O telefone tocou, matando mais um texto:
- Alô!
- Alô!
E quedou-se mudo, diante da aloqüente exclamação álica, porque não alada, mas sim alô. Quedou-se mudo, o aparelho caiu e despencou céu abaixo, matando três pessoas no tilintar de seu diz-que-diz-que, no decrépito viés de seu gancho, nos fios hermafroditos de seus botõezinhos, na falta de discernimento se pulse ou tone.
A primeira vítima era um executivo de terno, óculos escuros:
- ... então mande deixar todos os documentos sobre minha mesa! E não me faça mais perguntas idiotas, quero vê... – e foi interrompido, morrendo de celular em punho, raiva nos olhos, força entre os dentes, boca franzida, camisa nervosamente suada.
A segunda vítima era um funcionário da empresa telefônica. Aliás, um funcionário da empresa que presta serviço à empresa telefônica, já que, faz muito, a empresa telefônica não passa de um ente a contratar serviços, terceirizando toda a mão-de-obra que abracadabra. Ele trajava camisa verde-limão e calça de um azul ridículo. Estava fazendo a manutenção de um aparelho e, para efeito de teste, dizia:
- Testando aparelho. Um, dois, três. – E enquanto esperava por uma resposta, sentiu um solavanco na cabeça e o tum-tum que veio foi do telefone alienígena caindo, caindo, caindo. Antes de morrer ainda pensou na mulher e nos três filhos a quem deixava prestações a pagar e se perguntou como era que a coisa que lhe bateu conseguiu transpassar a fibra de vidro do orelhão. Foi enterrado com uma bruta cara de interrogação, em cerimônia simples.
A terceira vítima tinha sete anos e ainda acreditava que era possível ser criança de verdade e brincar de telefone de latinha. Mesmo que seja cada vez mais difícil encontrar massa de tomate que não venha em embalagem Tetrapac.
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