31.3.07

I could be right/ I could be wrong

Tropeço. Tombo. Vista anuviada. Viados. Aviso. Fatal error. Fim. Tropeço. Outro. Tombo. Claridez vespertina. Sobressalto. Pavor. Pânico. Terror. Mais viados. Avisos, avisos, avisos. Erros, desacertos. O que era paixão se transforma em fardo.

Tropeço. Tombo. Mais tombos. Vista cansada. Repetição. Tédio. Desapego. Estrago. Desentrega. Pavor. Favor. Mesmice, mesmice, mesmice. A mesma mesmice de sempre. Impaciência. Ansiedade. Palavras-chave. Doença. Ambigüidade. Constelação. Tudo o que foi dito já foi.

Tropeço. Três, já. Mais. Outros. Descaminhos. Separação. Aperto de mão. Aperto no coração. Aperto. Friozinho na barriga. Sossego. Sossego. Sossego. Cego. Saudade. Assim mesmo. Mesmice. Tudo outra vez de novo. Espaço. Distância. Saudade. Vontade. Desejo. Tropeço. Tombo. Vista anuviada. Viados.

Tropeço, aviso, fim. Solidão.

30.3.07

A vida, sem graça, olha-me ao espelho. Velho, diz-me, atulhada de impropérios. E lança-me quatro dados vermelhos, grandes, envilecidos de desprezo e neblina. Calhorda essa vida!
A vida, sem graça, olha-me ao espelho. Velho, diz-me, atulhada de impropérios. E lança-me quatro dados vermelhos, grandes, envilecidos de desprezo e neblina. Calhorda essa vida!

27.3.07

O malabarista atormentado (preâmbulo final)

Dezoito horas depois, um café atrás de outro, o piscar de olhos nem funciona mais. Mãos ao alto, diz seu subconsciente, nervoso, como que preenchendo mais uma lacuna mental. No bolso, as três prestações vencidas rimam com o pedido de aumento feito anteontem, e recusado, claro, porque o exército de reserva é maior do que qualquer sonho proletário. Círculos concêntricos no chão por onde pisa, desviando com o sorriso dos buracos constantes, buracos perdidos, buracos traidores. Cuidado para não cair neles, quebrar o pescoço, morrer no hospital dois meses depois, viver em coma nesses dois meses, família chorando pelo corpo vegetativo até o médico desligar os aparelhos, zuiiiiim. O velório é aquela coisa burocrática, primeiro tem o preço do caixão, exploração pecuniária avançada post mortem, tem também toda a papelada, certidões, obituário, testamento, anúncio pequenininho no jornal, depois vem a choradeira, tias velhas que nunca mais se viam, ironias briguentas e birrentas ao pé do morto, por último vem o enterro, aqueles suspiros finais da viúva, o luto guardado por sete dias, a missa derradeira e a alma na paz de nosso senhor.

João Euclides da Silva não tropeçou no buraco, não morreu, não teve enterro digno. Continua trabalhando como malabarista do mequetrefe circo que insiste em se apresentar pelo interior do país. Mas uma garrafa de vidro escorrega em seu número, atinge seus lábios, corta-lhe todo, deixa-lhe em coma profundo por três meses e meio, a família desesperada decide e o médico, zuiiiiim, desliga todos os aparelhos. Aí é aquela burocracia, velório, certidão de óbito, testamento, anúncio fúnebre no jornal, cheiro de morbidez, tias velhas chorando e assoando o nariz com muito barulho, ironias briguentas e birrentas ao pé do morto. No enterro, suspiros finais da viúva, que deve guardar o luto por sete dias, até a missa derradeira. Depois continuará traindo o marido, agora defunto, agora sem o mesmo sentimento de culpa que, uma vez por ano, povoava sua cabeça.

4.3.07

Croniqueta embaixo d'água

Agora que tenho quase a idade de meu pai, recordo-me que é saudável ficar olhando horas e horas para o aquário. Como se aquele pequeno mundinho sob nós soubesse que do lado de fora criamos Deus e todas as outras coisas num piscar de olhos e milênios de tradições.

No verão os pensamentos fluem num ritmo próprio, com o desejo auscultando, trágico, o que estiver submerso no degradado e decretado corpo derretido de calor e pálido de tanto se ensimesmar.

Borbulhos indicam que no aquário a água também ferve.