20.12.06

Esboços de uma estação passada (vol. último)

Pronto. Agora é só botar minha vida na mala e voltar pra Bauru.

Um babaca de nariz adunco - que conheço de vista mas não sei o nome - me interpelou hoje, aí pelas 11 horas da madrugada. Primeiro tirou um sarrinho do tamanho de minhas barbas, com uma daquelas piadinhas medíocres.

[SEMI-SONETO TOSCO, SEM MÉTRICA NEM RIMA PORQUE PÓS-MODERNO]

Todos os linques estão quebrados
Todos os imeios retornam ao servidor
Todos os saites foram invadidos
Todos os computadores acordaram com bug

Todos os bológues estão desatualizados
Todas as romipeiges foram desativadas
Todas as figuras não carregaram
Todos os arquivos atachados trouxeram vírus

Todos os messenes se perderam no ciberespaço
Todos os modens queimaram com a tempestade
Todos os contatos foram deletados

Todos os arquivos FTP viraram pó virtual
Todos os favoritos simplesmente sumiram
Toda a internet foi brincar de rede de dormir.

Pra não dizer que não falei dos ursinhos inocentes e sem vida que resplandecem nos quartos das meninas bonitas:
Muda-planta pra cidade-muda onde me mudo
Na cidade onde ninguém sabe falar eu também me calei.

Linhas recheadas de línguas
Tec-tec-tec-tec-tec. Teclando. Entre bits e bytes minha língua míngua ou ainda deságua porque a língua não se acaba?
O guarda-língua assustou-se quando descobriu que a língua é uma grande metamorfose. Mas a língua, espevitada e linguaruda que só ela, não se fez de rogada: deu uma de Emília, mostrou-lhe a língua e virou as costas.
Tec-tec-tec-tec-tec. High-tech. Século XXI d. C. Depois do Computador? Não, ainda não. Apenas, depois de Cristo. E o mundo já nos veio pronto, estruturado, organizado linearmente como se nem coubesse um hipertexto nem pedacinho de poesia.
O guarda-língua ficou tão sem graça que decidiu fugir rapidamente para o meio da guerra. Dizem as más-línguas, todas vermelhas e grandes, que ele fica lá deitado o dia todinho, esperando que alguma bomba colorida acerte sua cabeça e exploda sua língua junto. Enquanto isso, deixa a barba crescer em pensamento.
Tec-tec-tec-tec-tec. Trec. Se o computador quebrou, não tem mais tec-tec, mas ainda há toda a piração que nunca se sabe se é ins ou trans. Porque é urgentemente preciso des-ser o que sempre fomos e sub-ir aonde sempre fomos.
O guarda-língua, casmurro, taciturno e sorumbático, irritou-se com a lenga-lenga da guerra. Entre fogo cruzado, pisou na pedra mais alta e pontiaguda e desatou a gritar.
- A história da língua é tão longa quanto a língua da girafa. Ninguém chega num acordo, mas não vale a pena brigar, já que as espadas seriam línguas afiadas.
A língua é apenas um rótulo de maionese que colamos para poder viajar nas coisas? Puro convencionalismo que nos ajuda a perceber o mundo tal e qual ele nos parece? Ou a língua nasce do mundo de maneira natural e assim suas palavras estão diretamente relacionadas ao seu significado?
No fundo o importante é cheirar os frutos e comer as flores. Inverter e subverter os paradigmas. Trabalhar nus. Depois todos caímos na mais profunda modorra, pensando sabermos a verdade e curtindo a estranha mentira de nos acharmos felizes. Talvez o importante mesmo da língua sejam os beijos.
(Alheio ao processo lingüístico, um garotinho ficou espantado ao ver o tamanho da língua de boi dependurada no açougue. Com o impacto, mordeu a língua.)

Hoje não tem poema
Porque eu não consegui fazer o soneto que queria.

Uma carta doutros tempos
[achada entre meus arquivos de computador, uma carta que foi escrita há quase três anos]

Taquarituba, maio de 2001.

