Um homem é a metade do que acredita. O resto é abreviatura.
Enquanto acontece o futebol, o aquário vazio é um fedor intransigente.
Ontem, 31 peixes. Hoje, só o motorzinho do filtro a embalar o luto.
30.11.08
Um homem livre
Um homem livre não existe porque não lhe inventaram asas para podar
nem nadadeiras suficientemente grandes para cruzar oceanos pacíficos.
Um homem livre é uma aventura imaginária daquelas que só um homem
preso consegue parar para pensar sozinho em sua cela escura e fria e fria.
Um homem livre.
Um homem livre já morreu várias vezes, conhece a morte intimamente
sabe chamá-la pelo nome e consegue apalpá-la amá-la fazê-la sorrir.
Um homem livre é um desvario estranho de quem não se lhe conhece bem
porque um homem livre não é apenas um homem livre; é um homem livre.
nem nadadeiras suficientemente grandes para cruzar oceanos pacíficos.
Um homem livre é uma aventura imaginária daquelas que só um homem
preso consegue parar para pensar sozinho em sua cela escura e fria e fria.
Um homem livre.
Um homem livre já morreu várias vezes, conhece a morte intimamente
sabe chamá-la pelo nome e consegue apalpá-la amá-la fazê-la sorrir.
Um homem livre é um desvario estranho de quem não se lhe conhece bem
porque um homem livre não é apenas um homem livre; é um homem livre.
29.11.08
21.11.08
20.11.08
Instante da estante
CLEMENTE, Bird. Entre ases e reis de Interlagos. São Paulo: Tempo&Memória, 2008.
Do sobre e do tudo
Olhei lá, com atenção e até um tiquinho de surpresa. Uma surpresa inventada por você mesmo, quando me disse que não sabia escrever gostosinho. É formidável. Facetas humanas, demasiado humanas, cruelmente humanas, que prendem a gente. Prendem tanto que eu lamentava àquela hora da madrugada ter sono, lamentava ter de vir trabalhar no dia seguinte. Queria ler tudo de uma só vez.
A história de Nicole, de dar pena, deixa um vazio de sei-lá-quantos mililitros na alma. Porque também somos humanos. E dói imaginar tais situações. Dói mais ainda quando sabemos - você porque escreveu, eu porque li com sua garantia jornalística de que ali estão relatos da verdade, nada mais que a verdade, doa a quem doer - que é realidade. Absurda. Perambulante. Quase comum.
Mas punge mais ainda a que vem logo abaixo. De seu pai, o bilhetinho escrito num papel roxo. O papel não era roxo? (Na minha memória fotográfica do que nunca vi, sempre será roxo esse seu papelzinho.)
Continuarei acompanhando, ainda que muitas vezes o silêncio se sobreponha. Meu jeitão ascético, pobre.
E nunca mais, nunca mais, diga que não escreve de um jeito bão de ler.
A história de Nicole, de dar pena, deixa um vazio de sei-lá-quantos mililitros na alma. Porque também somos humanos. E dói imaginar tais situações. Dói mais ainda quando sabemos - você porque escreveu, eu porque li com sua garantia jornalística de que ali estão relatos da verdade, nada mais que a verdade, doa a quem doer - que é realidade. Absurda. Perambulante. Quase comum.
Mas punge mais ainda a que vem logo abaixo. De seu pai, o bilhetinho escrito num papel roxo. O papel não era roxo? (Na minha memória fotográfica do que nunca vi, sempre será roxo esse seu papelzinho.)
Continuarei acompanhando, ainda que muitas vezes o silêncio se sobreponha. Meu jeitão ascético, pobre.
E nunca mais, nunca mais, diga que não escreve de um jeito bão de ler.
19.11.08
18.11.08
Pedido perdido
procure poemas perdidos;
não os deixe escorrer ralo abaixo.
depois me os envie:
um a um,
por e-mail
ou pombo-correio.
quero odiá-los pessoalmente.
não os deixe escorrer ralo abaixo.
depois me os envie:
um a um,
por e-mail
ou pombo-correio.
quero odiá-los pessoalmente.
