31.12.08

Sem sol

na minha cama
uma semana estranha
avança
amansa
mas não me alcança

tacanha,
minha vida invade
o amanhã de manhã
e mata de tédio
a semana estranha
que avança.

1. Teorias de Base - Semiótica - Ácida Metodologia de Base

Charles Sanders Peirce era um obcecado por triângulos, tríades e tricotomias. Três. Tudo o que aparece à consciência se dá numa gradação de três propriedades = três elementos formais de toda e qualquer experiência.

Tais categorias fundamentais, encontradas no pensamento e descobertas pela análise reflexiva dos fenômenos, estão também presentes na natureza básica universal de todas as coisas, que podem ser físicas, biológicas ou psicológicas. Peirce escolhe as manifestações psicológicas para aplicar suas categorias, pois a psicologia abrange as coisas vivas e a linguagem, que é o fundamento de toda a semiótica.

As três categorias (primeiridade, secundidade e terceiridade) se referem às modalidades possíveis de apreensão de todo e qualquer fenômeno. Para Peirce, o estudo semiótico é um estudo lógico, quase matemático. Ele acreditava que o que se precisava era de uma grande teoria, geral, de todas as possíveis espécies de signo, seus modos de significação, denotação e de informação; e o todo de seu comportamento e propriedades, desde que essas não sejam acidentais.

Um quadro às quartas

The old cemetery tower at Nuenen in the snow, 1885
Obra de Vincent Willem Van Gogh (1853-1890)

Porque

Tua companhia, ainda que distante, é infinita.

30.12.08

E quem foi que não pensou que Van Gogh podia ter vendido sua orelha para Beethoven? Pois se o músico frustrou-se pela maldição exata de ser surdo, morreu sem conhecer suas mais belas canções, o outro vai lá e decepa a orelha achando que para nada lhe servia aquele adorno horrível para as cabeças? Ora, ora, por isso a miséria nunca terá fim. Van Gogh egoísta, podia ter dado sua orelha arrancada para alegrar a existência de Beethoven. Quem sabe se assim, quando morreu, não ia ver Deus mais contente, com cara de bonachão, esperando ansioso sentado nalgum banco imerso no espaço sideral.

Beto

Será o nome do peixe.

O homem que se confundiu com o sonho e, matando-o, matou-se

Era elástico o sonho, como um estilingue novo. E puxava forte, o desgraçado. Doido para matar um passarinho de alma ou um morcego a galope. Conseguisse, seria o sonho mais feliz do mundo. Conseguisse, seria o maior assassino que já existiu. Conseguisse, apenas. Conseguisse.

Quando acordou, revisitou as lembranças e descobriu-o pesadelo. Matou-se com dois tiros na testa. Uma sujeira pelo chão. A mancha vermelha jamais saiu completamente do carpete da sala.

1. Teorias de Base - Eixo da Comunicação

Comunica: comum, única? Com+um = eu+um?, como coisa única? Unifica? Ou amplia, transcende, multiplica opiniões, repertórios, vivências, o que vivencio, o que vivencias?

Fuja dos modelos comunicacionais simplistas de teorias ultra-passadas, pra lá de passadas, e, em passadas largas, atire-se à comunicação que dinamiza, que propicia troca de papéis entre eu e você, ora eu sou “eu”, ora você sou “eu”, processo sexual assexuado, dois são um, sem deixar de ser si mesmos e sem ser o mesmo um.

Queremos a comunicação des-simplificada, em linguagem verbal oral ou não, em linguagem corporal, linguagem-gen desumanizada porque a comunicação não é privilégio régio humano, linguagem celular, via telefone sem fio pré-pago ou telefone sem fio de latinha de massa de tomate. Queremos a anunciação do enunciado, ser enunciadores e enunciatários.

Enunciador e enunciatário são os sujeitos da enunciação (discurso), cujas marcas encontram-se implícitas no enunciado (texto). O enunciador e o enunciatário, coitadinhos, carregam inquietantes inquietações:

Enunciador: “Quem sou eu para lhe dizer o que quero dizer? Quem é ele para que eu lhe diga o que vou lhe dizer?”

Enunciatário: “Quem é ele para me dizer isso? Quem sou eu para que ele me diga isso?”

