31.5.10
30.5.10
29.5.10
Porque hoje é sábado
Paisagens com cupim
No canavial tudo se gasta
pelo miolo, não pela casca.
Nada ali se gasta de fora,
qual coisa que em coisa se choca.
Tudo se gasta mas de dentro:
o cupim entra nos poros, lento,
e por mil túneis, mil canais,
as coisas desfia e desfaz.
Por fora o machado reboco
vai-se afrouxando, mais poroso,
enquanto desfaz-se, intestina,
o que era parede, em farinha.
E se não se gasta com choques,
mas de dentro, tampouco explode.
Tudo ali sofre a morte mansa
do que não quebra, se desmancha.
(João Cabral de Melo Neto)
No canavial tudo se gasta
pelo miolo, não pela casca.
Nada ali se gasta de fora,
qual coisa que em coisa se choca.
Tudo se gasta mas de dentro:
o cupim entra nos poros, lento,
e por mil túneis, mil canais,
as coisas desfia e desfaz.
Por fora o machado reboco
vai-se afrouxando, mais poroso,
enquanto desfaz-se, intestina,
o que era parede, em farinha.
E se não se gasta com choques,
mas de dentro, tampouco explode.
Tudo ali sofre a morte mansa
do que não quebra, se desmancha.
(João Cabral de Melo Neto)
28.5.10
27.5.10
Instante da estante
PENTEADO, Jacob. Belènzinho, 1910 - Retrato de uma época. São Paulo: Narrativa Um, 2003.
26.5.10
25.5.10
24.5.10
Para começar a semana
"Não gosto de repetir fórmulas. Só começo um novo livro quando estou seguro de que não conseguirei escrevê-lo. É um desafio, não posso me deixar vencer pelas palavras."
António Lobo Antunes (1942- )
23.5.10
22.5.10
Porque hoje é sábado
Poema XX
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
(Pablo Neruda)
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
(Pablo Neruda)
21.5.10
20.5.10
19.5.10
18.5.10
17.5.10
Para começar a semana
"O biógrafo não tem o direito de inventar, imaginar ou supor fatos. Porque a graça da biografia está em descobrir."
Ruy Castro (1948- )
se eu pudesse
se eu pudesse
pularia minha vez,
nem que eu fosse
uma tosse
dessas que passam
em três dias.
se eu pudesse
seria dois, seria três.
ou logo dez
de uma vez:
abriria uma franquia
de mim mesmo.
mas não sou texto
nem presto.
então não posso nada:
meu resto
só suspira
colhendo madrugadas.
pularia minha vez,
nem que eu fosse
uma tosse
dessas que passam
em três dias.
se eu pudesse
seria dois, seria três.
ou logo dez
de uma vez:
abriria uma franquia
de mim mesmo.
mas não sou texto
nem presto.
então não posso nada:
meu resto
só suspira
colhendo madrugadas.
16.5.10
15.5.10
Por que hoje é sábado
Sem título
Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas.
Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha,
nem desconfia que se acha conosco desde o início
das eras. Pensa que está somente afogando problemas
dele, João Silva... Ele está é bebendo
(Mario Quintana)
Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas.
Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha,
nem desconfia que se acha conosco desde o início
das eras. Pensa que está somente afogando problemas
dele, João Silva... Ele está é bebendo
(Mario Quintana)
14.5.10
Até quando não poderei escolher?
entre
o oco e o tudo,
o verde e o nada,
o céu e o de novo,
o caos e a solidão,
o acaso e o chão,
o beijo e a luta,
o meu e a lua,
o teu e a tua.
o oco e o tudo,
o verde e o nada,
o céu e o de novo,
o caos e a solidão,
o acaso e o chão,
o beijo e a luta,
o meu e a lua,
o teu e a tua.
13.5.10
12.5.10
11.5.10
10.5.10
Para começar a semana
"Tenho cada vez mais medo de escrever, de decepcionar as pessoas que confiam em mim. Não tenho direito de desiludi-las. É um recomeçar em cada livro. O leitor não pode perceber isso, tem de acreditar que é muito fácil escrever. Mas espontaneidade dá muito trabalho."
António Lobo Antunes (1942- )
9.5.10
8.5.10
Porque hoje é sábado
Poema em linha reta
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
(Álvaro de Campos)
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
(Álvaro de Campos)
7.5.10
6.5.10
5.5.10
25. Das lembranças
- Até quanto quando conta conta?
- Um mil, novecentos e cinquenta e seis.
- E depois que depois pois então depois?
- Acabou.
- Acabou por causa de quê?
- Espie dentro da caixa laranja. Não há mais palitos dentro da caixa laranja e nem laranjas se equilibrando sobre os palitos dentro da caixa laranja.
- Um mil, novecentos e cinquenta e seis.
- Acabou.
- Um mil, novecentos e cinquenta e seis.
- E depois que depois pois então depois?
- Acabou.
- Acabou por causa de quê?
- Espie dentro da caixa laranja. Não há mais palitos dentro da caixa laranja e nem laranjas se equilibrando sobre os palitos dentro da caixa laranja.
- Um mil, novecentos e cinquenta e seis.
- Acabou.
4.5.10
3.5.10
2.5.10
1.5.10
Porque hoje é sábado
Poema de Natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
(Vinicius de Moraes)
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
(Vinicius de Moraes)
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