17.11.08
Nécessaire
- O orgulho de ser caipira;
- A saudade de ser distante;
- O sossego de ser ausente;
- A desculpa de ser bêbado;
- O mérito de ser próprio.
Ritual
queria poder colecionar olhos,
verdes,
seus.
só para me perder dentro deles,
maduros,
olhares.
e depois me consumir em si,
ver melhor,
vermelhos.
verdes,
seus.
só para me perder dentro deles,
maduros,
olhares.
e depois me consumir em si,
ver melhor,
vermelhos.
16.11.08
Questão de endereço
mora no meu travesseiro a menina mais bonita do universo inteiro.
mora no seu oceano o olhar mais bonito de tudo o que é humano.
mora no seu oceano o olhar mais bonito de tudo o que é humano.
14.11.08
13.11.08
Luz amarela
Às vezes não sei se fui feito para cá,
Se as raspas acabam em nada,
Se a cebola esquece que faz chorar.
Às vezes não entendo mais o semáforo,
As cores que estampam sua camiseta,
O alfabeto que organiza o dicionário.
Às vezes ser piegas me faz tão bem
Que tudo o que é contrário de mim
Não serve.
Se as raspas acabam em nada,
Se a cebola esquece que faz chorar.
Às vezes não entendo mais o semáforo,
As cores que estampam sua camiseta,
O alfabeto que organiza o dicionário.
Às vezes ser piegas me faz tão bem
Que tudo o que é contrário de mim
Não serve.
De quinta-feira
para cada gravata amarela, uma borboleta
colorida. para cada fotografia esquecida, um
sorriso requentado. para cada poema frio,
um chapéu cabisbaixo. para cada fotossíntese
necessária, um adeus pré-programado.
colorida. para cada fotografia esquecida, um
sorriso requentado. para cada poema frio,
um chapéu cabisbaixo. para cada fotossíntese
necessária, um adeus pré-programado.
12.11.08
De quarta-feira
o colecionador de enquantos ressuscitou no
quarto dia, quando eu esperava apenas um
outro outono a assombrar todas as espécies.
as confissões, publicadas em papel-jornalão,
trazem as mesmas mentiras tristes de todo
dia, sem nada mais a declarar a mim amém.
o colecionador de enquantos vai ser morto
novamente com uma bordoada na cabeça.
quarto dia, quando eu esperava apenas um
outro outono a assombrar todas as espécies.
as confissões, publicadas em papel-jornalão,
trazem as mesmas mentiras tristes de todo
dia, sem nada mais a declarar a mim amém.
o colecionador de enquantos vai ser morto
novamente com uma bordoada na cabeça.
11.11.08
De terça-feira
agora as missões são todas possíveis.
e lembro-me de meu pai que, como
vários e vários outros pais, insistia:
- só não há conserto para a morte!
talvez a morte seja um concerto.
em si.
e lembro-me de meu pai que, como
vários e vários outros pais, insistia:
- só não há conserto para a morte!
talvez a morte seja um concerto.
em si.
10.11.08
8. Sentimental demais
- Alimento silêncios.
- Tem pra mim?
- Não sei. Por que quer, se vive quebrando-o?
- Porque não suporto o barulhar eterno. Agride, não agrada. Degrada, segrega. Não segreda.
- Alimento silêncios.
- Com o quê?
- Com senãos.
- Tem pra mim?
- Não sei. Por que quer? Para quebrar?
- Gosto do tilintar seco de cristais.
- Precisa de luminária?
- Não, só de um decibelímetro.
- Eletrônico?
- Analógico.
- Alimento silêncios.
- Tem pra mim?
- Não sei. Por que quer? Para perturbar? Para provocar? Para se despir?
- O silêncio lambe. Alimente-o se gostar de minha língua.
- Onde a boca guarda o silêncio cabe a língua?
- Na boca que ri onde o silêncio se ocupa o universo inteiro cabe.
- Como vai sua vida se o universo inteiro caberia onde eu só queria a língua?