PAUSA: Essa estória me lembrou Zeca Baleiro: “... eu não sei dizer o que quer dizer o que vou dizer...” Uma homenagenzinha ao Zeca. Grande Zeca.

Aplicando o eixo comunicacional ao nosso produto-amostra à mostra InVerso, temos que a revista produzida – InVerso – é um aglomerado de enunciados produzidos pelos enunciadores. No caso do produto-amostra, os enunciadores são os jornali(ri)stas Thaís, Vanessa e Edison, que se idealizam num enunciador único. Na revista em si, porém, os enunciadores serão todos os repórteres, jornalistas, fotógrafos, editores, diagramadores que participarem da construção do produto.

O enunciador tem a palavra, pá que lavra a lavoura do poder. Ele representa um deus criador que molda, com o barro comunicacional, os personagens do enunciado. É o enunciador que delega voz a múltiplos narradores, em primeira ou terceira pessoa, de acordo com o efeito que se pretende conseguir. São os efeitos pretendidos também – e o enunciatário visado – que determinam qual plano de expressão é mais adequado para que o enunciado atue sobre o enunciatário.

O discurso em primeira pessoa (enunciativo) aproxima os sujeitos da enunciação – principalmente se feito no tempo presente: a combinação eu-aqui-agora, ou mesmo eu-lá-então, confere subjetividade e realidade ao enunciado.

Já o discurso em terceira pessoa, também chamado enuncivo – o mais empregado jornalisticamente (o que não é pouco nessa época de desemprego e recessão) – cria um efeito de maior objetividade e distanciamento – o narrador fala sobre um ele qualquer, um acontecimento qualquer.

Os enunciados de InVerso apresentam ambos os discursos, levando em conta, levando em costas, o público que se deseja atingir e o efeito que se pretende obter.

No produto à mostra, nosso enunciatário implícito é o senhor Adenil Alfeu Domingues e Segundes (APLAUSOS). Mas o público-alvo, público-negro, são jovens e adultos, ou adultos jovens (entre 18 e 35 anos) não importa de que classe social, desde que com um bom nível de escolaridade.


InTrodução

É com fadiga e mal-estar que observamos o atual estágio do jornalismo contemporâneo. Nos anos noventa, por exemplo, poucos jornais se preocuparam em melhorar, seja na forma, seja no conteúdo. Talvez uma rara exceção seja o Correio Braziliense, protagonista de uma das maiores reformas gráficas dos últimos tempos no Brasil. Enquanto isso, Folha de São Paulo e O Estado de S. Paulo, por exemplo, procuravam conquistar seus leitores através de brindes como fascículos de Atlas e enciclopédias, ao invés de inovarem no próprio jornal.

Este trabalho propõe reformular, através da ruptura de velhas amarras, um produto jornalístico. A revista InVerso é toda redigida em versos ou prosa-poética e procura provocar o leitor a cada página, lançando mão de argumentos sinestésicos.

Como embasamento teórico, detivemo-nos na teoria semiótica de Charles Peirce, além de levarmos em conta os conceitos de eixo da comunicação, Gestalt e inúmeros estudos de poesia.

Somada a esta compilação teórica, apresentamos uma amostra do produto aqui proposto. InVerso é destinada a leitores preocupados em não só adquirir informação, mas sim senti-la em toda a plenitude. Uma revista para ser lida em primeiridade.

Ps.: Também estamos fadigados da linguagem monográfica vigente na Academia. Portanto, leia o trabalho e veja que saída (ou entrada!) encontramos. A porta ainda está aberta. Mas está quase fechando... Corre, corre. Corre, Adeniiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiil!!!

Terça sonora



"Said I've been crying, my tears they fell like rain,
Don't you hear, Don't you hear them falling"

29.12.08

Para começar a semana

"Quando você tem suficiente talento, talvez a ficção consiga influenciar a realidade."
Van Gogh doido, coitado!, ou sorte, vai saber. Não tinha a menor consciência do que ocorria, ou fingia que não tinha, e pintou os seus melhores quadros nesse seu estágio final de torpor e loucura. Insensatez que queria às vezes Ana Clara ter, só para profanar os valores que eram lhe ditados desde criancinha, só para reclamar os direitos que sua condição de animal lhe pedia. Só para impedir que a fome fosse uma realidade no mundo.

Resolução de Ano-Novo

Em 2009, estarei frequentemente sem ideias.

