5.9.09

TRINTA DE AGOSTO


Hoje o mar esteve mais salgado que o normal, temperado pelas genuínas lágrimas de um senhor de oitenta e sete anos que pisava em suas águas pela primeira vez.
Antes, descalço, sentiu a areia fofa e quente em seus calejados pés acostumados à vermelhidão da terra roxa. E sorriu, feito a criança que acabava de redescobrir em si. Tudo era surpresa e gratidão. O céu, o horizonte até a África, a brisa marítima inconfundível -- até para quem, como ele, jamais a havia sentido.
Antes ainda, no carro, já ao nível próximo do Atlântico, o senhor desvendou o enigma há tanto planejado por filhos e netos*: "pelo tipo das gentes, estamos em Santos". E sorriu, olhos marejados.
Antes ainda uma hora, ele só pensava que seria levado a um restaurante para provar um pescado qualquer. Não, não imaginava que saborearia o peixe ali pertinho de onde o oceano não se derrama -- embora insista há milênios --, em um local onde -- se a semissurdez da velhice permitisse -- conseguiria até ouvir o para ele inédito som do quebrar infinito de ondas.
Mas voltemos ao mar. Que estava calmo, calmíssimo, como que para prestar respeito ao senhor de oitenta e sete anos que vinha ao seu encontro, a passos lentos, bonitos, cheios de vida no sentido mais pleno. O chapéu lhe saiu da cabeça e não foi o vento; seu rosto era só admiração, reverência. Com as calças dobradas, ousou molhar os pés: "a salmoura vai até sará-los", pensou alto ele, que ultimamente reclama de dores.
A contemplação daquele "açude sem fim" não merecia ser interrompida. Não vai experimentar se a água é mesmo salgada? "Não, não. Está meio suja." E, dois minutos depois, virando-se para o outro lado: "mas aqui não está suja". Agachou-se, encheu as mãos de água, depois o rosto todo. Quando veio o momento mágico, a língua suavemente passando na mão molhada e o olhar de confirmação: "dava para temperar um almoço".
O senhor de oitenta e sete anos ganhou o mar de presente. Mas, mesmo que nem imagine, presente maior ganharam seus filhos e netos que testemunharam a inolvidável cena: tal e qual o poema, o Atlântico foi todo pacífico para homenagear a grandiosidade de quem o pisava pela primeira vez.
O senhor de oitenta e sete anos é Antonio, meu avô.

* Observação necessária sobre a expressão "filhos e netos" aqui empregada: no referido passeio, filhos foram filho e nora; netos foram quatro -- sendo que uma delas se tornou neta por casamento.

7 comentários:

SRTA. LÓRI CAPITU disse...

Muito belo, Cronopolitano!

Giovanna Longo disse...

Bela história. Bela foto. Sempre me emociono com histórias sobre avôs e avós. São pessoas que merecem todo o nosso respeito, sempre. A foto, cheia de sentido, é quase a tradução do que seu texto diz. Sem lê-lo, alguma coisa se apreende apenas da foto.

Laís C. Veiga disse...

Jú..
Vc acaba de me fazer chorar só de lembrar desse momento tão especial e satisfatório para nossa família, um dia lindo e simplesmente inesquecível e só vc mesmo para conseguir demonstrar esse sentimento com a escrita..
beijos..

Unknown disse...

Eu estava lá....em pensamento, alma e coração!
Mto obrigada por ter feito td isso pelo Vovô!!!
te amo primo!!!

Lícia disse...

LINDO! apenas LINDO!
chorando só de ler!
as palavras da Iara são minhas tb: obrigada por fazer isso pelo vovô.
bj
Lícia

Unknown disse...

Jr,nem preciso dizer que chorei né!!!Meu pensamento voltou aquele dia,em que o céu parecia mais azul,o mar mais imenso e a brisa mais leve,nos dando esse presente...ver no rosto do vovô a alegria,assim como uma criança ganha o presente que queria!!!!Inesquecivel!!!Muito obrigada por também poder participar desse momento!!!bj

Loreta Berezutchi disse...

Oi Jú, só agora fiquei sabendo deste passeio maravilhoso! Imagino a emoção e o que mais me comove é que são coisas tão simples que, ás vezes, esquecemos de dar valor e então, vem um senhor de 87 anos e nos mostra que, como dizia o poeta: "tudo vale a pena(..)" Obrigada!! Bjos!!