos trocados com os quais eu sustento minha família. O dia todo nesta boléia fedida e vazia. Com muito suor, disposição e banguela.

20.4.08

Um brasileiro chamado Valdivia

Depois de anos de desarranjos, em 2008 voltou a ser bonito ver o Palmeiras jogar bola. E é bom dizer isso após termos eliminado o peculiar time que tem um atacante que troca os pés pelas mãos e um goleiro que insiste em usar os pés. Mais duas semanas e, espero, estarei gritando o “campeão” há muito entalado da garganta.

O Palmeiras se garante porque tem Marcos operando milagres debaixo das traves e uma segura zaga com Henrique e Gustavo. O Palmeiras funciona porque tem dois alas que apóiam muito bem os ataques pelas laterais, Elder Granja e Leandro. O Palmeiras se organiza porque tem Martinez, Pierre, Wendel, Léo Lima, Diego Souza. O Palmeiras apronta porque tem Alex Mineiro, Kléber, Lenny, Denílson e, principalmente, Valdivia.

Ah, o Valdivia. Jorge Luis Valdivia Toro, simplesmente El Mago. Vinte e quatro anos, chileno nascido na Venezuela, conquistou os exigentes torcedores alviverdes. Com sutileza, desequilibra. Com elegância, enfeita. Com leveza, dribla, dribla e irrita os adversários. Com habilidade, define. Caçado em campo por botinudos que, na falta de talento, apelam para a força, vai cavando seu espaço. E, a cada finta, arranca aplausos do torcedor alviverde e admiração de todos os que gostam de futebol bem jogado.

Em nefastos tempos em que as estrelas nascidas no Brasil são cada vez mais cedo exportadas para o Velho Mundo, Valdivia brilha sozinho nos gramados canarinhos. Com sua ginga, é o mais brasileiro dos jogadores brasileiros da atualidade.

Fosse ele escritor, seria um Guimarães Rosa, cheio de neologismos palatáveis. Fosse músico, seria Tom Jobim. Ator, um Paulo Autran. Mas Valdivia é futebolista. E seu belo futebol nos resgatou. Como é bonito ver o Palmeiras jogar.

Domingo, foto

Fábrica abandonada em Itu, 2004
Clique de Henrique de Carvalho (1980- )

18.4.08

Comida fria, corações frios, corpos frios...

[ solidariedade não tem nada a ver com só lidar com a idade, mas pode muito bem ser uma sólida idade em que todos os homens tenham a cabeça no coração e possam olhar para os miseráveis com mais que dó, com vontade mesmo de ajudar aquelas gentes ]

Um cachorro de rua não é um cachorro apenas. Carrega sarnas em seu corpo e parece nem ligar. Quase passa fome, mas come o que encontra sem se preocupar se amanhã terá algo novo. Não tem dono e por isso olha com ar superior os cãezinhos das madames... Eles são livres, e é tão bonito saber que eles dormem ao relento, podendo ser assassinados e virar até cachorro-quente de algum mendigo...

As pessoas por vezes têm pena deles. Dizem que andam sempre raquíticos, corpos esqueléticos, sofridos, farejando lixo em busca de comida. Eu não.

Tenho pena sim das gentes que existem lá longe, na África, no Oriente, no Nordeste, nas favelas de São Paulo, na rua da frente de casa, ou em qualquer outro lugar... Gentes que se alimentam de nada, comem vento, vomitam saudade de pão, enchem o estômago do vazio existencial em que vivem. Tenho pena dessas gentes.

Aforismo sem juízo: Há no mundo pessoas que não têm fome porque nem sabem o que é comida.

Outro dia vi um retrato no jornal de uma negrinha do Zaire, nove anos, aparência de quatro, cinco no máximo, desnutrida, barriga d’água, olhos amarelos... Deus deve estar cego! Tão mirradinha, chorando de fome, e sua mãe preparando uma água suja fervida para tapear o organismo. Em São Paulo fazem sopa de papelão.

Aforismo sem juízo 2: Há no mundo depósitos onde apodrecem comida enquanto gentes apodrecem por falta de comida.

No alto do morro da favela, uma senhora querida por todos conduz a oração: “Pai Nosso que estás no céu, santificado seja o Vosso Nome, venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa Vontade, assim na Terra como no Céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tenha ofendido, não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos de todo o mal. Amém.” Ao fundo, um neném de poucos meses, sem nome ainda porque a mãe não tinha dinheiro para registrar o rebento, mandar batizar, fazer roupa para a pompa da cerimônia etc., urrava o maior dos chororôs e o mais sofrido de todos eles. Tinha fome.