Século XIX. Dois anos depois de Auguste Comte ter afirmado categoricamente que jamais o ser humano conheceria a composição das estrelas – e isso era um conceito que iria provocar para sempre a existência da humanidade –, Gustav Kirchhoff inventou o espectroscópio, assassinando a idéia do seu contemporâneo. Logo depois, o jovem Albert Einstein divertia-se na escola Politécnica suíça, imaginando um dia viajar atrelado a um raio de luz.
São meras coisas. Fatos banais talvez de um dia que não nos chega ou já nos passou. Que importa? Marcas do que se foi e do que nunca será... Queria ser estrela para morrer e me tornar gigante vermelha, agonizante, depois morrer mesmo de verdade, anã vermelha, anã branca, anã negra, buraco negro, um buraco na parede, corpos selvagens...
Século XXI. Você me pergunta o que tenho feito. O que faço? Penso, logo existo; existo, logo penso. Isso não é resposta que se espere de um cara da minha idade com a nescilidade que me é característica primária. Quem sou? O que faço?
Faço poemas, mentiras, retratos, estranhos esboços. Pinto um quadro que não é surreal nem traça os sonhos do mundo. Às vezes, dormindo, ouço o repicar dos sinos da igreja e penso no racionamento de energia. Às vezes, dormindo, finjo que estou acordado para ver para crer para se ver, para te ter no fundo em meus braços num longo abraço de não mais saber.
Você já olhou para a lua com os olhos que lacrimejam paixão? Já encarou a face estreita que parece conter São Jorge e sua prosopopéia dragão – o dragão carrega em seus ombros o peso dos desvarios de toda a idade da raça humana.
Devo estar chato hoje. Mas pensei em te escrever justamente depois de ler que “o inferno são os outros”. Só Drummond acreditava, em meio a um oceano de filósofos pessimistas, que a convivência é boa, é proveitosa, é divertida – qual era mesmo a palavra que ele usava, sábio? não me lembro, não sei, minha cabeça está à toa...
Devo estar chato hoje. Desculpe-me; juro que não tinha a intenção de te aborrecer tampouco de ser inconveniente. Apenas queria desabafar, e o papel tem aceitado essas coisas medíocres que escrevo na vastidão incólume do giramundo vastomundo raimundo imundo (se o mundo fosse raimundo seria uma rima não uma explicação).
Devo estar chato hoje. Renitente, sem saúde, não estou tributável. Tinha vontade de comprar conhecimento na lojinha de 1,99, mas lá não são vendidos livros. Que pena, amor, que pena. E pensar que a saudade é diretamente proporcional ao avesso da simetria que nos prende e nos confunde... E pensar que somos tão jovens... E pensar que sequer pensamos direito.
Devo estar chato hoje. Esse meu discurso não servirá para nada. Será mais uma carta que passará por suas mãos e será arremessada pela janela – defenestrada – ou, pior, encestada na lixeirinha do banheiro.
Devo estar chato hoje. Deve ser a saudade, o clima gélido... o cheiro do seu perfume que imagino em minhas narinas como se você estivesse ao meu lado agora... Mas você não está... Por que será?
Beijos do perturbado chato.

Idiota mesmo sou eu que fui reinstalar minha impressora e, por falta de atenção, acabei deixando-a em alemão. Então que sou supreendido por mensagens deste tipo:
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Vocês não têm idéia de como isso me deixa feliz.

Trechos
de umas coisas que ando escrevendo

1) Mas para que ninguém saia por aí pedindo o dinheiro de volta, dizendo que “como assim o protagonista morrer bem no comecinho?”, eu vou mostrar as duas linhas que eu escrevi antes de morrer:

Decidi que não quero ser felizinho.
Agora vai ser oito ou oitenta: só brinco se for feliz ou triste.

2)
– Que cabeça você quer?
– A mais bonitona e cheia de recheio por favor!
– Serve Ezra Pound?
– Não sei... Preferia algo nacional... Tem Clarah Averbuck?
– Tem mas acabou. Por que você não leva Leminski?
Tudo. Tudo. Menos o tem mas acabou. Odeio o tem mas acabou.

3) Tinha cinco dedos em cada uma das mãos. Não era, portanto, presidente. Falava inglês, alemão e não-sei-mais-o-quês. Amava cinco namoradas, sendo fiel a todas elas. Era doutor em embromations factus e ganhava 15 mil dólares por mês. Andava sempre num carro importado, que não sei a marca porque não entendo de carros. Bebia só uísque escocês e ria dos pobres para quem jogava esmolinhas com desdém.
Um dia, tropeçou no ego e morreu de traumatismo craniano.

4)
- Manhê! Manhê! Manheeeeeeeeeeeeeeeeeeê!
...
- Mãe!?