Vou sentir falta da velha-língua boa de se escrever.

Passo-a-passo

  • Crie um método complicado para descumprir;
  • Ensine o método complicado para burros;
  • Esqueça o método complicado para sempre;
  • Finja que não inventou o método complicado para os amigos;
  • Critique o método complicado para todos.

2009

I. a guerra.
contra: os asteriscos assustados, os hífens caídos e os pontos, irritantemente terminais.

II. o sonho.
com: as tremas ressurretas, os acentos tal-qual-são(-eram?) e os beijos de antigamente.

III. o eu.
de: alfabetos inventados, vocabulários inexistentes e a vontade de nunca parar de escrever.

inverso

tudo o que for inverso, tem seis mãos - duas devidamente algemadas.

28.12.08

Eu e você

eu e você
eu e você
eu e você
eu e você
eu e você
eu e você

como se a repetição
fosse o etcétera;

como se a vida
fossem as reticências;

como se o amor
fossem as lacunas;

como se eu
fosse você.
E a miséria nunca terá fim. A frase, incrustada nos recantos perdidos da mente, fazia Ana Clara desabrochar em uma lágrima preguiçosa, que ia escorrendo devagar. As pessoas que andavam afoitas na rua não eram capazes nem de perceber a música de Beethoven, quanto menos as lágrimas lentas, quase nada, quase invisíveis do rosto dela. E Ana Clara sabia que a frase foi a última dita por Van Gogh, em seu leito de morte.

Domingo, foto

The dove, 2006
Clique de Loretta Lux (1969- )

27.12.08

Mas, afora isso, afora as belezas que cercam a imaginação, Ana Clara percebia, não era tola ela, que era tudo ilusão, que o mundo anda complicado demais para caber a felicidade. E vai ver até a cicatriz do sol foi um tombo cruel e ele pode estar se reclamando para si mesmo ou para seus colegas do espaço: - Êta, êta, êta... Sei não até quando suportarei essa dor que não me mata de verdade mas me mata de dor. Êta, êta, êta... Acho que vou me aposentar.

26.12.08

Ana Clara se lembrou que era artista de pensamento. Isso porque nunca tinha sequer pintado um quadro, nem era boa em fazer desenhos, nunca se viu estampando figuras em lugares nenhuns, mas sentia por dentro um ímpeto de que tinha viço para deslumbrar o mundo com magníficas pinturas. E o dia merecia um quadro, óleo em tela, óleo em bela, óleo dela, óleo que lembrava o calor da sua cama quentinha, dela quentinha, dos devaneios da noite.

Filminho de sexta



Assim eu topo levar o cachorrinho para passear.

25.12.08

Instante da estante

AMADO, Jorge. A morte e a morte de Quincas Berro Dágua. Rio de Janeiro: Record, 1999.
Via as pessoas como se fossem pessoas de verdade. E todos parados, olhando ao redor, eram um delírio sadio, engraçado. A luz que vinha de cima parecia opaca, como se o sol tivesse caído, levado três pontos, e mostrasse uma cicatriz simpática no meio da testa. Shhh, shhh, shhh, shhh, era o vento botando o dedo em riste no meio dos lábios, dizendo para as gentes andarem mais devagar, menos ruído, shhh, shhh, para não acordar neném, para não atrapalhar sinfonia de Beethoven, para não apagar os sonhos bons. Shhh, shhh, shhh, shhh... bem de levinho o vento avisando que a vida amanheceu bonita e pronta para ser vivida.

24.12.08

Um quadro às quartas

Broadway Boogie-Woogie, 1942/43
Obra de Pieter Cornelis Mondriaan (1872-1944)

numeralha

o carro está no h27
são 1h53
cpf? 308.316.790-40
não ultrapasse 120 km/h
tomar 3x ao dia
custa R$ 59,90
leva umas 4h20
acabou 2x1 para o Palmeiras
hoje é dia 24
havia umas 20 pessoas
ande umas 4 ou 5 quadras
à vista ou em 6x sem juros
morreram 31 peixinhos
a saída é no km 226
A diferença era que era ela quem pensava. E andando no meio da multidão vinha-lhe à cabeça uma sonata de Beethoven, como se a música privativa e muda fosse, que só ela ouvia e se deliciava. Os outros, no caos urbano, não percebiam os estímulos delicados do compositor alemão. Ana Clara sentia-se feliz por redescobrir o mundo dessa forma, e sua felicidade impregnada dos anos tenros de sua juventude, a completavam cheia de um riso sincero, sorriso, só riso. Nada de novo detrás do sol.

