29.1.09

10. Diálogo acontecido dentro de meu sapato

- Vamos brincar de pedras?

- Como se faz? Com formigas caminhando sobre? Com cócegas no limo nascente?

- Mas a pedra pode ficar submersa em um aquário de neons. Aí nascerão algas.

- E terá um cascudo a se esfregar, sugar o verde, viver?

- Talvez.

(...)

- Não gostei dessa de brincar de pedras.

- Mas foi você quem sugeriu.

- Sim.

- E por que não?

- Pela frieza. Pela rigidez. Pelo cadáver que sinto em você-sendo-pedra.

- Como cadáver se nunca houve vida?

- Pela dureza. Pela falta de expressão.

- Como a vida?

- Sim. Mas é preciso vivê-la, apesar dos dissabores. Só assim a vida finge que vale a pena.

- E a pedra? Chora?

- A pedra serve para tapar o túmulo.

- Feito lápide?

- Com inscrição e tudo.

- Aqui jaz Fulano de Tal?

- Aqui jaz Fulano de Tal. E a beleza pétrea está justamente na identidade do Fulano de Tal, que pode ser eu ou você.

- Vamos brincar de pedras?

- Ganhei.

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