30.9.07

Com dor nas costas
Sou um acento
circunflexo

Setas

Para vir
Vista uma roupa adequada
E mais nada.
Nada de touca
Nada de cair
Nada que dê muito na vista.

Para vir
Venha.
O caminho não tem erro
Nem pista
Nem atalho
Nem aterro.
Ponha o mapa debaixo do braço
Faça-o sua colcha sem retalhos.
E venha.
Venha.

28.9.07

Argumentos cíclicos, ciclídeos, caetanovelosices, cretinices e acidezes

É como caminhar em linha reta, à minha esfinge, somos, o que finge ecoar ensimesma, não sabe, não voa, é tipo uma lesma à toa, atéia. Ateio fogo na véia? Três vezes, este mês de reveses, pormenores, azeites.

Isso tudo para não ter nada a ver. Chamariz invertido. Tropeço.

Perdidão, peço perdão pelo tempo perdido.

27.9.07

Poema olhando para o céu

Enquanto a Via Láctea vai escorrendo
sob meus olhos
A Lua me sorri, pálida.

Enrubesço um instante
E tento beijar o odor inconfundível
das damas-da-noite
Mas o coração, músculo fraco,
não alcança.

Canção do exílio

Tarde
Longe de casa o peito em brasa arde
Saudade

24.9.07

Ex
cada
Escada.

Seu-icídio

Meia-noite e quinze
Gilete
Pulsos pulsando?
O sangue escorre e mancha todo o tapete da sala.
Dois cigarros apagados
Porta entreaberta
Um jazz deprê no toca-cds
Pulso pulsando?
O sangue escorre e mancha todo o tapete da sala.
Óculos sobre a mesa de centro
Livro, Sartre
Meio copo de uísque
Uma carta por terminar
Pulso pulsando?
O sangue escorre e mancha todo o tapete da sala.

No dia seguinte, a mãe vai ficar furiosa:
O tapete era novinho.

23.9.07

Se preciso for

Posso virar colibri
Só pra ter o álibi
De te beijar.

A f o g a d o

em lágrimas de sal,
me procuro
no oceano em que te perdi.

Se é

Ensaio
Sujo o cenário
E saio de cena.

I want to hold your hand

Pra não soltar nunca mais
Pois você tem um encanto
Que tanto e tanto me prende!

We are

É verdade que somos o que comemos?
E se eu quisesse acordar
com a sua cara?

Poema da morte azul

Ando costurando estrelas nas horas vagas de solidão...
Nas horas desvagas, saio passeando com meus pés de vento
cuspindo fogos e fotos pelas paredes nervosas da avenida
Nações Unidas
e cantarolando velhas canções de ninar multifacetadas.

Perco-me em lucubrações,
Já não sei mais de que lado do espelho estou,
Se sou flexo ou reflexo,
Se viro acento circunflexo,
Se aceno ou assento...

Respiro o ar abrupto dos deuses excomungados
E vou construindo relâmpagos!

Oito e meia. Pink Floyd. Pingo de cola na carta.
Cheiro de perfume no e-mail. Talco para os pés.
Um banho, outro banho. Outro banho. O quarto.
Fósforo, incenso, cigarro, cigarro, incenso, fósforo.
(forte intenso catarro, catarro intenso forte)
Cinzas.
Por que seus olhos não têm cor?

Deixo nascer pensamentos de minhas barbas
E tem horas que caio dentro do relógio
(Confesso que dói muito ser atropelado pelos ponteiros!
- mas o relógio é minha religião)

Preciso chorar mas a chuva é sempre maior.

Poema para Elis

Não tenho a menor idéia de quantos de nós morrem na primavera
Nem me interessam quantas flores nascem, já desnutridas...
Na verdade não gosto de números
nem de olhar pela janela na hora errada:
- Vai que o ônibus já passou!

Vamos de carona
E assim é o jeito de descobrirmos o mundo juntos
Como se a vida fosse um filme americano
Sem legendas.
- Tá na hora de aprender inglês!
E quem sabe ouvir Caetano cantar de novo.

É preciso fazer um poema para Elis
Um poema que seja quase só pensamento
Pluma e vento, entardecer, um poema
que voe no ar
e aéreo pleno aeroplano.