23.12.08

Retrospectiva introspectiva

Por isso sempre em cada abraço eu tropeço, depois me esqueço. Peço outro verso, outro abraço, outro céu. E me esqueço de novo. Mereço.

Por isso, e não mais que isso, sempre invento um vento que vem do leste, franzino, só pele e osso. Pelo avesso, que é para outro tropeço acontecer. E me esqueço de novo. Mereço.

Por isso sou um seresteiro solitário a enganar os nervos alheios. Servo do verso, raposa de prosa, um sopro que jamais aconteceu. Acontece. E me esqueço de novo. Mereço.

Terça sonora



"Far from home, elephant gun
Let's take them down one by one"
Ana Clara decidiu se vestir. E, vestida com a roupa vigente na moda da estação, esquecia que era alguém para se tornar mais uma. Camuflava seus sonhos e desejos e virava apenas um ícone no meio de tantos outros.

De mônios e manias

cada alma que escapa
é um riso que espera
o que tanto segreda
se nem nada lhe agrada

no fundo cada espanto é um sossego
e em cada aborígine há um algarismo
a enquadrar as raízes desse quintal

cada palmo que separa
é um salmo que pareia
o que tanto lhe agride
se nem nada degrada.

22.12.08

Para começar a semana

"Jamais escrevi pensando no leitor. É uma viagem meio autista. Depois que o livro é entregue à editora, aí é um produto."

Ana Clara decidiu se vestir. Depois da noite maravilhosa, da chuva chovendo, da carta para Deus, era hora de pôr roupas e ser gente novamente. Agora até nome ela se lembrava que tinha e então era mais uma pessoa pronta para o convívio social. Não era mais nua em verso, em pêlo, em pele ruborizada e tranqüila. Não era mais quentinha, cheiro doce que emanava de sua cama e para sua cama. Agora era gente novamente, com toda a implicância que tal conceito traz consigo, sem pestanejar nem se revoltar com nada.

21.12.08

as mentes que escorrem pelo ralo do universo são as mais puras, as mais singelas, as mais adequadas que já existiram neste mundo. isto é sinceridade.
Enquanto isso, Eva, a garota experimental que vivia batendo as canelas nos móveis quando tropeçava no escuro, ponderava novas visões do cosmo:
- De que me vale um diploma se a miséria impera em todas as nações do mundo?
- De que me importa ser mal-vestida se minha honra pode ser aparente em uma sociedade hipócrita?
- Será que mais me valeria ser stripper de uma casa noturna ou protagonista dos sonhos eróticos de adolescentes imberbes?
- De que me vale fingir ser bêbada revoltada com os preconceitos que regem os costumes usuais do mundo se ao final das contas não passo de mais uma corrompida?
- Será que um dia ainda terei coragem de pular do alto da Torre Eiffel cantando Raul Seixas bem alto pra todo mundo ouvir?
- Será que os franceses vão entender a genialidade do Raul, em português?
- Estou olhando o mundo pela janela.

Domingo, foto

The book, 2003
Clique de Loretta Lux (1969- )

19.12.08

Mágica


Incerto


Lembrete

nem tudo que evapora é gás,
nem tudo que escorrega é liquido.

Contagem regressiva

Cérebro

se é intermitente a dor de cabeça o melhor a fazer é arrancá-la fora. tirar de dentro as nuvens de nada e colocar um cérebro novo, de preferência que pense melhor, que pense mais claro, que pense diferente, que pense.

no dia em que inventarem, eu topo. para sentir-me novo de novo, calado, taciturno com razão, sóbrio, sorumbático de verdade. porque de falho, já basta o espírito.

Filminho de sexta



She's leaving home. Again.

18.12.08

Instante da estante

REINA, Eduardo. No gravador. São Paulo: RG Editores, 2003.
se estiver com alguém que saiba onde estou, por favor, pergunte.
preciso da resposta.
para tentar me achar.

17.12.08

Crise mundial


Um quadro às quartas

O moinho vermelho, 1911
Obra de Pieter Cornelis Mondriaan (1872-1944)

9. Noite contente

- A noite de Natal tem netos?

