Trinta e duas horas sem dormir. No outro cômodo, só o resmungo renitente do barbeador elétrico a aparar as arestas do nada. O nada não sabe se barbear. O nada cultiva infinitas barbas, brancas. Por serem infinitas, é óbvio que são grandes o suficiente para a gente se dependurar nelas. Trinta e duas horas sem dormir e, agora, mais alguns minutos. As pálpebras doem. As mãos também doem de tanto computar. LER, a sigla maldita. A vista cansa, a miopia pede calma, a córnea seca, também pela estiagem. O cérebro é o único que funciona sem reclamar. Ou melhor: é o único que ainda reclama pela lerdeza e insolência do resto do corpo. Olho para a cama gelada e percebo que não sou mais bem-vindo nela. A cama cansou-se; não quer mais dormir nela. A cama cansou-se-me; não quero mais dormir em ela. Da janela vejo o céu, o barulho da rua, as torres coloridas piscantes anti-aviões ao longe, as buzinas dos carros distantes de mim, o tédio dos que se jogam do prédio da frente. Da janela vejo o precipício convidativo e, aos poucos, ouso me perguntar: quantos metros medem dezoito andares?
Dali a pouco serão trinta e três horas sem dormir.
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2 comentários:
procure no livro dos recordes.
32 horas certamente deve ser algum recorde...
beijos.
Gostei! Meio angustiante, mas vc é bom nisso!
Bjos
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