Por que fome tão grande para criança tão pequena? Deus deve estar surdo! Ou dispensou o padeiro celestial encarregado do Pão Nosso de cada dia.

Aforismo sem juízo 3: Nem só de pão o Homem viverá, mas de toda palavra de Justiça (não esquecer também dos brioches, das bombas de chocolate, das carolinas, dos sonhos e de todos os quitutes de padaria apreciados pela burguesia).

Afeganistão. Em meio a tantas minas terrestres, resquícios mórbidos de guerras anteriores, meninos e meninas famintos brincam de pique-esconde, cabra-cega e amarelinha. Uma maneira que a as mães encontram para distrai-los a eles e aos seus estômagos da fome crônica: “Vão catar coquinhos, ver se estou lá na esquina, procurar agulhas no palheiro...”. E eles vão.

Então um alguém qualquer daquelas gentes novas de pouca idade solta um grito de dor. As pessoas correm para ver e contemplar mais uma vítima dos macabros artefatos bélicos. O menino perdeu a perna. Três dias depois, do alto de suas muletas, o garotinho pára de chorar e fala inocente para seu amiguinho: “Será que demora muito para brotar outra perna?”.

Aforismo sem juízo 4: E por falar em solidariedade, devia haver um racionamento de comida. Quem sabe as pessoas aprenderiam o significado da palavra (solidariedade, segundo Aurélio: ‘s. f. Sentido moral que vincula o indivíduo à vida, aos interesses e às responsabilidades dum grupo social, duma nação, ou da própria humanidade’. Palavras bonitas para se pensar).

Pensava em todas essas coisas enquanto olhava para o prato de comida sobre a mesa. Parece que o apetite me fugiu de repente, contemplando a miséria do mundo. Meu Deus, meu Deus, onde estás? Por que te escondestes numa hora destas?

Não ouvi resposta. Deus deve estar mudo! E eu tentava agradecer aos Céus pelo meu sustento quando minha mãe:

- Acorda, menino! Coma logo que o almoço esfria!

Então percebi que eu tinha um prato de comida para esfriar, enquanto muitos estão morrendo, esfriando, pela falta de um prato de comida.

Filminho de sexta



Oi, Dona Morte, tudo bem?

17.4.08

Instante da estante

BARROS, Manoel de. Memórias inventadas: a segunda infância. São Paulo: Planeta, 2006.

16.4.08

Anotação mental

Tenho uma maneira um tanto peculiar de encarar as coisas, a vida, o mundo.

Um quadro às quartas

La rue de la Bavolle in Honfleur, 1864
Obra de Oscar-Claude Monet (1840-1926)

15.4.08

àvIDA


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(Li)TerAmor

Cai ao chão uma caixa e oferece a mim folhas soltas de Manoel de Barros que devoro como se fossem de alface. Uma a uma, a poesia escorrendo entre os dentes numa sutileza inversa à imagem lucubrada aqui de devorar-comer-saborear tão visceralmente.

O labirinto ainda só começa e adiante o que avisto é Joyce querendo me fazer sentir seu Ulisses se aliás eu lesse cada uma das suas páginas presas por um nó central de dar ódio de dar medo de dar tudo de dar nada. O labor de avistar o fim antes de começar o ínterim e perder de vista o início que nunca vai se acabar.

Se eu tropeço e avisto o obstáculo, sorrio. Porque a pedra no meio do meu caminho é a antologia de Drummond, recitando bem baixinho aqueles poemas que ninguém devia dessaber de cor. Mundo, mundo, vasto mundo, que as estantes ainda estão para serem desbravadas e o tempo é sempre inimigo da plenificação. Que o tempo é sempre dado à objeção.

Olho ao redor e as pessoas lêem em seus banquinhos em suas mesinhas em seus cafezinhos em seus colos em seus corações. Guimarães Rosa, Mario Prata, Machado de Assis, Julio Verne, José Saramago, Stephen King, J. K. Rowling, Pedro Bandeira, Elizabeth Bishop, Marcel Proust, Umberto Eco, Julio Cortázar, Ezra Pound, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Italo Calvino, Chico Buarque... As pessoas lêem e levam, locupletam-se com os olhos e alimentam a alma. Afoitas, letra a letra, num liquidificador mental alimentado por livros.

Atormentadas, juram que viram Sartre.

