9.2.07

Gênese

Sempre odiei a professora Bárbara do Carmo. Porque ela ensinava semiótica francesa, quando devia se ater somente aos solecismos jornalísticos; porque ela ensinava semiótica francesa e eu sempre preferi a norte-americana. Porque ela fumava cigarros que não da minha marca favorita. Porque ela defenestrava os alunos que apareciam vestidos de amarelo - mesmo em dia de copa do mundo.

Sempre odiei a professora Bárbara do Carmo:

- Edison, não disse que se você chegasse atrasado mais uma vez, estouraria em faltas?

- Mas professora, a senhora precisa entender...

- Entender o quê, menino?

- A senhora sabe que eu tenho uma tartaruga, né? O nome dela é Tar, de tartaruga. Na verdade não é bem uma tartaruga, assim, mas é um réptil quelônio, só que terrestre. É um jabuti. Jabuti-piranga, se eu não me engano. Veio lá da Bahia, do sertão.

- E o que que tem isso a ver?

- Deixe-me acabar. Daí que um bicho desses deve viver mais de cem anos. E, como a Tar completou seu quinto aniversário mês passado, tinha a certeza de que ela seria legada aos meus netos. Só que, esta manhã, a Tar morreu. Você não pode imaginar a tristeza...

- Ahn.

- Daí que velório, essas coisas, tomam tempo. Daí que atrasei. Juro que não estava dormindo até às 9h40 quando a sua importante aula começa pontualmente às 8h, 8h15...

- Sei...

Sempre odiei a professora Bárbara do Carmo. Fazia questão de lhe assoprar baforadas de bons cigarros na cara, escolhia a dedo minhas roupas amarelas para satisfazê-la e caprichava nos comentários avessos à sua ideologia francesa. Sempre. Porque sempre odiei a professora Bárbara do Carmo. Ela vestia um par de óculos cor de superbonder e, pela espessura aparente, devia sofrer com uns oito graus de miopia do lado direito e uns seis e setenta e cinco do lado esquerdo. Se narizes também fossem passíveis de miopia, ela a teria em suas narinas salientes, disformes, certamente. Como não as são, preferia exibir um leve desvio de septo.

Sempre odiei a professora Bárbara do Carmo, principalmente dois dias depois de ela ter me dito que jamais se deitaria com um homem branco como eu, ainda que fosse dotado do mais capaz objeto direto. Sempre odiei a professora Bárbara do Carmo, e meu sonho era escrever esta frase umas cem mil vezes, para que toda a humanidade a decorasse. E quando ela, mais uma vez, se botar a ler Thomas Mann ou qualquer autor de sua predileção, antes iria encontrar na contracapa: "sempre odiei a professora Bárbara do Carmo".

Mas foi em seu ventre que se nasceram os nove gnominhos de minha imaginação.

7 comentários:

Anônimo disse...

Sei que intenção não era essa, mas identifiquei um ar pueral nessa sua narrativa. Não fosse por elementos pertencentes ao mundo dos adultos, como o cigarro e a semiótica, claro, te veria em seus poucos anos.
Tais sentimentos como o ódio, tão primitivos, insistem em se instalar em nós e quando o tempo passa, vem a sabedoria e blá blá blá... que nada, somos cada vez mais infantis, principalmente em relação aos nossos sentimentos. O que moda é a nossa incapacidade de deixa-los a mostra quando avançamos nos anos.
Beijo!!!

Anônimo disse...

pueril*

I´m sorry...rs

Anônimo disse...

Ah, esqueci de comentar a respeito da desculpa esfarrapada, que entra na mesma categoria de "o cachorro comeu a minha lição", só que muito, mas muito mais articulada.

Anônimo disse...

Fala, Edison! Tudo blz? Volta e meia passo por aqui, sempre tem umas coisas bacanas. Acho que qdo você coletar os melhores posts do blog vai dar um ótimo livro... =)

abraços!

Anônimo disse...

Ok. Façamos assim: você escreve 50 mil, que eu te ajudo com a metade. Também sempre foi meu sonho que a humanidade soubesse disso. Parabéns, sempre.

Anônimo disse...

Hahaha, ótimo!
Adorei a história da tartaruga. E muito criativo o comentário sobre nariz com miopia. Acho que já vi vários narizes extremamente míopes por aí...
Outra coisa: AMARELO é minha cor favorita. Ainda bem que a Bárbara do Carmo não foi minha professora!!
Beijos

Jean Cristtus Portela disse...

Quanta maldade... Hahahaha... E mais atenção ao que pensa sobre as semióticas todas(é um puta dum lugar-comum ser jornalista peirciano-por-simpatia). Para críticá-las ou compará-las é preciso conhecê-las a fundo. E outra coisa: seus textos continuam bons, "acima da média" (você vai odiar isso!), mas percebo ainda neles relaxos imperdoáveis. Colocar a palavra "morte" junto com a palavra "inexorável"... Não dá, não dá... Mas é o preço de se paga por escrever prosa, você se vê obrigado a tagarelar. E tagarelar é tedioso! Tá perdoado pela escolha do nome da "Bárbara do Carmo"! Hahahahaha Abração, menino, se cuida.