O mundo anda bem doidão. Parece que fumou uns três quilos de maconha e agora bateu uma larica desgraçada nele. Então começou a devorar pessoas, umas com quéti-chupe, outras com queijo ralado. As mais rechonchudas, in natura mesmo.

Você já experimentou conectar dois caleidoscópios, um diferente de outro, um em cada olho, ao mesmo tempo? Experimente: talvez seja o melhor jeito de se lembrar de esquecer que o mundo não está mais valendo a pena.

Antes que alguém me pergunte: Não, o inferno ainda não voltou a funcionar!
Eu? Sou só um cara sensível tentando compreender a dureza do mundo.
Não, não estou bem. Acho que estou pirando. Sábado sem graça e, agora, prenúncio de um domingo indigesto.
Não sei o que vou fazer. Mas alguma coisa grande pode acontecer.
Vou-me embora da Terra dos Emboras?

Embora o Governo não saiba contar direito até dez e nos obrigue a manter o equilíbrio na ponta dos pés, o Brasil vai caminhando; embora a Televisão mo-dele a pública opinião e padronize até mesmo o nosso coração, há nichos de resistência criando novas formas artísticas; embora nossa escola venda um saber sem sabor que nos atola e nos restrinja a um universo sem verso nem de esmola, cresce o número de interessados por uma educação de nível superior; embora a nossa seleção de futebol ande capengando no cenário mundial e jogando mediocremente faça chuva ou faça sol, o povo não perdeu o amor pelo esporte; embora não haja uma política de incentivo suficiente para um ativo processo de revitalização do que outrora foi cenário de gláuberes e as blockbusters pasteurizadas por americanismos sejam abundantes, o nosso cinema está renascendo.
Embora não tenha cumprido sequer as promessas do vento da campanha, o presidente ousa prometer que vai fazer muito mais do que promete. E a fo-me? Zero é a nota que sacode no prato vazio do faminto que, embora tenha confiado seu voto ao ex-metalúrgico, ainda não viu realizado seu sonho do pão-nosso-de-cada-dia. Embora a realidade para ele seja triste, amanhece ca-da dia com força para trabalhar em busca de sua utopia.
Embora o frio esteja chegando bravo este ano, os sonhos continuam quentinhos dentro do peito de cada um; embora ao passarinho custe migrar porque grandes são as distâncias, sabe que no final de sua trajetória um porto seguro encontrará nos braços de sua amada; embora a dor e a saudade sejam incomensuráveis e cutuquem o amargo âmago feito piercing que não se perce-be, reside na alma o consolo de novo reencontro e tantos e tantos e tantos e quantos forem e houver.
Embora todo adágio pelo uso seja gasto e não passe de lugar-comum e a língua tenha se tornado cada vez mais comum com o baixo nível de entropia cultural alçado pelo povo, é preciso dizer que quem canta seus males apronta, que antes só do que mau no mercado, que em terra de cego quem tem um olho é gay, que quem com ferro fere com ferro será fedido, que se conselho fosse bom eu te vendava e ventava porque quem semeia vento colhe solidão.
Embora haja tantas ironias no seu dia-a-dia e tanta desilusão na sua noi-te-a-noite, note, o brasileiro não perde a esperança.

Bom dia, sol!
(Mas a janela vai ficar fechada porque eu não quero te ver não!)

Vazio como meu dia.
Vem uma dor aqui. Triste.
Talvez.
E o sol nascendo é tão bonito, tão diferente da tristeza que toma conta de mim, que às vezes tenho medo de preferi-lo ao poente, de inverter assim minha vida como se não houvesse.
O que que tem atrás da porta?

Sentado em um sorriso indefeso, ponho-me a observar as pessoas que não sabem voar. Elas são tapadas e não me vêem aqui do alto, enquanto eu procuro minha escova de dentes para continuar defendendo meu sorriso.

Eu ando com raiva da chuva.
Eu vou fugir.

Eu fico aqui torcendo pro meu ventilador, 24 horas por dia trabalhando, não pifar. Senão, como irei terminar de criar as infinitas vidas?

2 comentários:

parla marieta disse...

FELIZ NATAL

Anônimo disse...

Seu poema deveria se chamar Teoria do Caos...rsrs
Bem, passei aqui para te desejar Feliz Ano Novo! Tudo de bom em 2007!
Um beijo