O vento, Bauru. Meu estômago vazio, bauru.
Tenho medo de ser brinquedo nas mãos de Deus
E no fundo ninguém me compreender.
- É, nasci no planeta errado!

O vento, beleza americana, agora com legendas:
- Será que Antonio foi primo de Rodrigues Alves
ou se encontram apenas por coincidência?
(Dá vontade de dormir no embalo
do mundo que gira)

Um dia quero conhecer o santo que não precisa de óculos para enxergar longe
Quem sabe até enxergar longe que nem ele
Só pra poder ter olhos de poeta
e fazer um poema pungente
cheio de amor.

Poetrix do mundo moderno

Pressa. Pessoas passam.
Posso? Pode não,
Aqui é sob pressão.

Suicídio

Entre a estrada e a entrada da empresa estrangeira,
Na beira do nada,
Uma pedra precipitada é triste.

Cabe citar as cabeças que insiro, sincero, no sonho:
As três tramando astrólogas manias de enganar Deus!
- Pra que antecipar o futuro
Se no puro sossego o muro é escuro
E todos somos cegos?

No princípio, fez-se o início.
No início, fez-se o edifício:
Pra não morrer de tédio diante de tanto prédio,
Inventei o precipício, voando sem asas.

Fotografia instantânea

Há sempre uma vaga esperança nos olhos estranhos que me olham sem explicação:
Uma esperança que se queda, pedra;
Uma esperança que quebra a vidraça do vizinho nervoso.

No bolso, o bilhete amassado quase me sorri
E eu me sinto o motorista do ônibus
Conduzindo seus sonhos por todos os pontos da cidade.
- Olha o jornal! Apenas um real!
Subindo elevador
Descendo escadas
Respirando o ar comprimido ao qual estamos condicionados.

Ainda há uma esperança, ainda que vaga.

17.9.07

Algo existencial

Cansei do câncer e da canção
Agora sou sozinho e meu instante é triste
Mas não há poema em que caiba minha dor.

Tropeço em nuvens sem titubear
Ando com medo de altura e às vezes o ar me falta
Mas vôo porque vou ao léu como os pássaros:
Errante, persigo a migração dos sentidos no céu
E cruzo e sigo oceanos de perigo...
Quem vem comigo?

Cansei da causa e das coisas
Construo casas para contemplar ocasos
Mas no fundo sou um mergulho ao acaso
Por acaso.

Jogo dados com Deus
E dedilho estrelas musicais
Mas o estribilho - estampido - sempre me foge
Assim como água por entre os dedos:
Meus medos, meus segredos, meus degredos
Tudo o que degrada minha imaginação
Fingindo que agrada enquanto agride...

Cansei de ser humano!

Conjuntural

"Torres tremem e escondem-se sob o tapete.
Soldados contritos perguntam o que lhes compete:
É hora de fugirmos todos?"

Os combatentes conferiram o que tinham:
a) máquina de fazer chover
b) bombas de confetes fluorescentes
c) livros sem letras
d) metralhadoras de ilusões perdidas
e) azeitonas sem caroço
f) muita preguiça.

Então decidiram inventar o carnaval!

Imundando

Principiei a desconstrução do mundo.
Comecei pela piração efêmera de ser
Sem saber se a piração era trans ou ins.
(O importante foi quando descobri começar a des-ser o que sempre fui para sub-ir aonde sempre fui.)

Eliminei todos os pontos geográficos
Porque só sem um mapa é que pude me perder
E confundir o ponteiro doido da bússola:
- Desnortead...

Risquei meridianos, paralelos;
Arrisquei a morte pois a morte é perpendicular à vida
E de meridianos estamos todos setentrionais.

Peguei uma agulha bem pontiaguda
E furei o globo como se bexigasse Terra:
- Planificar, planificar, planificar
Todos plenários planários pulando de planaltos e cuspindo planilhas!

Mas foi um estouro tão grande
Que virei bolha de sabão.

14.9.07

Poesia crônica

Acordei o sono dos que não morreram.
Vesti a poesia mais bonita do guarda-roupa e escovei meus dentes brancos com o sol da primavera.
Olhei-me ao espelho molhado por respingos humildes d´água. (O melhor espelho são os olhos da mulher amada!)
Embebedei-me dum gole de café negro feito escravo e fui trabalhar quase atrasado.
Meu trabalho é estranho. Deveras estranho.
Vivo de viver, ou melhor:
Vivo de colher flores extintas
Para que se façam raros buquês
Para amores mais raros ainda.