- Não. Só papais. Noéis.

- Todos trajam preto?

- Não. Só os mortos. Vivos.

- E tentam atirar presentes?

- Não. Só aos bons. Meninos.

- Tanto tentam que até atentam?

- Não. Só os amigos. Secretos.


- A noite de Natal tem estrelas?

- Não. Só as anãs. Vermelhas.

- Todas saltam com botas?

- Não. Só as astros. Nautas.

- E tentam tirá-las também?

- Não. Só os tiros. Livres.

- Tão tontas que até acreditam?

- Não. Só as vagas. Lumes.


- A noite de Natal tem atrasos?

- Não. Só os rádios. Relógios.

- Todos despertam terça e quarta?

- Não. Só às quintas. Feiras.

- E tentam trapacear os tolos?

- Não. Só os joões. Bobos.

- Tanto que o tempo até inventam?

- Não. Só os passa. Tempos.


- A noite de Natal tem infinitos?

- Não. Só os buracos. Negros.

- Todos tragam e trazem tudo?

- Não. Só os versos. Brancos.

- E tentam tardar até o infinito?

- Não. Só as rodas. Gigantes.

- Tão espertos até até até tombam?

- Não. Só os cata. Ventos.

Entrenuvens

meu céu
não é teu céu

é seu
céu

ateu
a teu céu

meu som
teu tom
seu azul

meu céu
não é seu céu

é teu
céu

menecma
de mim
meu
teu
seu
céu

nosso não há
nem nada
nem não
céu


céu

16.12.08

prefiro peixes
que só entendem.

Terça sonora



"Quando eu vi que o Largo dos Aflitos
Não era bastante largo
Pra caber minha aflição"

alucina

sei como toda pele
é erótica
se não repele
que toda pede
é erótica
se não despede
que toda pese
é erótica
se não despreze
que toda prece
é erótica
se não apresse
que toda
toda
toda
toda
que toda é toda
erótica
que toda
foda.

15.12.08

cubo mágico

prometo
um cubo
de idéias
para guardar.

e desmontar
e montar
e quebrar
e colar.

depois jogar tudo fora
de novo.

Ecossistema próprio

observar dias no aquário é um exercício-terapia no mínimo interessante. alguns, irrequietos, olham-me feito interrogações nervosas. outros, calmos, têm um jeitão meio blasé. há ainda o subgrupo daqueles que se escondem como se devessem algo ao fisco.

no absurdo das idéias, cada aquário é um mundinho do deus-dono-do-aquário. que tem poder de criar e destruir o mundo em sete dias, sete horas, sete minutos. porque sou o senhor do tempo.
Para driblar o frio, sal.
a literatura existe porque é uma arma letal que o homem inventou para assassinar vermes chatos que catimbam contra o pensamento. eu não gosto. prefiro assistir a um filme, ouvir uma música nova ou morrer mais uma vez, daquele jeito que sempre faço.

Para começar a semana

"De todas as companhias para um escritor, nenhuma é mais valiosa do que um dicionário."

Victor-Marie Hugo (1802-1885)

14.12.08

esqueço
tudo o que
alcanço.

se canso,
se lanço,
meu ranço
avança.

Poemapronto do descumpridor de prazos

de prazos que desprezo
desconfio que gosto

que de tão apertados
os ponteiros lambam
de minha religião
relógio ilógico

e cada lambida do tempo
alimento
com a língua atenta
um tempo
novo
de novo

que de tão apartado
aponte com o dedo
um ponteiro na contramão
desapontado

depois o intento:
um atentado contra
o próprio tempo
de prazos
desprezos.

Domingo, foto

Lípsia, 2008
Clique de Regina Cazzamatta (1983- )

13.12.08

Aquário

colecionáveis
as vidas do aquário
soluçam bolhas de segredos.

cada uma com seu tediozinho
de bater no vidro
infinitamente.

é como morar dentro
de uma televisão
que não se desliga.

Dimensões da imensidão

em lágrimas pergunto
com quantas pequenices
se faz um tamanho

é tanto tanto
e o espírito tão tacanho
que fico junto
inventando issos
e vivendo aquilos

no fundo
tudo
o que pergunto
não tem resposta.

12.12.08

Filminho de sexta



Memória paulistana. Pelos estadunidenses, em 1943.

