6.3.09

12. Nadas de arame

A cidade assim dá de comer aos pobres, enquanto os ricos passam fome em seus castelos rodeados por macacos endiabrados. Agilberto, um reles catador de lixo, entretém-se colecionando belos nadas de arame, um mais bonito que o outro, um mais perfeito que nenhum. É ele quem os constrói.

- Que tanto faz?

- Nada.

- Isso que não estou vendo não pode ser nada.

- Mas é.

- Você vende?

- Não, só vejo. Se vendesse precisaria pôr à venda.

- E por que não põe?

- Porque se colocasse, não mais veria.

- Como?

- A venda me taparia os dois olhos humanos, os dois olhos de vidro e os dois olhos de pensamento.

- Você só tem dois olhos de pensamento?

- Só.

- Dizem que a mosca tem quatro mil pares de olhos...

- Mentira.

- Não é não. Eu li numa revista.

- Mais mentira ainda.

- Talvez...

- E depois, você leu errado. O que ela tem é quatro mil facetas em cada olho.

- Descarada!

- Descarada.

- Para olhar melhor, minha netinha. Para olhar melhor... E crau!

- Ahn?

- Pior mesmo sou eu, que tenho quatro mil moscas em cada olho.

- Cada um, cada um.

- Cada quatro mil, cada quatro mil, cada quatro mil...

- Cada um tem o olhar que merece.

- Matei uma!

Agilberto continuou construindo nadas de arame.

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