Acordei o sono dos que não dormiram.
Vesti o medo. E o medo usava óculos.
Escovei os exóticos e perigosos desvãos da imaginação. Tentei sorrir mas não consegui.
Procurei os cacos do que fora um espelho. Esperei lá fora, com os cabelos despenteados.
Não encontrei açúcar algum pra adoçar meu café de minha vida. Cuspi nada num dia qualquer lá na frente.
Não fui trabalhar porque me estava triste. Muito triste.
Era como se morresse, ou melhor:
Transpirasse hipérbatos negativos
Como se houvesse água em pó
Para saciar a sede de quem vive na seca.

Acordei o sono dos que não sonharam.
Vesti uma roupa tão velha quanto colorida mas todas as cores sumiram abruptamente. P&B.
Olhei-me ao relógio e os ponteiros girando deram-me idéia de quão tresloucado estou. Olhei-me no relógio, preso por um centro, andando em círculos, sem sair do lugar embora sem parar.
Não achei nada na geladeira para o desjejum. Ainda bem que vou virar faquir e viver de fotossíntese.
Tropecei em todas as plantas do meu caminho:
Elas ficaram com inveja por eu também fotossintetizar
E decidiram me passar rasteiras...
Egoístas!

Acordei o sono dos descamados.
Vesti as asas do meu defunto anjo e tentei voar. Caí e quebrei a clavícula esquerda.
Olhei meus olhos refletidos nos doces seios da lua quando São Jorge me fitou enciumado e soltou seu dragão-de-guarda pra cima de mim.
Vi um velho pensando e fotografei o pensamento dele. Sempre quis fotografar pensamentos, ainda que inócuos.
Saí correndo atrás de algodão-doce
E o vendedor ficou espantando
Achando que eu não vivera infância...

Acordei, de verdade.

Nottata bianca

Você: parar
e separar;
Eu: superar.

Na praia

A pedra ronca?
Não. É só o mar
que quebra.

9.9.07

La vechia ed il sole

C´era una volta una vechia che viveva in una casetta di legno in un piccolo paese vicino a Torino. Od a Napoli. Od ancora a Cagliari, perchè, per dire la veritá, io non mi ricordo molto bene.

Allora, c´era una volta una vechia molto vechia che viveva da sé in una piccola casetta di legno nel piccolo paesino di tuta l´Italia di nostro Dio.

Ogni giorno, lei diceva il nome di tutti i cinquanta sei milioni e mezzo di italiani. Dopo, lei si alzava e cominciava il faticoso e dificile lavoro di spazzolare sua dentiera verde. Ogni giorno, di domenica a domenica.

Piaceva alla vechia suonare suo violino construito di carta bianca, mentre suoi nipoti immaginari cantavano le piú belle canzonette d´amore.

Sua casetta di legno era presa in affitto, ma lei non sapeva di questa condizione. Lei non sapeva quasi niente. Quando la notte arrivava, per esempio, la vechia custodiva, sola, il sole in una recondita cassa nera dentro di suo guardaroba.

Ieri sera, all´incirca di otto o nove, il sole è uscito di senso, perdendo appieno il lume della ragione, ed ha bruciato la cassa, il guardaroba, la casetta, la vechia, il paese, il mondo intero.

Dopo la sua morte, la vechia non è riuscita a raggiungere il cielo perchè sue gambe eranno molto corte.

Lei aveva trecento e due anni e se chiamava Bugia.

Il tragico architetto

Oggi non ho nessuna parola da dire.

Perchè ieri sera, quando sono arrivato qui, già non c`era nessuna casa. Tutto era tornatosi già polvere, como è scritto.

Ho cercato le scale che mi conducevano, gradino a gradino, per le nube del pensiero, pioggia e vento. Niente. Ho voluto vedere dalla finestra, forse cercando i suoi occhi cantando nel giardino. Niente. Ho pensato di lanciarmi, suicida, dal balcone: ma guarda! nessun balcone c´è ancora!

