31.1.06

[cronopolitano]

Picolé de internet, meu sorvete está aqui cheio de mentiras estranhas, gravetos que pegam fogo, sonhos mal-dormidos, segredos ao pé da cama e sinceridades pelo avesso.

O endereço tem cara metropolitana, mas soterra as esperanças construídas e depois remenda tudo com esparadrapo. Um scrap cai bem, mas o orkut virou soluço. Então leia agora.

27.1.06

Às vezes me sinto uma dobra cabisbaixa
ou uma esquina de espelho
Sem esparadrapo, nem nada
cada passo é um salto de desespero.

Onde está Wally?

26.1.06

Pessoas não são de plástico

Cansei-me de repetir que pessoas não são descartáveis, seus corpos não são de plástico, suas vidas não podem ser defenestradas sem justificativa.

Cansei-me de chorar, descer, des-ser. Cansei-me de sentimentar. Cansei-me de procurar eco no vazio das palavras. Cansei-me de tudo o que é impronunciável mas nos incomoda.

Reconheço que as almas também merecem um feriado.

21.1.06

Todo suco de tomate é vermelho e nojento, parte Emiliano; ou apenas a saga do homem que, virado ao avesso, morreu na contramão do trem das onze

Capítulo quarenta e um. A bruxa. Emiliano devorava o livro como fosse um pacote de batata chips salgadinhas crocantes deliciosas. A cada final de frase, um suspiro ou um assovio, não não, um “ufa” aliviado porque sobrevivera à trama. Todo domingo toda terça. Nos outros dias não lia não. Nos outros dias não lia nada.

Emiliano atravessa a rua devagar para que o sinal feche antes que dê tempo. Então mostra o dedo do meio para os motoristas putos que querem passar. E quase é atropelado por um motoqueiro, ziguezagueador do caos urbano. “Me vê uma Super?”, pede ao jornaleiro do outro lado da rua. E depois joga duas moedinhas de dez centavos dentro do chapéu oferecido do pedinte sonolento semimorto ao canto da sarjeta.

Avenida Paulista e a revolta dos pássaros. Onde estão os fios-poleiros os cocôs as penas os nacos de pão e os alpistes? Nos tacos de pedra que ladrilham a polêmica calçada dos solavancos absurdos às damas de salto alto, apaixonados caçam mensagens de amor, poetas tropeçam em mensagens concretas, desavisados não ligam e pisam em mensagens de paz. Paixão. Sexo. Carnaval.

Perigo da cabeça aos pés. Emiliano distraído é rendido “mãos ao alto”. Levam sua Super, sua carteira vazia com menos os vinte centavos do mendigo, levam seu bilhete único seu ônibus de volta seu múltiplo de dez do metrô seu trem selvagem. Trazem sua vontade de ir embora pra Passárgada.

Outro final de semana e a alegria é substituída pela dor. Inventamos viagens, vertigens, vacinas e vísceras. Emiliano nunca entrou numa casa de bonecas mas quando era criança via a irmã brincando. Emiliano nunca entendeu casa de bonecas travesseiro de penas de galinha pétalas murchas pratos cheios de vazio. Emiliano.

Emiliano. Quando crescer vai virar guerrilheiro. Pegar em armas. Honrar pai e mãe. Ler a bíblia e fundar uma nova religião.

Emiliano. Calça as botas e estranha a liberdade. A morte é assim? É assim? Assim?

Emiliano. Com seus dentes maciços e originais abre a boca e morde bem forte, ouve um trique, depois um traque, depois grita o hino nacional, Emiliano é homem, Emiliano não vai morrer, Emiliano não vai perder, Emiliano é o campeão mundial de desvio de obstáculos e pingos da chuva, Emiliano não é made in Paraguay, Emiliano é cabra macho sim senhor.

Brahma bem gelada. No balcão. Saúde! Saúúúde!! Saúúúúúde!!!

Sem nunca terminar de ler a bruxa, Emiliano virou herói de estimação.

16.1.06

Endereço e telefone

Sob a atmosfera terrestre, sobram sombras de nuvens endeusadas condenadas ao desuso.

Quando um mortal espirra, pronto: "atchô", e o mundo parece vir abaixo procurando uma praga para aviltamento.

Sem senões, um beijo.

15.1.06

Diáspora ao contrário

Não sei o que faço aqui. Pergunto às minhas lágrimas, que se quedam sem resposta. Eu não sou daqui. Eu não tinha que estar aqui. Meu lugar é lá longe, meu lugar é calmo, meu lugar é em paz.

Não sei o que faço aqui. Estou colhendo flores nas frestas das calçadas, estou chovendo no concreto, estou me perdendo poeta.

Não sei o que faço aqui. Se pudesse, pularia a linha ou viraria a página. Se pudesse, tomaria o primeiro ônibus. Se pudesse, ah! se pudesse, quanta coisa faria. Menos ficar aqui.

Porque não sei o que faço aqui.

12.1.06

Meu nome: Expectativa

Expectorante. Cada detalhe encabeça um alfinete que prende o botão. Uma lenda. Além da cisma do oriente, quebro-me a cabeça. Tonto. Conto até dez, noventa, cinqüenta e sete. Sento. Levanto-me e parto pra cima, porque o mundo ainda não acabou para mim.

10.1.06

Preferia não pagar pedágio da vida a condenar minha existência aos pares.

8.1.06

Quando o caos dorme

Cada respiro é um atrito.

6.1.06

Abelhas

Um curioso virou para o outro e perguntou: que que ocorreu com o curió que cada um tinha na gaiola?

Não se ouviu um pio.

2.1.06

Coisas esquecidas

Atrás do armário, a cabeça cortada. Da geladeira, três pares de meias. Do sofá, um coração duro e frio.

Dentro da gaveta, um dedo com aliança. Da caixa de sapatos, apenas um pé do par. Do forno, um pedaço de criança.

Embaixo do tapete, um monte de sujeira. Da mesa, a bola de futebol. Da cama, uma camisinha furada.

Em cima do muro, um ponto de interrogação. Da tevê, um pingüim de geladeira. Da escrivaninha, toda a coleção de miniaturas de jazigos.

No poema, um travesseiro.