A cidade assim dá de comer aos pobres, enquanto os ricos passam fome em seus castelos rodeados por macacos endiabrados. Agilberto, um reles catador de lixo, entretém-se colecionando belos nadas de arame, um mais bonito que o outro, um mais perfeito que nenhum. É ele quem os constrói.
- Que tanto faz?
- Nada.
- Isso que não estou vendo não pode ser nada.
- Mas é.
- Você vende?
- Não, só vejo. Se vendesse precisaria pôr à venda.
- E por que não põe?
- Porque se colocasse, não mais veria.
- Como?
- A venda me taparia os dois olhos humanos, os dois olhos de vidro e os dois olhos de pensamento.
- Você só tem dois olhos de pensamento?
- Só.
- Dizem que a mosca tem quatro mil pares de olhos...
- Mentira.
- Não é não. Eu li numa revista.
- Mais mentira ainda.
- Talvez...
- E depois, você leu errado. O que ela tem é quatro mil facetas em cada olho.
- Descarada!
- Descarada.
- Para olhar melhor, minha netinha. Para olhar melhor... E crau!
- Ahn?
- Pior mesmo sou eu, que tenho quatro mil moscas em cada olho.
- Cada um, cada um.
- Cada quatro mil, cada quatro mil, cada quatro mil...
- Cada um tem o olhar que merece.
- Matei uma!
Agilberto continuou construindo nadas de arame.
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