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8.10.21

Jabuticabas

Aos amigos Edu e Pricila.

Vem, vamos ver o pé de jabuticaba

disse ela, por quem a vida não acaba. 


Se não tem flores, tudo bem, 

sempre podemos colecionar pontos pretos

bolinhas comestíveis 

que estouram feito sonhos no céu

da boca.


Vem, vamos ver o pé de jabuticaba

é um verso pronto, tão do tamanho do Brasil, 

não este do verde-amarelo usurpado

mas aquele do verde-amarelo que era tão

natureza. 


Enquanto houver amor, tudo bem,

vamos ler livros que ninguém 

mais tem

fazer livros para que alguém

também

se encante.


Vem, vamos ver o pé de jabuticaba

mexer a terra

cuidar da horta, da casa, da farra.

Sem essa de hora morta,

de ano passado eu morri,

de esse ano não morro.


Sem essa de desistir:

Vem, vamos ver o pé de jabuticaba

Vem, cada sonho que estoura

é um verso que não se acaba

Vem, que cada lágrima salmoura

vale um livro na estante da sala.


Vem, vamos ver o pé de jabuticaba,

escalá-lo, não para vencê-lo

porque estamos fartos de guerra;

escalá-lo para ensimesmá-lo-nos

numa amálgama 

pan-poética natural.


Já. 


Vem, vamos ver o pé de jabuticaba.


Já. 

27.8.21

Esse Sete de Setembro

esse se

te de se 

tembro


logo ali 

como quem se avizinha

ou dobra a própria espinha

ou vira a tripa da esquina


esse se

te de se 

tembro


lembro

como se houvesse liberdade

ou assassinássemos saudade

ou viesse o beijo logo tarde


esse se

te de se

tembro


destarte

é desfile de canhões e maldição

é arte de guerra contra dição

é fumaça de uma corti nação

20.10.20

Poeminhacídio

Desinforma

Enforma


Mitifica

Retifica


Monta

Desmonta


Mata

Desmata


Desmilita

Militariza 


Destrói 

Descria 


Padroniza

Patroniza 


Atira 

Tira


Retrocede

Desavança


Ordena

Desorganiza


Nega

Entrega


Antípoda 

Déspota 

Poda


Esvazia


Dessonhemos.

14.8.10

Porque hoje é sábado

Die bewegung

já que não vou sair por aí
no movimento quebrando vou
ficar aqui bem brando nada
godfather se a mão beijada
é contra nada sobe aqui no
meu monte quase triste dos
perdidos sem vida na volta
perdido sem vinda na volta

(Frederico Barbosa)

7.8.10

Porque hoje é sábado

Se

se
nem
for
terra
se
trans
for
mar

(Paulo Leminski)

24.7.10

Porque hoje é sábado

manchete

CHUTES DE POETA
NÃO LEVAM PERIGO À META

17.7.10

Porque hoje é sábado

Infância

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia
Eu sozinho, menino entre mangueiras
lia história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... não corde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito
E dava um suspiro... que fundo !

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

(Carlos Drummond de Andrade)

10.7.10

Porque hoje é sábado

Ritual dos 4 ventos & dos 4 gaviões

para Marco Antônio de Ossain

"Eu trago comigo os guardiões dos Circuitos celestes."
— Livro dos Mortos do Antigo Egito —

Ali onde o gavião do Norte resplandesce
sua sombra
Ali onde a aventura conserva os cascos
do vodu da aurora
Ali onde o arco-íris da linguagem está
carregado de vinho subterrâneo
Ali onde os orixás dançam na velocidade
dos puros vegetais
Revoada das pedras do rio
Olhos no circuito da Ursa Maior
na investida louca
Olhos de metabolismo floral
Almofadas de floresta
Focinho silencioso da sussuarana com
passos de sabotagem
Carne rica de Exú nas couraças da noite
Gavião-preto do oeste na tempestade sagrada
Incendiando seu crânio no frenesi das açucenas
Bate o tambor
no ritmo dos sonhos espantosos
no ritmo dos naufrágios
no ritmo dos adolescentes
à porta dos hospícios
no ritmo do rebanho de atabaques
Bate o tambor
no ritmo das oferendas sepulcrais
no ritmo da levitação alquímica
no ritmo da paranóia de Júpiter
Caciques orgiásticos do tambor
Com meu Skate-gavião
Tambor na virada do século ganimedes
Iemanjá com seus cabelos de espuma.

