6.6.08

O caminhãozinho verde

Eu era um menino que tinha um caminhãozinho verde. De madeira. Carreta. Dava para carregar sessenta cabeças de boi (de chuchu) ou mil sacas de arroz (de bugalha). Não fazia barulho eletrônico, não tinha botões, não gastava pilha, não quebrava fácil. Era de madeira. E era verde.

Cresci com a idéia fixa de me tornar caminhoneiro, vencer as estradas do Brasilzão a bordo de um valente caminhão verde de verdade. Não sabia que iria ter de financiar o bicho em trocentas prestações, enfrentar solidão, pagar pedágio, desviar de buracos, viajar de noite, correr contra o calendário e subornar polícia rodoviária. Não sabia nada da vida de gente grande.

- Se casamento fosse estrada, eu só andava no acostamento.

- Perigo não é um cavalo na pista, é um burro na direção.

- Feliz era Adão, que não tinha sogra nem caminhão.

Hoje dirijo doze horas por dia a uns oitenta quilômetros por hora. Quando passo por São Paulo, a dez. Estrada ruim, trinta.

- Se correr o guarda multa, se parar o banco toma.

Meu caminhão ainda não tem frase pintada. Não sei se escolho uma repetida, dentre as tantas que leio nos pára-choques dos colegas. Ou se homenageio Deus, meus pais, minha amada, meu time de futebol... Talvez deixe em branco mesmo, ou invente uma nova. Mas tenho mais coisas com o quê me preocupar, oras.

- Se eu tivesse estudado não estaria aqui.

- Estepe e mulher: é sempre bom ter de reserva.

Quando era criança, não imaginava que meu caminhãozinho verde iria crescer. Ficar barulhento, beber óleo diesel, soltar fumaça. Vencer distâncias e garantir os poucos trocados com os quais eu sustento minha família. O dia todo nesta boléia fedida e vazia. Com muito suor, disposição e banguela.

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