Dopo le bombe, dopo la guerra, tutto stà disordenato. Oggi non ho nessuna parola da dire. Il pavimento che io pesto è sul soffitto e non ci sono camere da letto, salotti, sale di soggiorno, sale da pranzo, pianerettoli, bagni, cucine...

C´è restata solo una rosa (perchè non c´è rosa senza spine), molto brava, dicendo afrettata:

- Qui c´era una casa carina, tutta colorata: gialla, verde, rossa ed un poco blu...

Oggi non ho nessuna parola da dire.

Terapauta (autotexto de abril de 2005)

Nuvens são deusas ao desuso condenadas, decrépitas em virtude do ateísmo professado pelas gentes. Ao fim do dia, gosto de ter tempo pra adorá-las, quando ficam rosa-roxeadas pelo pôr-do-sol macio que só em Bauru há.

Aí penso no que passou e no punhado de coisas grandes que tenho vontade de conquistar, fazer, me ser. Culpo-me pelo texto não escrito e ao mesmo tempo já me expio ao lembrar que a madrugada está inteira e ainda há tempo de sobra pra exorcizar-me, brigando freneticamente com o teclado incansável de meu computador.

Meu computador é um parágrafo à parte. Em seu currículo são dois anos e meio (54 reportagens, 3427 fotos, 52 contos e centenas de poemas). No meu, são vinte. Dedicados a interromper o fluxo atemporal do vento que balança as montanhas e da lógica que desafia os fatos. Dedicados a encurvar retas e aborrecer quem se atreve a ler-ser-amar-correr.

Do jornalismo não tenho o que dizer. Prefiro sê-lo a julgá-lo. Prefiro vivê-lo a entendê-lo. Ele me acontece, apenas. E é só olhar para trás e lá se vão quase oito anos (40% da minha vida) em que estou nele em comunhão. Minha profissão, de fé. Minha pró-visão.

A poesia vem de antes. Não sei ao certo quando, mas certamente foi por irritação por um fiapo de manga enroscado nos dentes, tão precocemente amarrados por arames metálicos da modinha. A poesia surgiu como descarga – e ainda hoje a é. Acompanhou-me nas primeiras frustrações da paixão e agora é fiel depositária do amor que vivo. Meu éter, a chuva que faço chover quando quero brincar de Deus.

Em 2000 virou livro que prefiro esquecer. Desde um ano antes me rende prêmios – alguns dividendos, por vezes. Mas gosto mesmo é daquelas que provocam: um beijo, uma lágrima, um sorriso sincero, um adeus. As outras são inúteis.

Os contos nem dá pra contar. São despretensiosos e tão sem futuro quanto os fumantes. Ano retrasado cismei de criar algo maior e nasceram nove gnominhos cor-de-abóbora. Mas ainda não foram capazes de decidirem seu rumo e continuam morando dentro do computador – ao menos já se mudaram da minha cabeça, não os aturava mais!

De manhã, raramente olho ao espelho. Não costumo pentear os cabelos desde que o uso do capacete me desobrigou de tais cuidados. Ganhei alguns minutos a mais de sono, cada um com a sorte que tem.

Gosto de passar a tarde escrevendo, mas não sei até quando isso vai durar.

Tem dias que me sinto um tremendo ponto de interrogação. Olho para o pingo abaixo e, por ser d´água, vejo que ele reflete a curvatura superior que rio de mim mesmo, numa pose quase aristocrática. Nesses dias, tenho vontade de ser um poste ou um avestruz. Fico em dúvida, posto que estou interrogação. Tenho vontade de procurar um terapeuta, mas sempre esbarro no problema de encontrar o mais conveniente. E, pra ser sincero, já estou deveras cheio dos terapautas que nos consomem enquanto sumimos o resto que somos, sem deixar rastos – que é pra ninguém seguir mesmo, com suas tralhas, as trilhas que fizemos.

Acho que sempre gostei de aquários.

3.9.07

entrego tudo o que não possuo.
depois furo.
alimento tudo o que não cultivo.
depois crivo.
assumo tudo o que não alivio.
depois cismo.
sossego tudo o que não conheço.
depois cesso.
espero tudo o que não alcanço.
depois canso.
escrevo tudo o que não entendo.
depois vendo.