Circunflexa

sem valia
é minha vontade
de voar.
Foi quando, ao assinar a carta para Deus, que ela se lembrou que, como gente que era, tinha também um nome. Antes ela só sabia que era ela, nada mais do que ela. Agora é Ana Clara.

11.12.08

Instante da estante

SWIFT, Jonathan. As viagens de Gulliver. São Paulo: Clube do Livro, 1956.

Travesseiro

sem tamanho
é o sono
que coleciono.
“Caro Deus
(sinceramente, até hoje não aprendi se tenho que o tratar por você, senhor, vossa excelência ou outros pronomes antiquados e feios)
Hoje amanheci com vontade de escrever um bilhete para as estrelas. Então me disseram que a estrela não tem vida e eu fiquei pensando assustada porque a gente se fia em papo de astrônomo que garante estarem vivas várias estrelas e não todas estarem mortas e nós aqui sem sabermos por causa da morosa velocidade da luz. Já pensou se amanhã ou depois a gente acorda e está tudo escuro porque as estrelas já morreram e a luz já se cansou e cumpriu todo o caminho até nossos olhos? Um apagão intergaláctico culminaria com o fim de tudo ou a tristeza seria, como sempre, só passageira?
Acho que você não deve ter a resposta para esse meu dilema, pois já perguntei até para o garoto mais inteligente da turma e ele também não soube me responder, de tal forma que não seria você o sabe-tudo capaz de solucionar a questão. Um dia eu vou conhecer algum gênio americano de Harvard, daqueles que aparecem em filmes de ficção científica, e então obterei a certeira.
Agora me explica uma coisa? Para que servem os anjos? Quando ocorrem as fatalidades eles estão de férias ou apenas tirando um costumeiro cochilo depois do almoço? Como vou saber o nome do meu anjo? É sempre o mesmo ou de vez em quando eles são trocados? Quando eu morrer ele se aposenta ou recebe outra missão de defesa para cumprir? Os anjos são filhos de quem?
Ando preocupada com outro ponto fundamental da história. Sempre aprendi que você, sendo criador, existia antes de tudo. Então você é filho de quem?
Vou terminando por aqui, pois tenho uma porção de grandes coisas a conquistar e não posso ficar aqui parada. Espero ansiosamente que me responda, senão quando eu morrer e chegar aí vou lhe dar um puxão de orelhas.
Beijos de
Ana Clara.”

10.12.08

Um quadro às quartas

Composição com vermelho, amarelo e azul, 1921
Obra de Pieter Cornelis Mondriaan (1872-1944)
Por isso era só ver chuva chovendo que logo desabrochava a vontade de escrever uma carta. E para Deus a carta desta vez tinha de ser bem caprichada, para ver se ele respondia. Será que tinha caligrafia bonita? Achava que não, um homem ocupado como ele não ia ter tempo disponível para ter letra enfeitada. Mas também não podia ser letra de médico, afinal nem todo mundo é farmacêutico para entender aquelas garatujas. Será que Deus fala português? Com essa onda de globalização é perigoso ele ter que apelar para algum intérprete, pois deve ter aprendido apenas o inglês...

9.12.08

Armas, almas

as armas que escorregam das mentes mortas
esquecem de atirar no mais importante.

enferrujadas, manchadas de sangue, verdazuladas,
erram todos os alvos, confundem as almas.

as almas que escorregam das mentes mortas
esquecem de tirar o mais importante.

Terça sonora



"Newspaper taxis appear on the shore
Waiting to take you away
Climb in the back with your head in the clouds
And you're gone"
- Deus é onipresente, onipotente e onisciente – dizia, mesmo sem convicção, o patético professor de religião. E quando ela perguntava se tinha sido Deus que havia dito aquilo ele ficava desconcertado e gaguejava que estava na bíblia ou no livro do catecismo. E tudo ficava por aquilo mesmo, afinal com autoridade ninguém se mete para não levar castigo feio na frente de todo mundo. E podiam pensar que ela estava possuído pelo demônio ou falando em nome de algum discípulo de satã.

