16.12.07

apelo sentimental

(Naquela quarta-feira fatídica, depois dos poréns e dos entretantos, nada mais me faltava acontecer. Tanto que quando cheguei à aula de italiano:
- Ciao, buona sera!
Meu ímpeto foi entender a costumeira saudação como uma despedida, dar meia-volta volver e zum! – zarpar feito vento de volta para o infinito donde vim. Mas não:
- Buona sera professoressa. Come stai?
- Beníssima, grazie. E tu?
- Bene, professoressa, bene. Soltanto um poco stanco, io credo...
Mas me faltava a firmeza e o brilho no olhar. Estava velho, nem reflexo no espelho tinha mais e meu peito arfava feito solilóquio doente.)

***
Trago as coisas belas no olhar: o brilho e a incompletude efêmera do teu sorriso preso em minhas retinas e o jeito triste de meu ser conduzindo-nos à imperfeição de errarmos sempre.
Mas onde estás quando minha lembrança te persegue e carrego a tua simples essência abstrata tatuada indelevelmente em minha alma? Éter... Eterno? Não interessa: só o que resta é a neblina, a opacidade do já-foi, permeado de todavias e contudos.
Acendo um cigarro inexistente só pra parir a chama outrora quente que nos unia. Chama? Quem me chama se agora o que ouço é o silêncio renitente de tua voz?
Palavra. Palavra. Palavra.
Vá pra lá, palavra, que quero escrever. Pois é pedra me atrapalhando intrépida. Abracadabrando, preteia o prévio clarão negro substrato. Palavra: prato trêmulo trincado e truncado de atrasos e tropeços. Apresento meus segredos, agrido e desagrado pois sou degredo frio e degradado. Desajeitado também.
Meus olhos agora vivem a cataventar e cataventando busco o tudo e o nada que perdi em ti. E onde estás quando o que sobrou foi só a caricatura do que fomos?
***
Compro sucrilhos pra brincar de pretexto. Deixo a chuva chover achando-a cheia de xodós enxeridos. Sonho e caminho sozinho. Perco-me de mim mesmo.
Leio um livro de poesias velhas. Pinto cada página com a não-cor que me faz lembrar de ti. Suspiro. Sussurro. Murmuro palavras sem nexo enquanto durmo, ou tento dormir.
No fundo, cata-vento coisas estranhas de dentro do meu coração, reverberando um passado que de tão próximo já se faz perdido, longínquo.
Quebro regras. Por prazer.
***
Às vezes eu morro, bem devagarinho. Só às vezes. Às vezes. Costumo morrer como quem pinta um quadro: começo com a dor do pensamento e termino com o orgasmo de ver-me obra cumprida, vida cumprida, ainda que levemente vazia – leve porque vazia?
Remédio?
Se te perdi no espaço, jamais voltarei a te procurar pois tive asas amputadas. Busco apenas. Busco como verbo intransitivo.
Sinto-me cata-vento. Vejo-me preso por um eixo, girando, tentando voar, tentando desprender-me de mim mesmo. A inércia nos corrompe. Sinto-me cata-vento e não sei mais voar.

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