(Roberto Piva)

3.7.10

Porque hoje é sábado

Paranoia

Eu vi uma linda cidade cujo nome esqueci
onde anjos surdos percorrem as madrugadas tingindo seus olhos com
lágrimas invulneráveis
onde crianças católicas oferecem limões para pequenos paquidermes
que saem escondidos das tocas
onde adolescentes maravilhosos fecham seus cérebros para os telhados
estéreis e incendeiam internatos
onde manifestos niilistas distribuindo pensamentos furiosos puxam
a descarga sobre o mundo
onde um anjo de fogo ilumina os cemitérios em festa e a noite caminha
no seu hálito
onde o sono de verão me tomou por louco e decapitei o Outono de sua
última janela
onde o nosso desprezo fez nascer uma lua inesperada no horizonte
branco
onde um espaço de mãos vermelhas ilumina aquela fotografia de peixe
escurecendo a página
onde borboletas de zinco devoram as góticas hemorróidas das
beatas
onde os mortos se fixam na noite e uivam por um punhado de fracas
penas
onde a cabeça é uma bola digerindo os aquários desordenados da
imaginação

(Roberto Piva)

26.6.10

Porque hoje é sábado

Cartão de Natal

Pois que reinaugurando essa criança
pensam os homens
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno,
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de voo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:

que desta vez não perca esse caderno
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas
suas molas,
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem
o sim comer o não.

(João Cabral de Melo Neto)

19.6.10

Porque hoje é sábado

Agora

Agora que a agora é nunca
Agora posso recuar
Agora sinto minha tumba
Agora o peito a retumbar
Agora a última resposta
Agora quartos de hospitais
Agora abrem uma porta
Agora não se chora mais
Agora a chuva evapora
Agora ainda não choveu
Agora tenho mais memória
Agora tenho o que foi meu
Agora passa a paisagem
Agora não me desperdi
Agora compro uma passagem
Agora ainda estou daqui
Agora sinto muita sede
Agora já é madrugada
Agora diante da parede
Agora falta uma palavra
Agora o vento no cabelo
Agora toda minha roupa
Agora volta pro novelo
Agora a língua em minha boca
Agora meu avô já vive
Agora meu filho nasceu
Agora o filho que não tive
Agora a criança sou eu
Agora sinto um gosto doce
Agora vejo a cor azul
Agora a mão de quem me trouxe
Agora é só meu corpo nu
Agora eu nasço lá de fora
Agora minha mãe é o ar
Agora eu vivo na barriga
Agora eu brigo pra voltar
Agora...

(Arnaldo Antunes)

12.6.10

Porque hoje é sábado

A tua mão no meu braço

Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço,
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste.
Senti ou não?
Não sei. Mas lembro
E sinto ainda
Qualquer memória
Fixa e corpórea
Onde pousaste
A mão que teve
Qualquer sentido
Incompreendido,
Mas tão de leve!...
Tudo isto é nada,
Mas numa estrada
Como é a vida
Há uma coisa
Incompreendida...
Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?
Como se tu
Sem o querer,
Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo,
Que nem soubesses
Que tinha ser.

(Fernando Pessoa)

5.6.10

Porque hoje é sábado

Rapte-me camaleoa

Rapte-me camaleoa
Adapte-me a uma cama boa
Capte-me uma mensagem à-toa
De um quasar pulsando loa
Interestelar canoa
Leitos perfeitos
Seus peitos direitos me olham assim
Fino menino me inclino pro lado do sim
Rapte-me, adapte-me, capte-me
It’s up to me
Coração
Ser querer, ser merecer, ser um camaleão
Rapte-me camaleoa
Adapte-me ao seu
Ne me quitte pas

(Caetano Veloso)

29.5.10

Porque hoje é sábado

Paisagens com cupim

No canavial tudo se gasta
pelo miolo, não pela casca.
Nada ali se gasta de fora,
qual coisa que em coisa se choca.

Tudo se gasta mas de dentro:
o cupim entra nos poros, lento,
e por mil túneis, mil canais,
as coisas desfia e desfaz.

Por fora o machado reboco
vai-se afrouxando, mais poroso,
enquanto desfaz-se, intestina,
o que era parede, em farinha.

E se não se gasta com choques,
mas de dentro, tampouco explode.
Tudo ali sofre a morte mansa
do que não quebra, se desmancha.

(João Cabral de Melo Neto)

22.5.10

Porque hoje é sábado

Poema XX

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

(Pablo Neruda)

15.5.10

Por que hoje é sábado

Sem título

Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas.
Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha,
nem desconfia que se acha conosco desde o início
das eras. Pensa que está somente afogando problemas
dele, João Silva... Ele está é bebendo

(Mario Quintana)

1.5.10

Porque hoje é sábado

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

(Vinicius de Moraes)

24.4.10

Porque hoje é sábado

Erra uma vez

nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez

(Paulo Leminski)

17.4.10

Porque hoje é sábado

O meu olhar

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

(Alberto Caeiro)

10.4.10

Porque hoje é sábado

Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

(Mario Quintana)