8.12.08

Para começar a semana

"sob o nanquim da incompreensão
ressurgem as palavras
letra por letra,
verso a verso,
varam o escuro e
rebrilham à luz de outro tempo

de nada adiantou tapar palavras
nunca adiantou perseguir idéias
jamais adiantará calar versos

se idéias palavras
seguem tramando
interditas
na trama dos versos
subterrâneas
subversivas
vivas

seguem buscando
como dizer e dizem:

apesar da violência
a despeito das tormentas

dizem
da força
do que as escreveu

dizem
da persistência
da poesia

dizem
do carinho dos que
as preservaram

cada letra palavra
a romper o escuro silêncio
é testemunho
do mundo livro
é lembrança
do poder do vivo
livro

os que em vão pintaram
os versos de petrarca
não contavam
com o poder do tempo

não contavam
com a força do verso
não contavam com
petrarca josé e guita
para fazer do livro
completo organismo
para fazer
da palavra vida!"


Frederico Barbosa (1961- )
Por isso era só ver chuva chovendo, neurônios mais rápidos catalisados pelos íons chovidos, vontade louca de pegar um papel e escrever. Escrever uma carta para alguém que talvez ninguém conhecesse. Uma carta pra quem? Para Deus? Escrever uma carta para Deus parecia ser uma idéia interessante pois ela sempre tinha desejado falar com Deus para saber se de fato ele existiria. Mas quem entregaria a carta a Deus? Qual o endereço de Deus?

7.12.08

De belezas inequecíveis

Algumas coisas acho especialmente bonitas. De doer, escorrer entre os dedos, parecer água limpa. Algumas coisas acho principalmente bonitas. E é isto que, de certa forma, me deixa vivo, feliz, humano. Porque a beleza é força absoluta, magia, sensação. A beleza é a gradação contínua rumo ao tudo, ao que há e o que nem há porque ninguém ainda foi capaz de inventar.

Nas horas vagas, gosto de desinventar feiúras. Para aumentar a média de beleza no mundo. Mas nem sempre consigo. Entre um passatempo e outro, penso que deveria me dedicar a desinventar feiúras também nas outras horas, em que estou ocupado demais em ganhar dinheiro. O dinheiro não é das coisas mais bonitas: é sujo, passa de mão em mão, cheira mal, tem uma textura asquerosa e serve para diferenciar as pessoas. É isso. O dinheiro é estranho porque tem como serventia preferencial justamente rotular a humanidade, ao dividir humanos entre gentes e indigentes, cheio de castas intermediárias.

Mas falávamos das coisas bonitas. O culto à beleza, esta rara e bruta flor de inconstâncias, está na percepção da simplicidade como alma máter da sociedade. O simples é belo. Ponto. Simples não é malfeito, nem desfeito, nem rarefeito. Simples é o justo, o junto, o júbilo. Simples. Simples é o poema que brota de talento e talante; o orvalho que seca antes de cair no chão e, vapor, fica pronto para virar nuvem de novo; o sonho que faz o cérebro da gente sorrir por dentro.

Acho que não preciso de mais nada.

Domingo, foto

No hablo español, 2008
Clique de Juliana de Faria (1984- )

6.12.08

De sábado

cada beijo que invento
é um percurso escuro
de perda de sentimento.

o frenêsi, o tempo lento,
a cidade que se consome,
depois some toda dentro.

todo absurdo eu comento.
- Professora, por que as pessoas escrevem? Eu nunca vi um cachorro escrever e parece ele ser muito feliz do jeito que é... É verdade que os animais não escrevem? Quem inventou lápis, papel, caneta, giz de cera, pincel atômico, bomba atômica, equações do segundo grau, números complexos? – Num surto parecia que vinham à tona todas as perguntas cruciais de sua existência, exatamente as mesmas dúvidas não respondidas que têm o poder de transformar a concepção do universo, os conceitos de mundo e submundo, a sujeira que ninguém limpou ou que foi varrida pra debaixo do tapete da sala de estar onde a burguesia se reúne para tomar café e maldizer a vida alheia.

5.12.08

Filminho de sexta



O carro é uma merda. Mas o comercial é bem bacaninha.
Gosto de mudanças graves, defeitos agudos, saudades crônicas e verdade ácidas. O resto é ki-suco.
Por isso era só ver chuva chovendo, e a chuva chovia tão bonita naquele dia que não parecia nem água, mas sim diamantes feitos na melhor sala do laboratório-natureza, era só ver chuva chovendo bonita que ela tinha vontade de botar para fora todos os sentimentos contidos. Segundo a sua crença própria, essa era a maneira que o seu organismo encontrava para manifestar o poder catalisador dos íons da chuva. Então dá-lhe papel e vamos escrever uma carta para alguém. Quem será esse alguém?