Alucinadas, piram querendo saber de Deleuze.

Alienígenas, consumidas por Kant.

Atrevidas, na dose certa da dor e a dádiva vã da loucura de Foucault.

Se eu tivesse lareira levaria pra casa Hilda Hilst debaixo do braço, penso. Mas logo antevejo uma leitora gulosa com a obra completa de Sade, saindo.

Permito-me sonhar com uma biblioteca completa, com todos os livros que hoje não me lembrei. De Aristóteles a Zuenir Ventura. Ter em minhas estantes a capacidade dicionárica de aarónico a zwitteriônico. Comer tanta sopa de letrinhas até me sentir um Aurélio na sala de jantar.

Para tanto e portanto, sem mais e todavia, encontra-se aberta desde o mês passado a livraria Ferida. Ao número 107 da Rua Vinícius de Moraes.

Terça sonora



"A espera de viver ao lado teu"

14.4.08

Fora de contexto

Custei 28 anos para entender como as pessoas são diferentes. Aí me olhei ao espelho e refleti acerca das horas, porque havia um relógio na parede espelhada. As pessoas, estranhamente diferentes:

- Vou botar um piercing no nariz!

- Meu grito de liberdade é meu corpo em atuação.

- Deus, Deus, Deus...

- Custei 28 anos para entender como as pessoas são diferentes.

Seu nome era Aderogil, sentia-se um remédio e escrevia para espantar os fantasmas que moravam em seu coração ciumento. Seu nome era Asdrúbal, percebia-se um enfisema social e chorava para afugentar os bandidos que teimavam em assaltar seus sentimentos. Seu nome era Alfredo e andava para trás feito caranguejo duma ilha de Parati.

Todos diferentes, 28 anos depois percebo. Então saio dando tiros e apagando todas as luzes. As paredes ficam furadas depois. A escuridão consome os medos e insiste em segredar: mas, shhhhh, as paredes têm ouvidos; shhhhh, as paredes têm um relógio pregado nelas que espelham pra dentro.

Cada texto que começo é pretexto. Cada texto que termino é postexto. Cada dia é um ônibus novo a bater em cima do acidente:

- As pessoas, estranhamente diferentes.

- Uau!

- Ué...

- Uai!?

Em Minas Gerais não neva jamais. Em Atacama não chove nunca. No Pólo Norte o sol demora seis meses pra se pôr (belas fotos! belas fotos!). Por dentro é só a dor, a saudade, a tristeza, a impotência de ser gente de verdade. 28 anos de inutilidade. 28 anos de fraqueza. 28 anos...

Em São Paulo mora uma menina de quem gosto muito. Ela olha pela janela, mas da janela dela só dá pra ver prédios e prédios e prédios e mais poluição. Não tem pôr-do-sol, não tem três-marias, não tem cruzeiro-do-sul. Só tem vizinho suicida pulando do décimo oitavo andar. Eis a estranheza das pessoas, tão diferentes...

Procuro um terapauta pra corrigir-me. Anteposto ao nome duma unidade de medida, forma o nome de uma unidade derivada 10 elevado a 12 vezes maior que a primeira. O conjunto de linhas horizontais e paralelas produzidas no papel pela pautadora ou pelo fio de pauta.

Ilusão.

Em Taquarituba, não dá pé para as pessoas correrem longe. Logo, logo já há um finzinho escrito: acabou. As pessoas certas moram na esquina; as erradas, esquivam-se e ficam catando coquinhos arrastando-se no chão da praça. Da paz. Eu sempre que posso procuro pelo meu pé de maracujá, danado que fugiu de casa quando eu tinha menos de três anos.

Em Bauru, não procuro nada. Tenho medo de achar, e achar errado, e ter de fingir que não sei. No fundo não suporto mudanças drásticas com gosto de eternas.

Escrevo para exorcizar-me.

Para começar a semana

"As botas apertadas são uma das maiores venturas da Terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar."

13.4.08

Domingo, foto

Pets, 2008
Clique (e obra) de Eduardo Srur (1974- )

11.4.08

Filminho de sexta



Humano, demasiado humano.
(Parte 2 aqui.)

10.4.08

Instante da estante

FERNANDES, Millôr. Hai-kais. Rio de Janeiro: Nórdica, 1986.

noves fora

caralho!
descobri que sou carta
fora do baralho.

9.4.08

Um quadro às quartas

Circle limit II, 1959
Obra de Maurits Cornelis Escher (1898-1972)

8.4.08

sorry me
me sorri.