- .
- Você silencia e eu sigo colecionando enquantos.
- Tem pra mim?
- Não sei. Por que quer, se vive quebrando-o?
- Porque não suporto o barulhar eterno. Agride, não agrada. Degrada, segrega. Não segreda.
- Alimento silêncios.
- Com o quê?
- Com senãos.
- Tem pra mim?
- Não sei. Por que quer? Para quebrar?
- Gosto do tilintar seco de cristais.
- Precisa de luminária?
- Não, só de um decibelímetro.
- Eletrônico?
- Analógico.
- Alimento silêncios.
- Tem pra mim?
- Não sei. Por que quer? Para perturbar? Para provocar? Para se despir?
- O silêncio lambe. Alimente-o se gostar de minha língua.
- Onde a boca guarda o silêncio cabe a língua?
- Na boca que ri onde o silêncio se ocupa o universo inteiro cabe.
- Como vai sua vida se o universo inteiro caberia onde eu só queria a língua?
- .
- Você silencia e eu sigo colecionando enquantos.
9.11.08
Retrato do poeta quando hoje
O poeta está escondido debaixo do lençol. Não quer ver o mundo que ajudou a criar de seu jeito aleatório. Tem pena daqueles que, nervosos, espantam olhos alheios com palmatórias de idéias. Não sabe sorrir. Acha difícil que a crise mundial de nervos não se espalhe logo pelas linhas telefônicas congestionadas.
O poeta prefere estar escondido debaixo do lençol. Ali, no escuro, luzes apagadas, porta e janela fechadas, é só um suspiro. Um suspirar. Um suspirar eterno, frenético, indecifrável exatamente. Os absurdos que ele colecionou surgem um a um, pedem a bênção, codificam sentimentos, depois somem sem nenhuma inferência ou ilação. Alguma coisa dentro de si sangra, secamente.
O poeta não tem opção senão se manter debaixo do lençol. Um esconderijo ensimesmado, feito uma pulga em repouso, na frente das orelhas. Cada pensamento que se lhe apresenta traz embutido a esperança fedorenta de que dali a um dia, uma semana, um mês quem sabe a chuva voltará carregada de versos brancos, limpos, lavados.
Como a alma, se ele a encontrar novamente.
O poeta prefere estar escondido debaixo do lençol. Ali, no escuro, luzes apagadas, porta e janela fechadas, é só um suspiro. Um suspirar. Um suspirar eterno, frenético, indecifrável exatamente. Os absurdos que ele colecionou surgem um a um, pedem a bênção, codificam sentimentos, depois somem sem nenhuma inferência ou ilação. Alguma coisa dentro de si sangra, secamente.
O poeta não tem opção senão se manter debaixo do lençol. Um esconderijo ensimesmado, feito uma pulga em repouso, na frente das orelhas. Cada pensamento que se lhe apresenta traz embutido a esperança fedorenta de que dali a um dia, uma semana, um mês quem sabe a chuva voltará carregada de versos brancos, limpos, lavados.
Como a alma, se ele a encontrar novamente.
8.11.08
Fotograma
o dia estava tão legal, teve uma queda no gráfico, mas eu ainda acredito que vá terminar bem.
pensamento positivo é tipo uma religião
na qual os deuses são invisíveis, inatingíveis, inexistentes.
quando vejo o sol brotando pela fresta da persiana
lembro-me que há vida de verdade acontecendo:
com carros que trafegam sem explicação,
sonhos que se esquecem de virar realidade,
pessoas bonitas transando o tempo todo.
eu estou aqui, dentro de um quarto fechado, rodeado de silêncios e tédios que mudam sempre de lugar.
pensamento positivo é tipo uma religião
na qual os deuses são invisíveis, inatingíveis, inexistentes.
quando vejo o sol brotando pela fresta da persiana
lembro-me que há vida de verdade acontecendo:
com carros que trafegam sem explicação,
sonhos que se esquecem de virar realidade,
pessoas bonitas transando o tempo todo.
eu estou aqui, dentro de um quarto fechado, rodeado de silêncios e tédios que mudam sempre de lugar.
