3.1.08

porque solidão não é estar só

Os sinais, todos verdes. Só eu um pouco vermelho, nada de amarelo, vermelho-vivo, sangue no cérebro, raiva da vida, de tudo, de todos. E uma pontinha de vergonha também. Está doente, você me pergunta mas eu nego balançando a cabeça.
No quarto escuro, eu e você. A sós, nós quatro podemos sonhar com todas as delícias proibidas por Deus e o mundo e pelos nossos avós também. Sabe o que eu queria, você pergunta com uma carinha doce de dar dó, o quê? E a resposta não vem, nunca vem, nunca sei o que você quer nem consigo entender como é que você sonha, sua, sabe. Sempre assim.
Falo que gosto um pouco de Walt Whitman, você me pergunta quem é ele, se é o mesmo que criou os ratinhos Mickey, Minnie e companhia, eu desisto de explicar. Tudo bem, admito, já transei com mulheres mais burras, havia uma que nem sabia que a Terra era redonda e outra jurava que a Monalisa era uma fotografia daquele brasileiro famoso, como é mesmo o nome, Sebastião Salgado.
Isso não vem ao caso, nunca vem. O prazer é cada vez mais individual, não faz diferença que você seja essa morena linda, lábios carnudos, seios perfeitos, e esteja no segundo ano de Direito. O importante é o parecer, a imagem que cada qual temos, seja ela igual ou diferente à realidade que, em última instância, nem existe mesmo.
Eu ligo a TV, está passando um filme velho na Globo, já vi umas três vezes. Você, nua ao meu lado, corpo cheirando aquele não-sei-quê indizível, parece não gostar muito do quarto azulado, parcialmente iluminado pelos plim-plins. Quer um café, você me pergunta, vou lá fazer. Não, e eu percebo que hoje você só faz perguntas, fico irritado com isso, caramba. Profundamente irritado. Você me abraça, e seu abraço é diferente, é gostoso.
O filme acaba, confira agora nossa próxima atração: Grande Prêmio da Malásia. Fórmula-1 na madrugada, penso eu, e rio por dentro só por saber que a lua está cheia de pretextos para eu adiar qualquer momento nosso. Você pensa, pensa, faz que não gosta nada, encana que eu já não sou mais o mesmo e estou enjoado de você, mas engole seco qualquer comentário, esconde a decepção, não quer me magoar nem deixar transparecer nada de mais, de menos ou de igual.
Eu e você, juntinhos nós quatro, cinco, oito, aproveitamos os trinta segundos dos comerciais pra beijos. Beijos quentes e molhados, do jeito que só eu sei e só você sabe que eu sei porque acho que os inventei para você. Você nua. Eu nu. Nós quatro, sete, nove, todos descobertos, sem nada, só pele e tato e paladar e olfato e audição. Visão não minha querida, porque você nunca gosta de luz acesa e isso também me irrita um pouco. Um pouco? Me irrita profundamente. Mas hoje percebo ao menos sua silhueta iluminada pelo azul da TV. Trinta segundos, já são menos, vinte e dois, vinte e um, minhas mãos vão passando pelas minúcias de seu corpo. Queria ser poeta, eu digo, e aí cada verso de minha boca seria como uma pena passeando por você e lhe dando prazer. Que bonito, você diz e me beija. Quinze segundos. Treze, doze. Dez.
Percebo o que você está pensando. Devia ser proibido por decreto Fórmula-1 na madrugada, ninguém merece, os homens não deveriam gostar de ver esporte na TV, qual a graça desses carrinhos correndo sem parar, o resultado é sempre igual e blá-blá-blá. Mas quando nossa excitação chegar ao máximo e você me der sinal-verde, meu bem, ah! faltará apenas um segundo para as luzes vermelhas se apagarem. Na telinha, o sinal-verde significa que você vai ter de esperar duas horas, em total estado de resignação.
Eu fico sonhando que sou Michael Schumacher

Um comentário:

Giovanna Longo disse...

todos são iguais, só muda o esporte.