4.12.08

Instante da estante

BARBOSA, Frederico; RISÉRIO, Antonio. Brasibraseiro. São Paulo: Landy, 2004.

Constatação

Em pensamento, o poeta lisboeta jura:
Arrependimento não tem cura
Nem salvação
Nem retrocesso.

Eu que não nasci em Portugal
Nem perdi o lugar
Nem sou poeta
Sou obrigado a concordar.

Em silêncio.

cruzeiro (em dólar)

enjoy
e
enjoe.
Uma vez disseram que a chuva quando chovia mexia num não-sei-quê e liberava ou produzia, não tinha entendido muito bem, um monte de íons que eram partículas elétricas. Então ela sempre achava que os íons tinham a função de catalisar as reações dos seus neurônios. Talvez fosse, aliás, o único ponto em que ela acreditava nas ciências aprendidas na escola, mesmo porque era o único ponto que ela poetizava as ciências apreendidas por seu cérebro.

3.12.08

Interrogações sorumbáticas

Por que você some às vezes?
E onde se esconde tem chave?
Há uma cópia debaixo do tapete?
Fica um cachorro bravo de vigia?
Você dorme bonita ou fica acordada com insônia?
Por que você some dentro dos meus sonhos?
Vai voltar a aparecer impunemente com o verão?
Posso me perder em seus novos e-mails?
E me encontrar nas entrelinhas de alguns deles?
- queria comprar sono.
- mas quem tem pra vender?
- não sei, não sei, mas compro.
- e quem tem pra vender?
- queria comprar sono.
- e quem tem pra vender?
- não sei, não sei, mas compro.
- e quem tem pra vender?
- queria comprar sono.
- e quanto custa se eu não sei?

Um quadro às quartas

Evolução, 1911
Obra de Pieter Cornelis Mondriaan (1872-1944)
tudo o que é canhenho, tem quatro mãos.

2.12.08

Enquanto isso, Eva, a garota experimental que naufragara feito Dinamene de Camões na leveza tormenta do Atlântico meridional, monofilosofava pensamentos originais e perturbadores:
- Quem inventou a pena de morte pensa que com a morte de quem matou vai resgatar a vida de quem morreu matado?
- E o carrasco por ser matador também não merece a morte da pena instituída?
- Fico pensando... A agulha da injeção letal tem de ser desinfetada, descartável, diabo a quatro, ou não?
- Quem vai ter coragem de revolucionar os valores pré-existentes para quebrar a ordem estabelecida?
- Tem gente que tem medo de fantasma. Por que é tão difícil assim ter gente que tem medo da gente? Ou estou equivocada?
- Quem vai prostituir os neurônios em busca de uma neo-análise crucial da existência humana?
- Quem inventou o trabalho não estava contente em não ter mais o que fazer?
- Vou tomar banho. Quer vir comigo?

Terça sonora




"O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração"

1.12.08

Pequeno balanço

Toda semana recebo um e-mail com as ofertas da Livraria Martins Fontes e penso que já não cabem mais livros em minha estante - mas cabem muitos, infinitos, em meus olhos tremendamente míopes;
Todo mês tem lua cheia;
Toda semana prometo para mim mesmo que vou organizar minha vida: responder centenas de e-mails pendentes, acabar aquele projeto, costurar um lembrete mental para não me afundar em outros, ir ao médico cuidar do estômago - desnecessário dizer, evidentemente, que jamais cumpro promessas que faço a mim mesmo;
Todo ano completo aniversário, mas isso não é importante porque é assim com todo mundo que não morre antes;
Toda noite eu choro;
Todo dia alguém me liga com alguma história estapafúrdia do tipo "você precisa fazer uma denúncia porque meu filhinho teve o sapato engolido pela escada rolante do Shopping Morumbi" - sinto muito por ter educação para ouvir tudo antes de desligar;
Todo mês eu queria viajar para onde o dinheiro desse, mas o dinheiro nunca dá então eu fico em casa;
Todo dia eu escrevo;
Toda hora sonho com aquele seu olhar.
quanta coisa não cabe aqui.

Para começar a semana

"Não defendo meus livros, apenas os escrevo."

Anne Enright (1962- )