7.11.08
duas inocentes perguntas e um lugar-comum
quantas frações tem um segundo?
quantas frações têm um segundo?
quantas frações têm um segundo?
6.11.08
5.11.08
A fazer #4
- Sinestesiar os sentimentos;
- Simbiosificar as sensações;
- Sinalizar os sonhos;
- Sinsinar os sins;
- Dizer não aos nãos.
7. No princípio, era o verbo
Alguns diálogos, a vida esquece pelo caminho.
Talvez porque fossem primitivos:
- U-u-u.
- Gugu-gu?
- Ic, bibi!
- A-a-a.
Talvez porque fossem inusitados:
- Quantos céus batem no fundo do mar?
- Tantos couberem na mão.
- E quanto custa uma mão nova?
Talvez porque fossem sentimentais demais:
- E tudo você leva aí dentro?
- Sim. De amores atrasados a suspiros pontuais.
Talvez porque fossem horripilantes:
- Comi sopa de ratazanas ao molho de sangue hoje.
- Sério? E nem deixou um pouco para eu requentar pra mim?
- Não. Ratazanas ao molho de sangue é um prato que deve ser saboreado frio, como a vingança.
Talvez porque nem fossem:
- .
Talvez porque fossem primitivos:
- U-u-u.
- Gugu-gu?
- Ic, bibi!
- A-a-a.
Talvez porque fossem inusitados:
- Quantos céus batem no fundo do mar?
- Tantos couberem na mão.
- E quanto custa uma mão nova?
Talvez porque fossem sentimentais demais:
- E tudo você leva aí dentro?
- Sim. De amores atrasados a suspiros pontuais.
Talvez porque fossem horripilantes:
- Comi sopa de ratazanas ao molho de sangue hoje.
- Sério? E nem deixou um pouco para eu requentar pra mim?
- Não. Ratazanas ao molho de sangue é um prato que deve ser saboreado frio, como a vingança.
Talvez porque nem fossem:
- .
4.11.08
Sobre ódios
Odeio novembro, dezembro, janeiro, fevereiro e sorvete de abacaxi.
Também odeio tudo o que não é filosofia, música, cinema, literatura e minha casa.
Quem foi o idiota que inventou critérios e ódios?
À guilhotina. Já.
Quando acordo mal-humorado, sou um risco à perpetuação da espécie humana.
Tropeço em meus próprios desastres.
Invento novos explosivos.
E substituo sorvetes de abacaxi por pessoas detestáveis.
Também odeio tudo o que não é filosofia, música, cinema, literatura e minha casa.
Quem foi o idiota que inventou critérios e ódios?
À guilhotina. Já.
Quando acordo mal-humorado, sou um risco à perpetuação da espécie humana.
Tropeço em meus próprios desastres.
Invento novos explosivos.
E substituo sorvetes de abacaxi por pessoas detestáveis.
Quandos
quando lhe quis um beijo
não pensava em nada
que fosse extinto
quando lhe tirei uma foto
não pensava em nada
que fosse imagem
quando lhe armei o bote
não pensava em nada
que fosse finito
quando lhe pedi um poema
não pensava em nada
que não fosse
não pensava em nada
que fosse extinto
quando lhe tirei uma foto
não pensava em nada
que fosse imagem
quando lhe armei o bote
não pensava em nada
que fosse finito
quando lhe pedi um poema
não pensava em nada
que não fosse
3.11.08
Para começar a semana
"Escrever para mim, muito mais do que uma decisão profissional, é um destino. Eu só tinha esta opção, uma vez que nasci assim."
Nelson Falcão Rodrigues (1912-1980)
Nelson Falcão Rodrigues (1912-1980)
2.11.08
1.11.08
Noves fora
Novembro quero ver se me lembro de algo menos ameno para colecionar
Depois quem sabe até inventar novos problemas só para resolver
Um por um.
Por que seus beijos?
Depois quem sabe até inventar novos problemas só para resolver
Um por um.
Por que seus beijos?
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