14.4.08

Fora de contexto

Custei 28 anos para entender como as pessoas são diferentes. Aí me olhei ao espelho e refleti acerca das horas, porque havia um relógio na parede espelhada. As pessoas, estranhamente diferentes:

- Vou botar um piercing no nariz!

- Meu grito de liberdade é meu corpo em atuação.

- Deus, Deus, Deus...

- Custei 28 anos para entender como as pessoas são diferentes.

Seu nome era Aderogil, sentia-se um remédio e escrevia para espantar os fantasmas que moravam em seu coração ciumento. Seu nome era Asdrúbal, percebia-se um enfisema social e chorava para afugentar os bandidos que teimavam em assaltar seus sentimentos. Seu nome era Alfredo e andava para trás feito caranguejo duma ilha de Parati.

Todos diferentes, 28 anos depois percebo. Então saio dando tiros e apagando todas as luzes. As paredes ficam furadas depois. A escuridão consome os medos e insiste em segredar: mas, shhhhh, as paredes têm ouvidos; shhhhh, as paredes têm um relógio pregado nelas que espelham pra dentro.

Cada texto que começo é pretexto. Cada texto que termino é postexto. Cada dia é um ônibus novo a bater em cima do acidente:

- As pessoas, estranhamente diferentes.

- Uau!

- Ué...

- Uai!?

Em Minas Gerais não neva jamais. Em Atacama não chove nunca. No Pólo Norte o sol demora seis meses pra se pôr (belas fotos! belas fotos!). Por dentro é só a dor, a saudade, a tristeza, a impotência de ser gente de verdade. 28 anos de inutilidade. 28 anos de fraqueza. 28 anos...

Em São Paulo mora uma menina de quem gosto muito. Ela olha pela janela, mas da janela dela só dá pra ver prédios e prédios e prédios e mais poluição. Não tem pôr-do-sol, não tem três-marias, não tem cruzeiro-do-sul. Só tem vizinho suicida pulando do décimo oitavo andar. Eis a estranheza das pessoas, tão diferentes...

Procuro um terapauta pra corrigir-me. Anteposto ao nome duma unidade de medida, forma o nome de uma unidade derivada 10 elevado a 12 vezes maior que a primeira. O conjunto de linhas horizontais e paralelas produzidas no papel pela pautadora ou pelo fio de pauta.

Ilusão.

Em Taquarituba, não dá pé para as pessoas correrem longe. Logo, logo já há um finzinho escrito: acabou. As pessoas certas moram na esquina; as erradas, esquivam-se e ficam catando coquinhos arrastando-se no chão da praça. Da paz. Eu sempre que posso procuro pelo meu pé de maracujá, danado que fugiu de casa quando eu tinha menos de três anos.

Em Bauru, não procuro nada. Tenho medo de achar, e achar errado, e ter de fingir que não sei. No fundo não suporto mudanças drásticas com gosto de eternas.

Escrevo para exorcizar-me.

3 comentários:

Giovanna Longo disse...

Em São Paulo, Minas, Taquarituba, Bauro... que bom que você sempre procura alguma coisa em algum lugar. Nunca perca o hábito.

Anônimo disse...

Adorei! Parabéns!
bjs

Aninha Mogadouro disse...

E hoje, com 28 anos, percebo quanto mais diferente, mais nos tornamos iguais.....Igualmente diferentes... Diferentemente iguais.

Parabéns Edson... bom conhecer este seu outro lado.
Beijos
Ana Mogadouro
aninhamogadouro.multiply.com