16.4.09

A pressa própria de Procópio (parte 1)

Depois do atropelamento, sua vida não aprendeu mais a entrar nos eixos. Os problemas nasciam já ao acordar, como se o espelho do banheiro, agora testemunha única de suas abluções matinais, estivesse com uma trinca enorme. E cortante.

- Bom dia é o caralho!

O café da manhã solitário era de um tédio absoluto. E para quê escovar os dentes se não haveria mais quem beijar? Não, não, ninguém mais reparava se o laço da gravata estava mal feito ou se o paletó levemente amassado.

Então sair de casa. Então atravessar a rua. Então se queixar da demora do ônibus. Então chegar cinco minutos atrasado ao trabalho. Então reclamar do elevador sempre lotado e aquelas pessoinhas que exageram no perfume. Então aguentar a cara feia persistente do chefe. Então enrolar, fingir que trabalha.

O almoço era em grupo, com a patota toda, sempre. Ultimamente ele não desempenhava mais o papel de tagarela da turma. Ensimesmado, cutucava seus pensamentos, remexia as vísceras, transcendia desejos.

- Por que, meu Deus, por quê?

Então a repetição da manhã, o enrolar, o fingir que trabalha. Até o relógio marcar seis da tarde, as tarefas pela metade, o sol que não arde mais, que tal ir embora caminhando em vez de enfrentar ônibus lotado?

- Boa ideia. São só quatro quilômetros, são só quatro quilômetros. Caminhar refresca a alma.

No percurso, carros. Carros e mais carros. Alguns ônibus. Três caminhões. E a imensidão de rostos e rostos e corpos e corpos. Pessoas. Cada qual carrega na bolsa ou mochila sua vida - histórias, afeições, sorrisos, quebra-cabeças, canções. Antonio não se cansava de tentar decifrar esses segredos.

- Aquele ali, palmeirense. Palmeirense.

- Esse, tenho certeza que queria ser ator de teatro quando criança. Virou engenheiro civil.

- Aquela, aposto que teve uma infecção urinária na semana passada.

- Aquele outro, não, não tem mais clima em casa. Por isso anda querendo viver só com a amante.

O estranho hábito de colecionar pessoas inventadas o incomodava. Mas, desde a prematura viuvez, era o único prazer que conseguia experimentar.

(Continua aqui.)

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