14.9.07

Poesia crônica

Acordei o sono dos que não morreram.
Vesti a poesia mais bonita do guarda-roupa e escovei meus dentes brancos com o sol da primavera.
Olhei-me ao espelho molhado por respingos humildes d´água. (O melhor espelho são os olhos da mulher amada!)
Embebedei-me dum gole de café negro feito escravo e fui trabalhar quase atrasado.
Meu trabalho é estranho. Deveras estranho.
Vivo de viver, ou melhor:
Vivo de colher flores extintas
Para que se façam raros buquês
Para amores mais raros ainda.

Acordei o sono dos que não dormiram.
Vesti o medo. E o medo usava óculos.
Escovei os exóticos e perigosos desvãos da imaginação. Tentei sorrir mas não consegui.
Procurei os cacos do que fora um espelho. Esperei lá fora, com os cabelos despenteados.
Não encontrei açúcar algum pra adoçar meu café de minha vida. Cuspi nada num dia qualquer lá na frente.
Não fui trabalhar porque me estava triste. Muito triste.
Era como se morresse, ou melhor:
Transpirasse hipérbatos negativos
Como se houvesse água em pó
Para saciar a sede de quem vive na seca.

Acordei o sono dos que não sonharam.
Vesti uma roupa tão velha quanto colorida mas todas as cores sumiram abruptamente. P&B.
Olhei-me ao relógio e os ponteiros girando deram-me idéia de quão tresloucado estou. Olhei-me no relógio, preso por um centro, andando em círculos, sem sair do lugar embora sem parar.
Não achei nada na geladeira para o desjejum. Ainda bem que vou virar faquir e viver de fotossíntese.
Tropecei em todas as plantas do meu caminho:
Elas ficaram com inveja por eu também fotossintetizar
E decidiram me passar rasteiras...
Egoístas!

Acordei o sono dos descamados.
Vesti as asas do meu defunto anjo e tentei voar. Caí e quebrei a clavícula esquerda.
Olhei meus olhos refletidos nos doces seios da lua quando São Jorge me fitou enciumado e soltou seu dragão-de-guarda pra cima de mim.
Vi um velho pensando e fotografei o pensamento dele. Sempre quis fotografar pensamentos, ainda que inócuos.
Saí correndo atrás de algodão-doce
E o vendedor ficou espantando
Achando que eu não vivera infância...

Acordei, de verdade.

Um comentário:

Anônimo disse...

Edison, preciso te dizer uma coisa: esse é meu post preferido. Não preciso mais vir ler nada aqui pois nenhum outro irá ser melhor que este...rs
Você pode até tentar, quer dizer, se quiser perder seu tempo...
Pensando bem, não pare, parte da diversão agora vai ser aguardar
e torcer) para que você se supere!!
Amei! Que todas as suas sextas-feiras sejam assim, inspiradoras..
Um beijão!!