29.1.09

Devaneios da razão

( os devaneios da razão devem ser aqueles momentos inexplicáveis em que a parte pensante se liberta da parte responsável do nosso ser e então os pensamentos ganham asas, cruzam a exosfera e vão se encontrar com Deus ou alguma espécie de energia onipresente que mora ao lado das estrelas / os devaneios da razão existem em todas as religiões, em todas as filosofias, em todas as ciências, sob os mais diversos nomes e codinomes; o que ninguém percebe é que os devaneios da razão não precisam de nenhuma religião, filosofia, ciência, nem nada / os devaneios da razão são essência )

Ana Clara era Ana mas não era clara. Porque sua mente, apavorada de novavelha, há muito andava opaca, reverberando a cor do mundo que a cercava.

Ela não queria perder de todo a razão porque, no fundo, preocupava-se muito com a idéia de acabar ensandecida em um hospício, feito cobaia humana de psiquiatras doidos e suas elétricas teorias experimentais para curar a loucura. Mas onde estava a razão? Havia mesmo algum lugar, nos recônditos escuros do cérebro, entre reações químicas e conexões neuróticas dos neurônios, onde se alojava a consciência?

Ana Clara procurou a resposta em Freud, já faz tempo. Não encontrou.

A razão podia ser alma, bem desalmada, sem calma, virar energia, vir do pó e ao lodo voltar depois da chuva? Se Deus existisse a razão podia ser brinquedo de Deus, esse bonachão!, se divertindo com a gente. Vai que fosse o castelo de Franz Kafka, aquela angústia impermeável e longe do alcance dos aldeões?

Uma vez ela tinha lido que o pensamento era uma coisa à-toa. E tem um cientista português de renome, um nome que não vem ao caso nem à memória, que jura pela mãe mortinha que todas as células do corpo, e não só o cérebro, pensam!

Ana Clara decidiu ir mais longe, ou porque preferia ela girar a contemplar o mundo parado ou porque sim. Percebeu, inconformada, num misto de êxtase e decepção, que a alma, a consciência, o pensamento, a razão, nada disso tinha fórmula molecular fixa, tampouco forma geométrica constante. Não são ondas nem partículas. Hoje parecem sereias indefesas, amanhã terríveis monstros onipotentes. Talvez não sejam nem energia, não possam ser convertidos em massa pelo célebre raciocínio lógico einsteiniano e=mc2, e nem existam de fato.

Ela percebeu que a alma, a consciência, o pensamento, a razão têm a espessura exata do infinito. E achou isso tão bonito que fez brotarem rosas em seu coração!

Se a razão coubesse no palpável, como explicar que toda reta não passa de um círculo de raio infinito? Como supor que a luz é a quarta dimensão métrica, o tempo podendo ser representado por metros elevados à quarta potência? Como saber que todo número divido por zero é igual ao infinito, provando de vez assim a possibilidade bíblica da multiplicação máxima de qualquer pouco?

Ana Clara sorriu quando descobriu o segredo do Universo: a razão é maior do que parece e a consciência humana está situada, bem guardadinha, num oásis profundo de perseverança em dor.

Sem querer, Ana Clara descobriu que há um esconderijo mais seguro do que o do Bin Laden. E fica pertinho. Dentro do infinito.

Nenhum comentário: