6.12.07

por que escrever com a janela aberta, 6.º andar

Às vezes paro. Só às vezes. Paro para admirar as estrelas aqui da janela do meu apartamento e fico pensando nas esperanças defenestradas sem dó nem nada. Por que tanta gente joga fora essas ilusões cadentes?
Fico me lembrando do seu sorriso azul, quase de chuva e vento, e num instante percebo que tudo o que foi já era mesmo para ser vivido e, não de outra maneira, o que é vivo sempre morre um dia. Fico me lembrando do seu jeito amarelo, quase espontâneo e afoito, e num instante outro percebo que tudo tem seu jeito inesquecível de ser, mesmo que o ser nunca tenha sido completamente. Fico me lembrando do seu olhar verde, quase siga-me e não chore, e num instante outro ainda percebo que tudo é explicado sincera e singelamente, mesmo que inexplicáveis sejam os revezes que adornam a nossa existência. Fico me lembrando do seu eu vermelho, quase gênio difícil de ser entendido, e num instante mais outro ainda percebo que tudo tem sua paciência e sua calma.
Agora estou parado. Agora estou nestes às vezes em que paro para admirar os corpos que caem da janela carregando consigo a esperança de um mundo melhor, de um amor com gosto de chocolate, de rosas em vez de bombas estúpidas e gélidas.
Hoje, enquanto escrevo estas parcas e tristes linhas, é o primeiro dia da Guerra. Fico pensando nessa realidade que agora está tão longe mas que, numa burrada qualquer, pode se transformar em nosso problema. E não quero, não quero mesmo, ver da minha janela bombas caindo no horizonte, ainda que o espetáculo luminoso pareça belo tanto como fogos de artifício. Não quero mais ver sangue no jornal também. Por que a melancolia é assim?
A tristeza é uma condição que conquistamos.
Não quero que seu sorriso azul se perca como uma borboleta morta. Quero que continue sempre azul, voando e assim colorindo de vida este pouco espaço que nos resta. Não quero que as outras maneiras contagiem toda a existência humana, que um dia nos afundemos todos no caos abrupto e injusto que é um abismo inextinguível. Não quero. Não quero. Não quero.
Não quero que seu jeito amarelo jaza na cova insana dos covardes. Pusilânime, diria. Porque seu jeito não pode de repente num outro repente des-ser o que terá sido, o óbvio, o máximo, o supremo mas não supérfluo. Não quero que as mãos deixem de se tocar como se o amor nunca houvera ou tivesse havido, o que sempre dá no mesmo. Não quero que o oceano seja jamais profundo. Não quero? Não quero? Não quero?
Não quero que seu olhar verde num átimo novo madure e assim se esvaiam todos os sonhos plantados outrora. Outra hora também não vou querer. Não quero saber de sementes recentes tampouco das inovadoras descobertas da oftalmologia para amarelescer olhares verdes via raio laser. Não quero que seu olhar cresça e deixe de ser essa coisa sutil que rompe da sua face. Não quero! Não quero! Não quero!
Não quero que seu eu vermelho saia de si e vire cólera e vire ódio e vire eu contra você. Que o vermelho continue sintetizando aqueles sentimentos mais bonitos da família do amor, mesmo que amor não haja muito em tempos de Guerra. Não quero nem saber seespaço para tanto; em qualquer frestinha parca qualquer canto já lhe serve porque o amor tem essa dimensão de se ajeitar no incabível e se apertar no inacabado. Não quero é o gelo nem a raiva. Não quero... Não quero... Não quero...
O rádio ligado me dá uma dimensão fluida de que as músicas trazem as lembranças para perto. Mas também me informa a hora, avançada já madrugada adentro, tristíssima condição a que os poetas acostumam-se com dificuldade: a diminuição crescente do sono.
Q
uem é que vai guerrear?

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