16.6.10

Carta

Estou no meu limite físico. Não aguento mais me dedicar à madeira -- talvez, por extensão, à marcenaria. A gota d'água vem cada vez que eu capricho de sobremaneira em uma peça e leio, no dia seguinte, que algum torno desavisado ou serra um pouco mais afiada estragou justamente o estrepe pela qual tinha maior apreço. São gotas d'água. Um conta-gotas que pinga constantemente em minha testa, como se torturado fosse naquelas fábulas orientais. Tenho pensado em alternativas: será que uma serralheria não me contrataria para ficar debruçado sobre metal tanto quanto faço com madeira? Será que um dia esculpirei uma pela que realmente renda alguma coisa (e isso signifique um dinheiro razoavelmente maior do que os cem pilas que pulam em minha conta bancária trimestralmente)? Será que vale a pena me reinventar mais uma vez -- como fiz na transição Paris-São Paulo -- e seguir insistindo nessa de marcenaria convencional? Sou só interrogações, meu caro. Nenhuma resposta. Mas às vezes eu queria conseguir ter tempo para me dedicar à marcenaria que tanto amo. Às vezes eu queria só sair de casa sabendo que, como em quase todas as profissões, eu terei horário certo para pegar minhas coisas e voltar para o lar, tomar uma cerveja e dormir em paz. Às vezes eu queria saber que meu estrepe bem-desenhado é tão importante que nenhum equipamento mecânico maligno irá extirpá-lo sem critério. Às vezes -- quase sempre -- eu queria só saber direito o que eu quero mesmo.

Um comentário:

SRTA. LÓRI CAPITU disse...

Curiosa essa sua carta... e essa sua relação com a "marcenaria". Ótima a frase final e, engraçado, a resposta à carta está na própria carta!