Terça sonora



"Do you wanna dance under the moonlight
Squeeze and kiss me all through the night?"

7.4.08

Entre cacos de vidro

Aos poucos, vou destruindo a casa, e isso me dá muita, muita raiva. Os cacos se espalham, o sangue atrapalha a circulação, o cheio é forte. Dá vontade de me atirar da sacada, aqui do décimo-oitavo andar.

Mandamento do dia

* agrida-se simultaneamente.

Para começar a semana

"Aqui está-se sossegado,
Longe do mundo e da vida,
Cheio de não ter passado,
Até o futuro se olvida.
Aqui está-se sossegado.

(...)

Nada explica nem consola.
Tudo está certo depois.
Mas a dor que nos desola,
A mágoa de um não ser dois
Nada explica nem consola."


Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935)

6.4.08

Mandamento do dia

* colecione lágrimas da chuva.

Há braços

Era uma vez um colecionador de braços, porque gostava de abraços. Tinha trezentos e quarenta e três em sua casa, conservados em formol. Matava pessoas para arrancar os braços, porque gostava de abraços. Mais um dia, mais um braço. Agora tinha trezentos e quarenta e quatro em sua casa. Brancos, negros, pálidos, fortes, japas e até um bracinho de criança. Galho não valia porque não era de gente. Bicho também não entrava porque, exceto tamanduá, não dava abraço. Mais um dia, mais um braço. Agora tinha trezentos e quarenta e cinco em sua casa, da geladeira ao porão. Tanto braço que ele até se perdia.

Matou-se quando se deu conta que nenhum braço tinha par.

Domingo, foto

Girafas carinhosas, 2008
Clique de Daniela Toviansky (1978- )

4.4.08

Filminho de sexta



O ciclo da vida.

3.4.08

preciso arranjar um punhado de mentiras bonitas para me distrair, fingir que não estou perdido.

Do que eu era

Eu era um colecionador de sonhos.
Troquei-os por uma vida comum.

Eu era um poeta de mancheias.
Troquei-me por um lugar-comum.

Eu era um homem bastante feliz.
Troquei-a pelo máximo com um.

Instante da estante

RIBEIRO, José Hamilton. O repórter do século. São Paulo: Geração Editorial, 2006.

2.4.08

impúblico

quando o caos incomoda
vem a vontade de escrever
o que não publico

Um quadro às quartas

Retrato de um músico, 1485
Obra de Leonardo di ser Piero da Vinci (1452-1519)

1.4.08

Carente

que nunca me acabe
onde não cabe
quem me abrace

Embaixadinhas de craque

Dos pés sobe o sol
Para voltar lua
Aos pés do tal.

Terça sonora



"Vem me fazer feliz
Porque eu te amo"
eu também li que não é
a ponta do dedo que
aponta a estrela;

mas a ponta da estrela que
brilhante
aponta a ponta do meu
dedo.
uma vez eu li que sempre
amei
a menina
que ama
as estrelas.

Sonhos de consumo

Pessoas são coisas infinitas. Alfredo diz para Solange: você é fantástica até quando sonha. Herbert morreu, mas era um homem que se alimentava de verdades. Umas prontas, outras fabricadas. Havia invencionices também, como no dia em que cismou que deus estava debruçado sobre seu trono, sorrindo para as nuvens que faziam chover. E tornou-o verdade. E comeu. Feito algodão-doce. Elena quer viajar de primeira classe para qualquer lugar da Europa. Paula, ter uma vida normal, regrada, com horário para entrar e sair do trabalho. Paulo, o contrário; deseja mesmo se perder do emaranhado da rotina. Giordana um dia vai ter um bordado do Leonilson, aquele artista cearense, sabe? Será um pedacinho de sua vida costurada ali. Laís não sabe, nunca pensou nisso, mas acha que o sonho deve caber no tamanho de um bom passeio. Mariana tem milhões, de bate-pronto: quer tempo, quer conhecer Tóquio, quer uma gravura da Choque Cultural, quer um perfume novo, quer uma pantalona preta, quer muitos etc. Marcelo é que nem a lua, veio da Ásia. Prega o desapego total e seu único sonho zen é que ninguém tenha mais sonhos de consumo.

Eu não tenho, aliás. Porque sou um amontoado de idéias alheias. Como um catálogo de emoções, um álbum de fotografias ou uma estante cheia de livros com anotações pessoais.