7.6.07

Breve

Primeira tentativa.
Dos sapatos brotaram as terras, das terras as sementes, das sementes a primavera, da primavera a vida, da vida, a morte. Os sapatos racharam-se sob o sol; as terras, as terras, as terras enterraram-se ensimesmadas.
Saí correndo antes que jogassem as sementes em minha cabeça. Tenho pavor de imaginar uma árvore gigantesca nascendo de mim, sugando meu sangue e condenando-me a ser raiz, para sempre. Ou ter minha pele cheia de hematomas-flores fúcsias. Ou ser jantado por pragas da lavoura ocidental. Ou ao invés de vacina receber altas doses de pesticidas. Ou viver em estado vegetativo – o que é pior hipótese.
Dos sapatos, bati as terras antes de entrar, de supetão:
- Ô de casa!
O silêncio, como convite a não entrar. O sábado, em si, sorridente. O sábado sozinho. Eu, solitário. Desassossego porque se eu entrasse depois viria o domingo e a segunda com todas as feiras dos dias úteis – eu, inútil. Pálido, entre a escolha. O cérebro é um algoritmo nervoso entre as orelhas.

Segunda tentativa.
Terras não brotam do sapato, terras não brotam. Delas é que são brotadas as sementes, plantadas ou que se plantam sós. Delas é que sai a primavera com a vida e nelas é que se morre a morte, até ser enterrada. Os sapatos é que se decompõem sob as terras.
Não viria, não viveria vegetativo. Antes arrancaria com os dentes vermelhos todos os hematomas de flores fúcsia que surgissem em meu escopo. Disse em meu corpo. Não posso ser raiz, desses que deixam a árvore nascer, crescer e se reproduzir em seu entorno. Não viveria vegetativo. As pragas aos pesticidas. Antes. Morte às hipóteses, basta de hipocondríacos.
Para entrar sem bater, sem limpar os pés, sem tapete, sem olá. Rápido, solerte. Um abismo entre a porta e o travesseiro, entre os pés e o lustre, entre o entra e o entre.

Terceira tentativa.
Costumo comer terras quando estou contente deveras. Elas têm um aspecto saudável de cor escura e mancham os dentes com a tintura que soltam. Terras são boas, férteis, em se plantando tudo dão. Sementes, elas acreditam somente. E daí germinam as plantas e sobre as plantas nascem os bichos que trepam e sobre eles eu não sei muito não. Os sapatos não aparecem do nada sobre as terras; são fabricados por mãos humanas ou mãos máquinas de metal. Os sapatos desaparecem no nada sob as terras, e ninguém se preocupa com isso, meu deus.
Se houvesse nascido vegetal, cana, digamos. Seria amputado de meu pé e morreria. Seria consumido por um carro? Servido a um bêbado? Adoçaria uma xícara de café? Estragaria todos os dentes e mataria teus filhos de cirrose. Todos os três.
Porque a morte não perdoa nem os vegetais. Ela leva para as terras todas as almas, assim de supetão, sem bater à porta, sem bater os pés no tapete. É entra, entre, e sai. Saí.

2 comentários:

Anônimo disse...

a terra nao leva a alma, mas sim, a liberta!

;***

Anônimo disse...

acho melhor tentar de novo