2.6.08

Para começar a semana

"Galinhas são mortas a pauladas, pessoas são mortas por engano. A vizinhança está em baixa, o turismo está em alta. A timidez e o eufemismo estão em baixa, sangue e perfume estão em alta. A sensação só pode ser escrita a chibata, e por isso sobra fígado, muito fígado. Eu, se pudesse, matava a causa secreta, gritava enfurecido, abria-lhe o ventre, roía a cara contra o chão, queimava, esquartejava, pendurava como ovelha abatida. Não há causa que valha uma vida. Mas ainda seria pouco. Se pudesse, expiava a velha culpa e abria com o dedo a ferida do ressentimento. O ressentimento chega altivo, feito coruja ruiva, mas não demora para perder as penas, pestilento. Não há remendo que lhe baste, pois ele sobrevive ao próprio enterro. É diferente do perdão ou da vingança, que entretêm a circulação do sentimento. O ressentimento acumula perdas, desconfia da vida, e nada coloca no lugar do que retira. O ressentimento mata aos poucos, por envenenamento. Para suportar esse refluxo, a culpa do outro se transforma em causa própria, a fraqueza humana em razão moral. Perdão, mas eu matava."

Marcos Antonio Siscar (1964- )

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